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sexta-feira, 25 de maio de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: A geopolítica dos Recursos Naturais e a Crise do Catar - uma questão de prioridades dos governos


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A Geopolítica dos Recursos Naturais e a Crise do Catar - uma questão de prioridades dos governos

Tiago Viesba Pini Inácio *

O embargo ao Catar, que já tem se alastrado por quase um ano dentro do Sistema Internacional, serve de exemplo para demonstrar como as questões dos recursos naturais, segundo uma visão da geopolítica, elucidam que eventuais crises socioambientais são importantes fatores que podem acarretar em desestabilizações políticas. Além disso, ao entendermos as disputas por esses recursos, podemos perceber as formas pelas quais as competições entre os poderes num dado território se distribuem e atuarão frente à posse e o uso destes. 

Há cerca de um ano, com a visita de Donald Trump à Arábia Saudita, desenvolveu-se um acordo entre os Estados Unidos da América (EUA) e o rei saudita de US$ 110 bilhões em compras e vendas de armamentos. Aproveitando essa visita, Trump incentiva os países do Conselho de Cooperação do Golfo - um bloco econômico formado por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Catar, Omã e Kuwait – que atuem no sentido de controlar grupos terroristas e pressionar o Irã.

Contudo, o Catar foi o único país do bloco que demonstrou uma postura mais ponderada, pois este têm relações comerciais com o Irã, o qual tem sido seu parceiro no comércio de petróleo, gás e alimentos.

Desta forma, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Iêmen e Egito romperam relações econômicas e diplomáticas com Catar no dia 5 de junho de 2017. Os países ainda fecharam suas fronteiras terrestres e proibiram aviões catarianos de sobrevoar seus espaços aéreos. Num avanço da crise diplomática, cidadãos do país foram expulsos da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes e do Bahrein, e os residentes desses países não podem ir ao Qatar. 

Os países justificaram o embargo dizendo que Doha apoia grupos terroristas e distribui notícias falsas, também fizeram uma lista de exigências para suspender o bloqueio - entre elas, o fechamento da Al Jazeera, vista por estes países como uma emissora que divulga conteúdo favorável a grupos terroristas.

Uma vez que o Catar é uma península, possui somente uma única fronteira terrestre e esta divisão se dá com a própria Arábia Saudita. Por tal ligação e devido às próprias condições de produção agrícola do país, o Catar depende das importações por terra e mar para as necessidades básicas de sua população de 2,7 milhões, e cerca de 40% de seus alimentos que abastecem a nação chegavam através da fronteira terrestre com a Arábia Saudita. Sendo assim, devido a essas competições políticas internacionais, no médio prazo, seria esperado que o país entrasse em um verdadeiro colapso socioambiental e cedesse às exigências dos países que praticam o embargo.

Entretanto, segunda a visão da geopolítica dos recursos naturais, para avaliarmos o potencial de conflitos associados ao stress ambiental - a relação de dependência de uma sociedade com recursos naturais como água potável, alimentos ou terra fértil -, torna-se necessário analisar o contexto socioeconômico e político em questão. As mudanças do potencial de perturbação desse stress ambiental exercem profundas influências em relação à adaptação dos sistemas políticos, sociais e econômicos e sua estabilidade.

Assim, espera-se que os Estados respondam cada vez mais a essa realidade complexa que, paralelamente, tende a fugir do plano estatal, já que os principais grupos afetados diretamente por essas disputas não são o Estado - e sim, empresas, grupos de pressões, indivíduos. Por consequência, a resolução desses conflitos tenderá, em primeiro lugar, para um aumento de cooperação e não o uso de forças militares ou da violência, com uma orientação para a resolução de problemas como a segurança alimentar, saúde humana, saúde dos ecossistemas e também, a coesão e estabilização política, econômica e social da sociedade (LOURENÇO e MACHADO, 2013). 

Um elemento importante para o Catar em seus esforços para obter apoio internacional é a mudança de posição tomada por Trump, o qual apoiou inicialmente as reações contra o Catar. Contudo, com conflitos urgentes se acumulando em todo o Oriente Médio, Trump passou a demonstra-se ansioso para resolver a disputa regional muçulmana sunita ao considerar a perspectiva iminente de lançar um ataque militar punitivo na Síria devido a um suposto ataque de armas químicas. O Catar é sede da Base Aérea de Al-Udeid, que abriga cerca de 10.000 soldados americanos e é a sede no exterior do Comando Central dos Estados Unidos que lançaria qualquer greve contra a Síria.

