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quinta-feira, 4 de abril de 2019

Direito Internacional em Foco: Responsabilidade Internacional da empresa por dano ambiental - Estudo do caso: Brumadinho

Fonte da imagem: http://www.sintecsp.org.br/wp-content/uploads/2019/01/thumbnail_JANEIRO_2019_HOMENAGEM-%C3%81S-V%C3%8DTIMAS-DE-BRUMADINHO_Imagem.jpg




Maria Luiza Magalhães de Oliveira, Maria Eduarda Bortoni, Ellen Yanagida e Bianca Andrade**

Inicialmente, quando o Direito Internacional Público surgiu, os participantes da sociedade internacional eram somente os Estados, e esse ramo do direito regulava somente as relações entre eles.
Raras exceções, outros entes tinham o reconhecimento do Direito Internacional em sua qualidade de sujeitos de modo peculiar. É o caso da Santa Sé e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, por exemplo. Contudo principalmente após a Segunda Guerra Mundial, as relações internacionais se intensificaram e a sociedade internacional mudou, assim passam a integrar o rol dos sujeitos de Direito Internacional, as organizações internacionais e segundo alguns autores, os  indivíduos.

No entanto, nem todos os organismos com viés internacional foram reconhecidos juridicamente como sujeitos e ainda há muitas discussões sobre a classificação destes: as empresas transnacionais podem ser um bom exemplo da falta de unanimidade da doutrina.  
Apesar disso, essas corporações tem a capacidade de exercer certos direitos, pois influenciam a conduta dos estados e tem um caráter de grande relevância no jogo político internacional.

Elas estão presente em todos os países e consequentemente, devido ao impacto socioeconômico e seu caráter transnacional, dominam praticamente todo o fluxo de capital estrangeiro mundial, tanto que a receita de uma única empresa consegue se sobrepor ao PIB de vários Estados juntos.

No entanto, essas empresas não têm deveres a serem cobrados no âmbito internacional, o que possibilita uma liberdade bem maior que outros sujeitos. Isso acontece porque elas conseguem impedir - através de poder econômico e político- a criação de instrumentos internacionais que criariam deveres para essas instituições.

O caráter transnacional das empresas fez surgir, com o passar do tempo, a necessidade da criação de instituições coercitivas específicas para esses atores, abrangendo agora o campo de atuação internacional. Como mencionado anteriormente, apesar de possuir direitos e conseguir exercê-los, as multinacionais não possuem um compromisso diretamente ligado a obrigações, nem tanto celebram tratados com os Estados que pretendem firmar parcerias .De fato, é a ligação reservada entre as empresas e os Estados – por meio de troca de favores, cargos influentes e funções cobiçadas - que permitem uma participação indireta das corporações na criação de normas internacionais, beneficiando-as seja no âmbito ambiental, seja no comercial.
Contudo, para solução de possíveis controvérsias, faz-se necessário a utilização pelas empresas de mecanismos que atuem como auxiliares jurídicos. O mais conhecido, com um total de 162 países signatários, é o Comitê Internacional de Solução para Disputas sobre Investimentos (CISDI/ICSID), uma instituição de arbitragem fundada em 18 de março de 1965, por intermédio do Banco Mundial, na Convenção de Washington. A motivação para criação do Comitê reside na exigência de investidores estrangeiros por uma resolução imparcial de possíveis desavenças, sem a influência de instâncias nacionais. Após ratificar o acordo do ICSID, os Estados passam a submeter-se as decisões arbitrais proferidas pelo órgão e que, muitas vezes, questionam políticas públicas. Seria esse um dos motivos, segundo especialistas da área, que levou o Brasil a optar por não participar do ICSID, procurando ofertar aos investidores estrangeiros outras alternativas legais para solução de contradições, entretanto, não há registro da criação de nenhum organismo equivalente ao ICSID no domínio brasileiro. 
Estudo do caso: mineradora Vale
Para exemplificar a irresponsabilidade de diversas empresas com o meio ambiente podemos citar a Vale.
Sua criação se deu no período de presidência de Getúlio Vargas mas alguns anos antes já havia exploração de minério na região, porém era realizada por uma empresa norte-americana chamada Itabira Iron Ore Company. Logo que Getúlio assinou o decreto-lei de criação da então chamada Companhia Vale do Rio Doce, a empresa teve um crescimento controlado e gradual, com o objetivo inicial de fornecimento de minério para empresas nacionais.
Seu reconhecimento no mercado internacional se deu após a construção do Porto de Tubarão na cidade de Vitória – ES, pois facilitou a saída de todo minério que empresas internacionais demandam. Até então a empresa era estatal e responsável por grande parte da economia do Brasil mas em 1997, o governo  de FHC vende a Vale (esse feito já era idealizado desde sua época com Ministro da Fazenda)  por um preço bem abaixo do mercado e na época diversas manifestações populares foram feitas contudo a privatização ocorreu do mesmo jeito.
Ainda há um questionamento em relação ao processo no qual foi realizado essa privatização, se foi ou não irresponsabilidade por parte do Estado, pois vários protocolos que deveriam ser seguidos em relação ao edital foram quebrados e não levaram em conta o plebiscito popular realizado na época. Após a privatização, a empresa passou por uma mudança de valores e pela forma como trabalha, sendo considerada um tanto quanto mais focada no financeiro do que na participação de trabalhadores, como era antes. Como várias mudanças ocorreram e entre elas a troca e melhoria dos aparelhos de extração do minério, estas geraram um aumento na escala de produção, o que consequentemente gera um risco maior em relação ao armazenamento dos dejetos e da responsabilidade ambiental da empresa.
Seguindo essa linha de Estado - Empresa, há alguns anos em que podemos considerar que o governo de Minas Gerais vem governando em função da Vale. Durante o governo Pimentel, diversos licenciamentos foram desburocratizados e leis foram alteradas para facilitar a Vale, passando por cima das necessidades impostas.


