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quinta-feira, 18 de abril de 2019

Direito Internacional em Foco: Nacionalidade e cidadania - as nuances entre os termos.




Lucas Emanuel, Manuela Paola e Mariana Nogueira Gavlak**.


Você já se perguntou se você poderia ter a cidadania em outro país? Essa é uma dúvida recorrente de vários brasileiros. Mas o que muita gente não sabe são as diferenças que existem entre os termos “cidadania e nacionalidade”.

 A origem da palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade e está relacionada aos direitos e deveres de um indivíduo que vive em uma sociedade. Entre os deveres, os cidadãos possuem o de participar, seja através do voto eleitoral ou por outros meios, formais e informais, do acompanhamento e fiscalização da atuação estatal, o zelo pelo espaço e o cumprimento de leis. Já entre os direitos, destaca-se o de ir e vir, como também o de ter acesso a saúde, educação, segurança, etc. Quando um indivíduo possui uma cidadania, ele é caracterizado como um cidadão perante aquela nação. Segundo Dalmo de Abreu Dallari: “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo”.

Já o termo “nacionalidade” tem origem provável na palavra francesa nationalité, cujo significado se refere ao “sentimento nacional”. Nacionalidade é o vínculo jurídico-político que vincula o indivíduo ao Estado e esse vínculo continua mesmo quando a pessoa deixa de residir no Estado, como já diz o Artigo 15: I – Todo homem tem direito a uma nacionalidade. II – Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do Direito de mudar de nacionalidade.

            O Brasil, por exemplo, utiliza um critério chamado jus solis (direito do solo) que é o direito à nacionalidade a partir do momento que a pessoa nasceu em território brasileiro, sendo considerado um brasileiro nato. Mesmo com pais estrangeiros. Com exceção apenas para filhos de pais que estão no país em serviço de sua pátria, ex: diplomatas. Estes por sua vez não adquirem a nacionalidade brasileira. São também considerados brasileiros natos aqueles nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros, critério este chamado de jus sanguinis (direito pelo sangue), nesse caso a atitude a ser tomada é o registro da criança em uma em repartição brasileira competente ou a vinda para o Brasil em qualquer tempo e, depois de atingida a maioridade, optar pela nacionalidade brasileira.

Existe também a possibilidade de um estrangeiro adquirir a nacionalidade, sendo assim chamados de brasileiros naturalizados. A Constituição Federal estabelece este direito àquele que não possui condenação penal e está residindo na República Federativa do Brasil há 15 anos ininterruptos. Neste caso, basta pedir a nacionalidade brasileira e ela lhe será concedida. Há, ainda, outras hipóteses de naturalização previstas em lei.

É muito comum pensar que cidadania e nacionalidade são sinônimos, mas há diferenças entre eles. Para melhor entender essa diferença, é importante entender a relação entre povo (que se difere de população, conceito geográfico) e nacionalidade. Os dois estão diretamente relacionados, uma vez que o povo é o elemento humano do Estado e, portanto, é um conjunto de nacionais. O povo mantém uma relação estável com o Estado por meio do vínculo jurídico da nacionalidade (não inclui migrantes, refugiados ou asilados, mas inclui nacionais que moram no exterior). Outra relevante distinção é entre nação e nacionalidade. O conceito de nação, comumente relacionado e confundido com nacionalidade, é muito mais ideológico, remetendo a pessoas com contextos históricos semelhantes, com a mesma língua e os mesmo costumes. Não se pode esquecer, também, da vontade dos indivíduos de fazer parte de uma nação, uma vez que território, cultura e língua não são suficientes para constituir uma. É aí que entra a ideologia do conceito, pois ele não está necessariamente atrelado ao Estado. A nação precede a organização política e legal, o que a difere da nacionalidade, que necessariamente vincula o indivíduo política e juridicamente ao Estado.

Se o Estado precisa garantir os direitos do cidadão, o contrário também é verdade: o cidadão precisa cumprir seus deveres. Por isso, deve-se considerar a diferença entre quem é cidadão ou não, logo, é possível ter a nacionalidade de um país e não ter sua cidadania. Portanto, uma pessoa pode fazer parte do conjunto de nacionais, mas não tem obrigações de cidadão.

