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terça-feira, 26 de novembro de 2019

Me indica um filme: Sob a névoa da Guerra


Por JESSICA DE LIMA WHITTLE e SABRINA HATSCHBACH MACIEL*



Onze lições são comentadas no documentário ‘Sob a névoa da guerra”, e quem as discute é a controversa figura de Robert S. McNamara. Secretário de Defesa do governo dos Estados Unidos entre os anos de 1961 e 1968, sob as administrações de John F. Kennedy e Lyndon Johnson, McNamara foi profundamente envolvido na Guerra no Vietnã, tendo sido descrito como seu “arquiteto”. O documentário relembra a vida, as conquistas e derrotas de McNamara, retomando fatos sobre a segunda guerra mundial, mas especialmente sobre a guerra no Vietnã. Enquanto aos, então, 85 anos de idade, McNmara reflete, no documentário, sobre suas ações - e as ações de seu país - durante os conflitos por ele vivenciados, e, em meio a esta análise, é introduzido estas 11 “lições”, e algumas serão analisadas neste trabalho.
A primeira lição declara “Tenha empatia com seu inimigo”; e a segunda “Racionalidade não nos salvará”, sendo estas mais exploradas aqui devido sua relação com as ideias de Thomas Schelling sobre o Realismo Estratégico.
A primeira lição dita por McNamara foi pormenorizada pela sentença: “Devemos nos colocar na pele deles, e olhar para nós com os olhos deles, para entender a ideia por trás das decisões e dos atos”. McNamara propõe estas conclusões após anos de observação frente as estratégias, as quais ele foi partícipe, durante as guerras. Ao voltar esta dedução aos olhos do Realismo estratégico de Thomas Schelling, é possível assimilar sua compatibilidade. Schelling foi um economista norte americano, era também professor de política externa e estrategista, discutindo sobre a problemática nuclear, sendo muito influenciado pelo seu contexto de vivência, a Guerra Fria.
Entre os estudos de Schelling, este discorre sobre diplomacia/barganha. O que seria uma diplomacia que pode vir a ter uma aspecto de “suja” – podendo se fazer pela ameaça e coerção - na qual não se trate sobre o ideal para as duas partes, mas sim o melhor para ambas. Para ter este poder de barganha, o autor afirma que é preciso conhecer o seu adversário, o que ele aprecia e o que o assusta. A conclusão de McNamara sobre, de fato, a importância do conhecimento do interesse do outro, para que o Estado realize esta diplomacia, é exemplificada com o sucesso do conhecimento que Thompson tinha sobre Krushchev na crise do mísseis. Por outro lado, o antigo secretário de defesa afirma que, durante a Guerra no Vietnã, os americanos não conheciam os Vietnamitas o suficiente para se colocar na pele deles e compreender suas verdadeiras intenções, gerando mal-entendidos que, possivelmente, estenderam a guerra e trouxeram malefícios para ambas nações.
Sob outra perspectiva, frente a crise dos mísseis em Cuba, analisa-se a segunda lição proposta por McNamara: “A racionalidade não nos salvará”. Nesta perspectiva, o Americano discorre sobre como, em realidade, foi sorte que preveniu uma guerra nuclear. Mesmo tendo líderes racionais, que possuíam a consciência que um conflito com ogivas nucleares causaria destruição total de suas sociedades, no contexto de extrema pressão e antagonismo competitivo, a experiência de um conflito não foi prevenido exclusivamente pela racionalidade daqueles que tinham poder de decisão. O realismo estratégico de Schelling não coaduna com esta conclusão de McNamara.
Thomas Scehlling, ao destacar a importância da tomada de decisões na política externa, ensina que as funções diplomáticas tem de ser efetivadas por meio de atividades racionais e instrumentais – estratégia. McNamara afirma a valia da diplomacia feita para evitar a crise dos mísseis, mas conclui que, em realidade, foi a sorte que preveniu um destino que teria sido desastroso para todos. Esta visão está em desacordo com o que conclui-se de Schelling, mas também com a maioria da Teoria Realista das Relações Internacionais, que dispõe sobre o âmago da intenção Estatal é o interesse próprio, o qual deveria ser baseado em uma racionalidade, que pressuporia um cálculo de vantagens e custos. O custo da aniquilação de sociedades não foi considerado quando a racionalidade – quase – não preveniu uma guerra nuclear.