Fonte da imagem: https://odia.ig.com.br/_midias/jpg/2019/02/02/700x470/1_fup20190202157-9539138.jpg

O recente desastre com a barragem de Brumadinho, que ocorreu em janeiro deste ano em Minas Gerais, foi a segunda falha em uma barragem de rejeitos, que a princípio, segundo a mineradora, estava desativada há algum tempo. A barragem se rompeu e liberou uma enorme quantidade de lama com cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios atingindo propriedades da mineradora, casas, prédios, uma pousada, vegetação e rios.
Comparando com a tragédia de Mariana em 2015 (uma das maiores tragédias ambientais do mundo), as consequências de Brumadinho foram mais humanitárias que ambientais, já que se fizeram 300 vítimas, entre elas mortos e desaparecidos. Porém, é impossível ignorar a catástrofe causada ao meio ambiente uma vez que a área era remanescente da Mata Atlântica. Dentre as consequências da tragédia, além das perdas de vidas humanas, destaca-se o desaparecimento de espécies, diminuição da biodiversidade, morte de rios com a poluição e a redução de oxigênio da água e a proliferação de doenças..
Umas das medidas que poderiam ter sido adotadas para evitar a catástrofe seriam projetos de alerta, rotas de fuga, treinamento de funcionários e evacuação da população, pois como bem se sabe o minério de ferro é um elemento utilizado em inúmeros produtos como fabricação de dispositivos de comunicação, automóveis, construções e gera empregos e renda para muitos. Logo, fechar a empresa seria algo extremamente difícil de se concretizar e que poderia afetar duramente a economia local ou nacional.
Embora a empresa tivesse que se responsabilizar pelo grande impacto ambiental e humanitário causado tanto nacional, quanto internacionalmente, até que haja um consenso no enquadramento das empresas como sujeitos do direito internacional, não apenas como “atores internacionais” – capacidades e competências exercidas apenas para a garantia dos direitos concedidos pelo Estado, não de forma indeterminada- o Estado continuará respondendo em seu lugar. Assim, fica a critério do Brasil estabelecer COMO e QUANTO a Vale será responsabilizada. Levando em consideração os já supracitados relacionamentos políticos da empresa, pode-se questionar inclusive SE ela SEQUER SERÁ responsabilizada. 


Fonte da imagem : https://pbs.twimg.com/media/DxznYzyWoAEX0FV.jpg
O rompimento de três barragens da mineradora Vale em Brumadinho(MG), na Grande Belo Horizonte, no dia 25 de Janeiro foi assunto entre os principais jornais do mundo, como The New Yorker, El País e Le Monde. Muitos classificaram a tragédia como uma das piores da história do Brasil. O New York Times fez uma matéria mapeando os locais que muitos brasileiros vivem perto de 87 mineradoras restantes, onde 27 são classificadas como áreas de grande risco. A ONU disse que o desastre deve ser tratado como um crime e que o Brasil deveria ter tomado medidas preventivas após a tragédia de Mariana.
Já no Brasil, os jornais comentam como a tragédia afetou o país em um momento de tristeza e incerteza, com a posse de um novo presidente.
Segundo o autor Marcelo D. Varella, , a responsabilidade passa a ser do Estado quando o dano tiver sido causado por seus agentes, seja porque incentivou ou tolerou o ato. A esse processo chamamos de Ato Passível de Responsabilização por ação ou omissão, sendo o caso brasileiro anteriormente citado uma clara demonstração de inércia do Estado, uma vez que nenhuma instância do poder aderiu a qualquer procedimento que pudesse impedir o ocorrido. Ainda segundo o autor, a obrigação dos Estados em agir e não omitir não busca o “risco zero”, mas procura analisar efetivamente o nível de risco aceitável para a situação, podendo, dessa forma, prevenir possíveis danos.

A impossibilidade do Direito Internacional acionar diretamente a empresa aumenta o ônus do Estado brasileiro com a tragédia, já que deverá despender recursos para uma adequada responsabilização e reparação internas, sob pena de ser compelido a fazê-lo pelo sistema internacional.


Referências
G.E. Do Nascimento e Silva Hildebrando Accioly; Manual do direito internacional público, 15° edição.
Marcelo D. Varella; livro Direito Internacional público, 7° edição.
Site oficial do ICSID; disponível em: https://icsid.worldbank.org/en/
Site do sindicato dos advogados do estado de São Paulo; A privatização da Vale dez anos depois; disponível em: http://www.sasp.org.br/convenios/60-a-privatizacao-da-vale-dez-anos-depois.html
Site Forum; Vale lembrar a privatização; disponível em: https://www-revistaforum-com-br.cdn.ampproject.org/v/s/www.revistaforum.com.br/vale-lembrar-a-privatizacao/amp/?usqp=mq331AQCCAE%3D&amp_js_v=0.1#referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Source%C2%A0%3A%20%251%24s&ampshare=https%3A%2F%2Fwww.revistaforum.com.br%2Fvale-lembrar-a-privatizacao%2F


https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/01/30/impacto-ambiental-da-tragedia-de-brumadinho-sera-sentido-por-anos-diz-fundo-mundial-para-a-natureza.ghtml

**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.


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