Páginas

domingo, 2 de junho de 2019

Me indica um livro: Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie.



Por Davi Bremgartner da Frota*

Americanah é um romance nigeriano escrito por Chimamanda Ngozi Adichie. É um livro que trata de temas atuais e relevantes para o contexto em que a nossa sociedade passa, levantando questões raciais, de migração, feminismo e auto aceitação. É um livro, sobretudo, cativante, inspirador, que leva o leitor a construir um espírito altruísta dentro das nossas perspectivas tão fechadas do dia a dia.

O livro narra a história de Ifemelu, uma jovem nigeriana em busca de melhores condições de vida, porém, vivendo nos Estados Unidos onde, pela primeira vez, experimenta as estranhezas de ser percebida como migrante, negra e mulher. Logo no início da trama, Ifemelu declara que irá voltar ao seu país de origem, surpreendendo o leitor com uma decisão que, precipitadamente, nós julgamos como errada. Entretanto, a história conta também o passado de Ifem (como seus amigos mais íntimos a chamam) e do seu grande amor de adolescência, Obinze, e os motivos para voltar à Lagos acabam sendo evidenciados conforme o decorrer da narrativa.

A narrativa transcorre de maneira não linear, e diferentes momentos da história da personagem são intercalados: a Nigéria de 1990, na qual Ifemelu era adolescente junto com seus amigos e Obinze, sua família e principalmente sua tia Uju, por quem tinha tanto apreço. Eram épocas difíceis de construir uma boa perspectiva de vida, tendo em vista que, naquela época, a ditadura havia se instalado na Nigéria, a greve de professores era constante, o pai de Ifem se encontrava desempregado e tia Uju acabara de se ver forçada a mudar de país, no caso, os Estados Unidos.

Além desse período, a vida de Obinze também é narrada conforme a vida de Ifemelu passa, e é nesse ponto que a história ganha suas românticas divergências: Ifemelu vê a oportunidade de morar nos Estados Unidos e, entre dias bons e outros turbulentos, acaba se destacando no meio acadêmico e construindo uma vida com a ajuda de sua tia Uju

Obinze, por sua vez, tem uma experiência frustrada como imigrante na Inglaterra e volta a viver em Lagos e obtêm um emprego público que pode sustentar um padrão de vida luxuoso para ele, sua esposa Kosi e sua filha Buchi - o que traz a tona também um debate sobre corrupção e desigualdade social. 

A chegada de Ifemelu nos Estados Unidos é representada como o marco inicial de todas as preocupações da trama. É o momento em que Ifemelu se vê acuada, depressiva, sem esperança para continuar lutando contra os desafios de um cotidiano tão diferente comparado com a vida dos próprios nacionais daquele país. Ela é sustentada inicialmente pela ajuda de tia Uju e pela seguridade social de uma amiga. As dificuldades cada vez mais vão surgindo conforme é descrito o cotidiano da personagem, isso porque, aos olhos dela, as diferenças sutis, mas ao mesmo tempo significantes, entre jovens brancos e negros americanos acabam por limitar os próprios anseios que um dia ela imaginou ter ao embarcar nos EUA.

Ao todo, pode-se dizer que Chimamanda escreveu um livro capaz de abrir nossos olhos para uma realidade ainda escondida, porém latente em nós. A literatura internacional, sobretudo americana, ainda é muito branca, e a autora, com um toque bastante provocativo, traz ao cenário da literatura a visão de personagens que ainda não tiveram a oportunidade de explicar, com suas próprias palavras, o mundo vivido por eles. Muitas vezes, no decorrer da história, as experiências de vida da autora se cruzam com as observações de Ifemelu, o que acaba por construir uma identidade bastante profunda da personagem. 

Com um olhar crítico, Ifemelu (ou Chimamanda) denunciam práticas corriqueiras do cotidiano que deveriam ser ao menos repensadas, evidenciando a intersecção de suas vulnerabilidades. Mulher. Negra. Imigrante. Um verdadeiro soco no estômago para quem lê o livro, mas também uma oportunidade, especialmente para alunos de Relações Internacionais, refletirem sobre questões tão comumente debatidas no curso, como migração, discriminação racial e feminismo. 

*Davi Bremgartner da Frota é membro do Grupo de Pesquisa Direito Migratório, em Curitiba, no Brasil e no Mundo, vinculado ao Curso de Relações Internacionais e  coordenado pela Professora Michele Hastreiter. O livro "Americanah" foi uma leitura sugerida pela Professora ao Grupo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário