Em linhas gerais, o pacto para a migração é uma busca
ambiciosa para a regulamentação das condições de migrações ao redor do globo.
Não possui caráter vinculativo, isto é, respeitará primeiramente a soberania
nacional, mas buscará nortear as ações de cada Estado signatário. Vale
salientar que, como o próprio nome diz, o pacto tratara com exclusividade das
condições dos migrantes, não nacionais que estão em solo de outro país em busca
de trabalho.
As nuances do Pacto
As primeiras discussões do
pacto foram iniciadas em julho de 2018, e foi aprofundado até o dia 8 de
dezembro do mesmo ano para que em Marraquexe, Marrocos, ocorresse a assinatura
do mesmo.
O pacto conta com ao todo 23
objetivos a serem buscados pelos signatários. Os objetivos são claros e
passíveis de reflexão na realidade, citando os objetivos 9, e 10 em seguida, “Reforçar a resposta transnacional ao
contrabando de migrantes” e
“Prevenir, combater e erradicar o tráfico de pessoas no contexto internacional
migração”. O tráfigo humano, triste realidade vívida por várias pessoas que
se encontram em trabalho análogo a escravidão, que são exploradas para fins
sexuais, para a adoção ilegal ou para tráfico de órgãos é tratado diretamente
no conteúdo do pacto.
Não obstante, existem
objetivos que atribuem novas práticas administrativas para o tratamento regular,
como o que se encontra nos objetivos 1, 2, e 4, na sequência, “Recolher e utilizar dados precisos e
desagregados como base para o políticas”, ”Minimizar os fatores adversos e os
fatores estruturais que obrigam as pessoas a deixar seus país de origem”, e “Assegurar que todos os migrantes tenham
prova de identidade legal e documentação adequada”.
A regularização e padronização
para a migração significa uma maior previsibilidade e segurança para o migrante,
além da desburocratização do sistema. Vale salientar que uma desburocratização
não significa uma maior facilidade para ingressar no país, mas sim que o
processo será mais claro e eficiente. E por fim, com o objetivo 23, que diz, “Fortalecer a cooperação internacional e as
parcerias globais para garantir a segurança, ordenação e migração regular”,
o Pacto visa relembrar os Estados que, mesmo sendo diferentes nos mais diversos
pontos, o interesse em comum deles é com a defesa de seus nacionais onde quer
que estejam.
Simpatizantes
e contrários ao pacto
Dentre os 194 países membros da ONU, países
como Áustria, Austrália, Bulgária, Chile, República Tcheca, República
Dominicana, Eslováquia, Estônia, Hungria, Itália, Israel, Lituânia, Polônia e
Suíça não compareceram à conferência em Marrocos, e não aderiram ao Pacto.
Os Estados Unidos de Donald
Trump, se abstiveram das negociações do acordo por pedido direto do governo,
balizado pela sua política hiperprotecionista e anti-imigração, adotada pelo
atual governo.
Entre os que não confluíram com o pacto também
é preciso mencionar Israel, que embora tenha firmado o acordo já se manifestou
dizendo que não o aplicará pela razão das fronteiras do país serem interesses
de primeira instância, e em virtude da questão palestina, que a muito vem
causando caos na área.
O Chile também já havia pronunciado contrário,
e justificando suas ações afirmando que migrar não é um direito humano.
A Bélgica, detentora de um governo orientado à
direita e fortemente atrelada a questão religiosa, dividida por duas
comunidades, a Flamenga e a Francófona, manifestou-se por meio do primeiro
ministro, Charles Michel, flamengo, que aderia ao pacto pelo fato de não ter
caráter vinculante.
Contudo, a comunidade flamenga
fortemente contrária ao avanço da religião islâmica no país, se colocou prontamente
contrária a qualquer adesão ao pacto por criar precedentes para ações futuras
do Estado.
Durante a votação para a adesão do pacto, a
maioria no governo se posicionou a favor, e o partido que representava a
comunidade flamenga se removeu completamente do governo, deixando apenas
Charles Michel, que posteriormente renunciou ao cargo por estar a frente de um
governo de minoria e insustentável.
Brasil
e suas relações com o pacto
Em 2018, o Brasil foi
representado pelo chanceler Aloysio Nunes Ferreira na conferência em Marrocos, visando
a celebração do pacto. Michel Temer, até então presidente do Brasil, exaltou o
acordo e relembrou ainda a aprovação da recente lei de migração brasileira, que
facilita a regularização de estrangeiros no território.
Contudo, a afeição do Brasil
com o Pacto teve data de validade estipulada, já que, na ocasião, o então
futuro chanceler Ernesto Araújo publicou em sua rede social que o país não
permaneceria no acordo, afirmando que “O
governo Bolsonaro se desassociará do Pacto Global de Migração que está sendo
lançado em Marraqueche, um instrumento inadequado para lidar com o problema. A
imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a
realidade e a soberania de cada país”.