Já o nacional brasileiro que não exerce sua cidadania é aquele menor de 16 anos ou que está exercendo serviço militar obrigatório, o que é condicionado pelo tempo, uma vez que ao atingirem a maioridade ou terminar o serviço militar poderão exercer seus direitos políticos. Inclui-se nessa categoria as pessoas analfabetas, que são impedidas de exercer sua cidadania passiva por não conseguirem fazer o alistamento eleitoral por conta da grande dificuldade que esse processo envolve e pela falta de informação e divulgação quanto a isso. Esse caso não está condicionado ao tempo, já que na Carta Magna está contido que essas pessoas não podem exercer sua cidadania de forma plena. Logo, a nacionalidade tem muito mais a ver com pertencimento, enquanto cidadania se relaciona com direitos e deveres.

Há, ainda, um caso previsto em nosso ordenamento jurídico de cidadão não-nacional: quando um português mora no Brasil, ele pode adquirir o status de “português equiparado”, situação na qual não há aquisição de nacionalidade, mas pode-se exercer os deveres de cidadão. No caso do Brasil, o português deve morar no território há mais de 3 anos e enquanto exercer seus direitos aqui, lá em Portugal os mesmo estarão suspensos.

E quem não é nacional nem cidadão? Podemos classificá-los em três categorias: migrantes, refugiados e asilados. O primeiro grupo se refere à pessoas que saíram de seu país de origem em busca de uma vida melhor, com melhores oportunidades de trabalho, e são geralmente trabalhadores. Refúgio é sinônimo de abrigo, ou seja, esse grupo engloba pessoas que foram obrigados a sair de seu país por medo, ou o fundado temor de perseguição, seja ela por religião, política ou qualquer outro motivo. Nesse caso, o país que os recebem tem a obrigação de não devolvê-los para o país de origem. O terceiro grupo, os asilados, diz respeito àquelas pessoas que sofrem uma perseguição necessariamente política e individual por descontentamento político.

Trabalhando com exemplos, a visualização é bem mais fácil. No primeiro caso, podemos citar o êxodo haitiano para o Brasil. É um caso um tanto peculiar, uma vez que o Haiti sofreu uma série de desastres ambientais, motivo da saída de seus nacionais, que procuram melhores condições de vidas no Brasil. Há uma grande discussão acadêmica em torno do termo “refugiados ambientais”, para que haja reconhecimento pelo Direito Internacional, mas, por enquanto - uma vez que esse debate vai muito longe -  ele não se enquadra no sentido original de “refugiado”.

 Os venezuelanos que fogem da fome são outro exemplo de imigrantes, diferente daqueles que fogem por perseguição política. Esses são considerados refugiados, assim como os sírios, somalianos e sudaneses, todos esse refugiados de guerra. Como dito anteriormente, o país que recebe refugiados tem a obrigação de não devolvê-los, mas não precisa necessariamente ser acolhedor. Para isso servem os campos de refugiados das Nações Unidas ou de qualquer outra organização. Esse campos, na teoria, são lugares temporários para os refugiados; um lugar para dormir apenas pelo tempo de resolver sua situação. No entanto, os refugiados passam muito mais tempo que deveriam numa situação extremamente precária, sofrendo física e psicologicamente, e muitas vezes experienciando a super lotação dos campos.

No último grupo, dos asilados, podemos enquadrar o famoso caso de Edward Snowden, analista de sistemas da CIA e depois da NSA, que divulgou os métodos - ilegais - de monitoramento(de cidadãos, aliados e inimigos) da Agência Nacional de Segurança americana. Snowden tornou-se um traidor da pátria e foi forçado a sair de seu país, recebendo asilo da Rússia, e por consequência, tornou-se também um perseguido político, ameaçado de pena de morte caso retorne ao país.