Por outro lado, outras áreas da economia do Catar afloraram, como o FMI notou em uma revisão da economia do Catar em março: novas rotas comerciais foram rapidamente estabelecidas e estabilizadas - com Omã, Turquia e Irã, entre outros - e o sistema bancário também se ajustou, em parte devido ao aumento dos depósitos do governo. Em 7 de maio, o Ministério da Fazenda informou que estima-se que o Qatar passe de um déficit de 1,6% em seu PIB em 2017 para um superávit de 2,8% em 2018. Isso se baseia nos dados do Economic Outlook Brief, divulgado pelo Ministério das Finanças em 14 de maio deste ano.

As empresas locais de laticínios estão trabalhando com o intuito de aumentar sua produção para cobrir as necessidades do mercado local, acrescentando que 92% da demanda local por leite será atendida por essas empresas até o final do primeiro semestre deste ano.

O governo catarense colocou como pauta principal do agenda do Estado a autossuficiência do país, principalmente nas questões socioambientais, assim colocando o tema da segurança alimentar no centro das atenções. Também, o governo da Grécia já se colocou em favor do país, se comprometendo a compartilhar sua experiência agro-tecnológica em apoio aos planos de autossuficiência do Qatar. 

Levando-se em consideração o que fora exposto, bem como a sucessão dos acontecimentos dentro desse período de nove meses, podemos perceber que esses fatores sim demonstram como a ação dos Estado levou como prioridade as consequências de crises socioambientais para a população e como essa questão não gerou um aumento da violência e sim, a ampliação das relações internacionais do Catar.

* Tiago Viesba Pini Inácio é acadêmico do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, Monitor da disciplina de Teoria das Relações Internacionais II e pesquisador do Grupo de Pesquisa "RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional".


Referências

Bloqueio do Catar: o Irã envia cinco planos de alimentos. BBC News, 11 de Junho de 2017. Mundo, Oriente Médio. Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-middle-east-40237721> Acesso em: 23 de Maio de 2018. 

Crise do Catar: o que você precisa saber. BBC News, 19 de Julho de 2017. Mundo, Oriente Médio. Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-middle-east-40173757> Acesso em: 23 de Maio de 2018.

HARRIS, Gardiner; LANDLER, Mark. Ofensiva de charme do Qatar parece ter sido paga, dizem oficiais dos EUA. The New York Times, 09 de Abril de 2018. Política. Disponível em:  https://www.nytimes.com/2018/04/09/us/politics/qatar-trump-embargo-charm-offensive.html>. Acesso em: 23 de Maio de 2018. 

DUDLEY, Dominic. Como o Catar está vencendo a guerra diplomática em sua disputa com a Arábia Saudita e os EAU. Forbes, 31 de Janeiro de 2018. Assuntos Estrangeiros. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/dominicdudley/2018/01/31/qatar-winning-war-saudi-uae/#6ad17afe3743> Acesso em: 23 de Maio de 2018.

DUDLEY, Dominic. Como o Qatar se prepara para marcar um ano sob o embargo saudita, parece o vencedor da disputa. Forbes, 17 de Maio de 2018. Assuntos Estrangeiros. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/dominicdudley/2018/05/17/as-qatar-prepares-to-mark-a-year-under-the-saudi-embargo-it-looks-like-the-winner-in-the-dispute/#38bcedc77720>. Acesso em: 23 de Maio de 2018. 

Embargo é para preservar Qatar, diz embaixador saudita no Brasil. Gazeta do Povo, 07 de Julho de 2017. Mundo, Oriente Médio. Disponível em:http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/embargo-e-para-preservar-qatar-diz-embaixador-saudita-no-brasil-9ku4xudpwg8ahpfopxhbnwrtu> Acesso em: 23 de Maio de 2018. 

Crise do Golfo - Qatar: Todas as últimas atualizações: hoje é o 352º dia do bloqueio. Al Jazeera, 23 de Maio de 2018. News, GCC. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2017/06/qatar-diplomatic-crisis-latest-updates-170605105550769.html> Acesso em: 23 de Maio de 2018.

LOURENÇO, Nelson; MACHADO, Carlos R. Mudança Global e Geopolítica dos Recursos Naturais. Mulemba - Revista Angolana de Ciências Sociais, v. 3, n. 5, p. 81 - 103, 2013.

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