Vale lembrar que o Pacto de
Migração não tem caráter legalmente vinculante, ou seja, não há sanção para os
países que não seguirem suas recomendações. Com apenas nove dias de seu mandato
presidencial, o presidente Bolsonaro também se manifestou sobre a decisão, “O Brasil é soberano para decidir se aceita
ou não migrantes. Quem porventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas
leis, regras e costumes, bem como deverá cantar o nosso hino e respeitar nossa
cultura. Não é qualquer que entra em nossa casa, nem será qualquer um que
entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros. NÃO AO PACTO MIGRATÓRIO”.
As justificativas para a saída do pacto não
condizem com a realidade, e a decisão de saída do pacto tem um caráter muito
mais estratégico do ponto de vista político, sendo assim, fortalecer a aliança
entre Brasil e Estados Unidos, tão almejada pelo governo Bolsonaro. Em encontro
recente entre o presidente Jair Bolsonaro e Donald Trump, o presidente do
Brasil destacou em entrevista o apoio pelas políticas restritivas de imigração
adotadas pelo norte americano, entre elas a construção do muro na fronteira com
o México, e relacionou ainda a política migratória com a manutenção da
democracia no hemisfério Sul, deixando claro o seu posicionamento diante dos
migrantes.
Sintomas
brasileiros espelhados no pacto
A assistência ao imigrante é o
básico que um país pode oferecer como forma de garantir a dignidade humana de
povos vindos de todos os países, e não somente daqueles que atendem algum
interesse do território.
A desistência do pacto é mais
um fato que transforma o Brasil num país não atraente para a migração. Em vários
momentos da história brasileira, a migração só foi bem vista quando o migrante era
europeu, pressupondo que este seja rico e branco. As medidas de “branqueamento”
da população após a abolição da escravatura levaram a abertura dos portos para
a imigração e, mais tarde, o viés racial tornaria-se ainda mais explícito com a
promulgação do DECRETO-LEI Nº 7.967 DE 27 DE AGOSTO DE 1945, que dizia
explicitamente em seu artigo 2° que é necessária a defesa da composição étnica,
admitindo a migração só em casos de ascendência europeia.
Estes são exemplos para
mostrar que o Brasil tem um caráter racista e preconceituoso a respeito da
migração. O Brasil, um país multiétnico, formado por migrantes, não deveria
abster-se de um Pacto que é tão compatível com a sua população, levando em consideração
que de acordo com dados da ONU a migração no Brasil cresceu mais de 20% nos
últimos dez anos. Todavia, este é um dado não preciso, uma vez que o tráfico de
pessoas e as condições desumanas a que são submetidos os imigrantes irregulares
são realidade no Brasil, e muitas vezes há dificuldades para a obtenção de
dados estatísticos precisos.
Atualmente, o Brasil possui
uma Constituição que prevê igualdade para os não nacionais (salvo exceções
especificas como a defesa de cargos estratégicos), conferindo-os segurança e
todo o rol dos direitos e garantias fundamentais. Contudo, a realidade é que
muitos desses migrantes sequer sabem de seus direitos, e ainda, os não
documentados vivem com medo de uma deportação, e por isto, sequer procuram por
serviços públicos para fazer valer os seus direitos. Assim, vivem quase que
como no limbo do direito. Com sua configuração de governo atual, o Brasil toma
uma face muito diferente em vários aspectos, da que vinha sendo construída com
a aprovação da Nova Lei de Migração.
A negação do tratado pressupõe além disso a
falta de interesse com os problemas nacionais já apresentados, ou ainda, a má
interpretação de textos internacionais, como já visto no parecer do presidente
em sua rede social. A forma como o governo busca seus objetivos e estabelece
prioridades se mostra com cada ação feita, e com cada oportunidade perdida.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores existem
cerca de 3 milhões de brasileiros vivendo no exterior, contudo, o IBGE aponta
como 500 mil brasileiros morando no exterior, um número seis vezes menor. Isso
se dá pela forma de pesquisa utilizada pelo IBGE, que conta apenas os
brasileiros em condições de regularidade, o que revela a possibilidade de 2,5
milhões de brasileiros encontrarem-se em irregularidade administrativa alhures.
Em contrapartida, segundo dados do IBGE são
cerca 400 mil imigrantes residentes no Brasil, cerca de 0,2% da população. Isto
significa que há um movimento migratório negativo: menos gente entrando do que
saindo do país. Percebe-se, assim, que a conduta do atual governo contra ao
Pacto, diferente do como é imaginado, tem muito mais peso sobre os brasileiros
fora do país do que com os não nacionais aqui residentes. É o Brasil acima de
tudo se colocando acima dos próprios brasileiros.
Referências
https://www.theguardian.com/world/2018/dec/18/belgian-pm-charles-michel-resigns-no-confidence-motion
**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.
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