Um pouco fora da curva, há outro grupo de “não nacionais”: os apátridas, pessoas que não tem sua nacionalidade reconhecida por nenhum país. Os motivos podem ser inúmeros, e entre eles, pode-se listar discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em reconhecer todos os residentes do país como cidadãos quando este país se torna independente (secessão de Estados) e conflitos de leis entre países. Entre 1992 e 2007, aconteceu um fenômeno chamado de brasileirinhos apátridas. Na época, a legislação vigente não englobava crianças que nasciam fora do território brasileiro, remetendo ao princípio de jus sollis já mencionado. Porém, no país em que nasceram, sua nacionalidade era negada, muitas vezes, pelo princípio de jus sanguinis, muito comum nos países europeus. Ainda assim, existem muitos apátridas, que vivem à margem da sociedade e passam por terríveis dificuldades pela falta de documentação(assim como migrantes ilegais e refugiados), como por exemplo, a incapacidade de ir ao médico, à escola, abrir uma conta bancária ou até mesmo comprar uma casa. É importante localizar e reconhecer todos esse grupos para que os Estados, a ACNUR(Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e outras agências possam diminuir suas dificuldades e auxiliar no processos necessários para que essas pessoas possuam uma vida digna.

Como funciona a nacionalidade ao redor do mundo?

Como citado anteriormente, o conceito de ius sanguinius é muito utilizado como fonte primária para o reconhecimento de nacionalidade originária em países europeus. Um dos fatores que levam a adoção de tal direito na Europa, é processo de emigração que o continente passou nos últimos séculos, tanto como consequência da colonização feita pelas potências europeias do passado, quanto por conflitos ou perseguições políticas, como a Segunda Guerra Mundial e o holocausto, na década de 1940. Dessa forma, o vínculo da nacionalidade é mantido mesmo com os nacionais que estão fora do país.

O ius sanguinius implica na herança da nacionalidade dos responsáveis legais, ou seja, todo o nacional do país europeu em questão, para herdar a nacionalidade, tem que ser descendente de pelo menos um nacional do país. Como exemplo, podemos utilizar a nacionalidade espanhola.

 [...] São espanhóis de origem:
• Aqueles que nasceram de pai ou mãe espanhóis.
• Os nascidos na Espanha quando são filhos de pais estrangeiros se, pelo menos um dos pais, nasceu na Espanha (exceto para os filhos de diplomatas).[...]

Ou seja, a criança, mesmo que tenha nascido em solo espanhol, só será considerada espanhola, caso um de seus pais tenha nascido dentro do território em questão.

É importante ressaltar que muitos países adotam exclusivamente o ius sollis ou ius sanguinius como forma primária, porém abrem exceções e adotam outras fontes secundárias de reconhecimento de nacionalidade, como no caso da naturalização, ou concessão por apatridia. Citando a lei de imigração espanhola como exemplo novamente, a criança que sem a concessão de nacionalidade espanhola, seria considerada apátrida, ganha a nacionalidade caso seja realizado um registro em cartório.

Países que passaram por um processo de colonização em grande escala, como os países americanos, adotam o Jus Sollis como forma primária de reconhecimento de nacionalidade, assim a constituição de uma nação com identidade nacional única seria facilitada, em um país com população tão diversa, etnicamente. Um adendo aos países americanos signatários da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (incluindo o Brasil), que decidiram através Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada na Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, que adotariam o Jus Sollis como fonte primária originária exclusiva.
A situação da criança nascida em solo espanhol apresentada acima, teria o tratamento contrário caso a criança nascesse em solo estadunidense, por exemplo. A criança seria considerada nacional, mesmo que após o nascimento mudasse com seus pais para outro país, assim como também teria direito a requerer a cidadania americana quando chegasse a maioridade.

A ideia de nacionalidade está fundamentalmente ligada a ideia de nação, consequentemente, existem nações sem Estado, ou seja, nacionais que não podem ser cidadãos. O Povo Curdo, é um exemplo da falta de Estado, e consequentemente, cidadania curda: cerca de 30 milhões de pessoas com um núcleo histórico-cultural comum, distribuídas entre 5 países no Oriente Médio.

Neste caso, o termo nacionalidade é empregado como um conceito ideológico, ligado à ideia de nação, não necessitando de um território para ser aplicado. No entanto, para o Direito Internacional, nacionalidade é um vínculo que se exprime com o Estado, enquanto a Cidadania implica na possessão de direitos e deveres neste Estado, podendo, inclusive, participar das escolhas políticas e da vida pública naquele país. 

REFERÊNCIAS

https://docs.google.com/document/d/134EAxkVeYYYF98mBhNEBXDWpW-OnWm4_ib6-qJS0Dds/edit

**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.  

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