Ademais, entre outras lições de McNamara que intentamos destacar nesta analise está o terceiro ponto, “existe algo além você mesmo”. Nações possuem seus próprios interesses - e neste momento do documentário McNamara cita as visões militares Norte-americanas, que não consideravam perspectivas de outros Estados. Como exemplo, entre estes interesses nacionais estariam, como um dos casos apresentado no documentário, os EUA invadir o Vietnã e entrar em guerra, isso iria se concretizar, mesmo que a atendando contra a soberania do outro, ou atingindo a população, logo que, como citado por Edward Carr (autor de Relações Internacionais que debate o Idealismo moderno), onde não há uma anarquia internacional atuando acima da soberania dos Estados, o que os guia é a busca pelo poder.
          Por fim, vale brevemente citar as demais lições descritas por Robert McNamara. O quarto ponto “maximize a eficiência”, e o quinto, “proporcionalidade dever ser uma orientação da guerra”, McNamara nos remete aos bombardeios, durante a segunda guerra mundial, dos EUA as ilhas japonesas. Pela desnecessária morte de pessoas, tanto civis quanto militares atacando, é importante equilibrar o desejo de eficiência com as necessidades e objetivos. McNamara sugere que os danos causados em uma guerra devem ser proporcionais aos objetivos de cada um, a proporcionalidade é um conceito crítico.
          No sexto ponto, “obtenha os dados”, fica explícito que para tomar boas decisões, não podemos simplesmente depender da racionalidade ou de nossos dons intelectuais. McNamara afirma que, para tomar boas decisões, é necessário obter dados. Afirmando isso, o sétimo argumento, “acreditar e ver, os dois podem falhar”. O incidente do Golfo de Tonkin, apresentado no documentário, em que, os EUA foram para a guerra fundamentado em informações errôneas, deixa claro que é imprescindível um estudo cauteloso sobre o caso.
          O oitavo ponto, “esteja preparado para reanalisar seu pensamento”, surge em complemento ao anterior, alegando que cometemos erros, e consequentemente temos que estar preparados para reanalisar o nosso raciocínio. Não podemos considerar os princípios morais de um Estado princípios universais, pois essa atitude instigaria novos conflitos. Continuamente, “Para fazer o bem, você pode ter que se envolver com o mal”, o nono ponto nos mostra que, McNamara sabia a crueldade que circunda violência, e não nega a existência de crueldade em um contexto de Guerra. Impõe a pergunta, “quanto mal tem de ser feito para que possa ser feito o bem?”. Reconhece ser este um posicionamento extremamente difícil ao ser humanos, e afirma que a violência deveria ser levada ao seu grau mínimo.
O décimo argumento, “nunca diga nunca”, relata que, a névoa da guerra, combinada com a imprevisibilidade humana, pode criar resultados ou apresentar oportunidades que ninguém poderia prever. Se esta lição é útil na guerra, é ainda mais útil para preveni-la. Durante a crise dos mísseis de Cuba, a maior parte do gabinete, incluindo o próprio Presidente Kennedy, não acreditava que a União Soviética removeria seus mísseis sem o uso da força militar. Thompson discordou e, Kennedy confiou em seu julgamento. Como resultado, as superpotências evitaram a guerra nuclear. Seria sábio recordar que a melhor maneira de ganhar uma guerra é evitá-la, buscando uma solução diplomática.
          Por fim, a décima primeira lição, “você não pode mudar a natureza humana”, exprime o pensamento de que, os Estados são guiados pelo darwinismo político, onde o estado de natureza do sistema internacional seria um estado de guerra contra todos e contra tudo, sendo a motivação a busca pelo poder. Seguindo esta linha de pensamento, para garantir a estabilidade no sistema internacional, seria de extrema importância o procedimento de equilíbrio do poder, primordial para corrente realista das relações internacionais.
Robert McNamara ficou conhecido por muitos como o “Arquiteto” da Guerra do Vietnã. Foi estrategista em duas guerras, tendo trabalhado ao lado do General Curtis LeMay, um dos principais dirigentes dos atrozes bombardeios a Tóquio na segunda grande guerra, e tendo sido secretário de defesa dos Estados Unidos durante parte de outro conflito. Ou seja, é possível concluir que McNamara vivenciou inteiramente a realidade estratégica e política do que é uma guerra. Ao analisar suas lições comentadas no documentário, é possível concluir apenas a incerteza da guerra. Sendo uma realidade muito complexa, mesmo com planejamentos, dados e estratégias, as vezes nem mesmo a racionalidade humana pode prevenir as barbáries de um conflito, e uma vez este instaurado, seu direcionamento também pode ser incerto, sempre coberto pelo que McNamara chama de “a névoa da guerra”. 

*Acadêmicas do segundo período de Relações Internacionais, em trabalho orientado pela Professora Janiffer Zarpelon. 








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