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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: Eros e Ares como instrumentos políticos - uma reflexão sobre o erotismo em Georges Bataille e Alenka Zupanic


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



Eros e Ares como instrumentos políticos - uma reflexão sobre o erotismo em Georges Bataille


Otávio Henrique Simiano Bomfim*


A violência é comumente tomada como uma forma de subversão, uma expressão física da rebeldia interna. Os limites da capacidade de transgressão das ações violentas, porém, são determinados por mecanismos previamente estabelecidos pelos sistemas sociais vigentes, transformando os atos violentos em meras reações previsíveis e inefetivas. O modus operandi das perversões do erotismo é similar ao da violência e, muitas vezes, relaciona-se a esta. Não à toa, na mitologia grega, o deus Eros, do amor e do erotismo, era filho de Ares (deus da guerra) com Afrodite (deusa do amor e da sexualidade).

Para Georges Bataille, as elevações do erotismo consistem em movimentações violentas em direção à morte, num impulso autodestrutivo. Em sua obra “A História do Olho”, deixa evidente que as perversões transformam em perigoso tudo o que antes era entediante e puro. Uma análise mais profunda, por sua vez, demonstra que perversões não se aplicam exclusivamente à sexualidade, mas consistem em qualquer transformação de elementos ordinários em algo mais interessante e ameaçador. A violência e o erotismo, portanto, transportam-se paralelos pelo espaço-tempo da convivência humana, no sentido em que ambos podem ser brandos ou profundos, dependendo de quanto os indivíduos estão dispostos a dissecar os objetos vítimas de violência ou magnéticos ao desejo erótico. Além disso, ambos são extremamente limitados e castrados, permanecendo sempre dentro de um espectro condizente aos interesses do status quo, sem transbordarem suas paredes.

Para William James, uma “emoção humana puramente deslocada do corpo é uma não-entidade”. Neste contexto, uma emoção é sempre diretamente ligada à uma manifestação corporal, à exemplo dos impulsos violentos e eróticos. Para Benjamin, o capitalismo é uma religião e, complementado por Zizek, uma religião obscena dos mortos-vivos, em que há a desconexão entre os sentimentos e a vida, sendo a vida pura uma categoria essencialmente capitalista e insossa. Dessa forma, ao colocar em xeque os afetos, coloca-se em xeque o corpo, elemento principal da atuação da política. Assim, o controle das ações e reações individuais e coletivas passa a ser fácil, já que estas mostram-se previsíveis. Portanto, estabelece-se a lógica de que uma reação (muitas vezes violenta) à um absurdo promovido pelo Estado, por exemplo, mesmo que seja impulsiva e ineficiente, é melhor do que a inação. Aqui, a lógica da violência subversiva relaciona-se à das transgressões eróticas que, para Bataille, tornam-se impossíveis quando a superficialidade toma conta das ações. A partir desta impossibilidade, a única alternativa é a profanação, a degradação do que está posto, como uma alternativa superior à manutenção de um dogma, em que a razoabilidade e o combate à autodestruição são mal vistos.

A sexualidade, seguindo a lógica interpretativa de Alenka Zupancic, é um fator de desumanização, no sentido em que consiste num fator radical de desorientação em relação ao que se considera humano, e às representações de “humanidade”. Este é, provavelmente, um dos motivos pelos quais a indústria cinematográfica, como cultura de massa, explora a sexualidade e o erotismo excessivamente em suas produções. A crítica aqui posta não se baseia numa moralidade retrógrada, de atacar a discussão à respeito da sexualidade em si, mas sim em uma superficialidade artificial imposta pelos grandes meios de propagação cultural à esta discussão, que acaba por simplesmente transformar o tabu da sexualidade, não eliminando-o. A proposta de Zupancic que está sendo considerada aqui, portanto, é a de que a sexualidade não é de fato debatida na mídia, mas sim constrangida de formas diferentes, sendo a autoridade repressora mais dificilmente identificável. Reduz-se o debate às diferentes formas de intercursos sexuais e à diversas insinuações visuais e em diálogos, disfarçando o caráter profundo e fulcral da sexualidade exposto por Freud ao analisar a mente humana.

A problemática, portanto, não se encontra em um excesso de inquérito à sexualidade ou à violência, mas sim de uma superficialidade crônica e patológica destes processos. Os impulsos violentos e eróticos são canalizados por significantes que têm por função diminuir os seus impactos, alinhando-os às expectativas sistêmicas. Estes significantes são propagados pelos diversos meios de reprodução cultural, em especial o cinema no decorrer da segunda metade do século XX e início do século XXI. Ao criar moldes de comportamentos violentos e sexuais a serem seguidos, estabelece a forma pela qual o sistema deverá reagir, sendo causa e consequência das relações entre a mídia e o indivíduo.

O erotismo e a violência, portanto, são elementos passíveis de análise conjunta por constituírem formas paralelas de controle, quando domados e dosados de acordo com limites pré-estabelecidos. A transgressão, portanto, torna-se impossível, já que não há o que destruir ou desrespeitar, a julgar pela previsibilidade e até mesmo necessidade de respostas impulsivas aos estímulos políticos e sociais.

Dessa forma, gera-se um ambiente de convivência para a alienação e a paranoia, em que os indivíduos estão alheios aos mecanismos ideológicos que comandam seus impulsos privados e suas ações políticas, mas, ao mesmo tempo, encontram-se em constante desconfiança em relação às instituições, sem saber como reagir. A urgência constantemente exigida impede que se pensem novas formas de conquistar e expressar a liberdade por meio das perversões, transformando-as em elementos inofensivos.



* Otávio Henrique Simiano Bomfim é Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba e pesquisador do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".




Referências Bibliográficas


BATAILLE, Georges. Erotism: Death and Sensuality. São Francisco: City Light Books, 1986.

BATAILLE, Georges. A História do Olho. Companhia das Letras: São Paulo, 2018.

BLUM, Harold. Paranoia And Beating Fantasy: An Inquiry Into The Psychoanalytic Theory Of Paranoia. Journal of the American Psychoanalytic Association, 1978.

ZIZEK, Slavoj. The Sublime Object of Ideology. New York: Verso, 2009.

ZUPANCIC, Alenka. What is Sex? Cambridge: The MIT Press, 201

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