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sexta-feira, 6 de abril de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: Turismofobia e disputa de territorialidades


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Turismofobia e disputa de territorialidades

Gustavo Andretta Ferreira *

Atualmente, em cidades da Europa com grandes fluxos turísticos, tem se notado o crescimento de discursos agressivos direcionados a esse tipo de atividade. Expresso por meio de pichações, principalmente, e outros atos de vandalismo, o clamor pela barragem de viajantes estrangeiros ganhou proporções maiores na Espanha. Em cidades como Palmas e Barcelona, além das depredações frequentes, jovens organizam movimentos críticos, saem às ruas arrastando malas, imitando turistas e criaram uma organização própria que defende esses movimentos, a Arran.

Presente também em cidades com renda quase que totalmente dependente do turismo, essa corrente e seus adeptos pregam que as atividades turísticas em excesso estão assassinando as tradições e a identidade local, juntamente com as constantes reclamações das políticas que são desenvolvidas e aplicadas com o objetivo de atrair e beneficiar o turismo. Veneza, cidade que possui cerca de 50.000 habitantes, recebe por volta de 30 milhões de visitantes durante o ano e é o lugar onde se lê pichada, no Parco delle Rimembranze, uma mensagem de ódio aos turistas.

Tomando como exemplo as cidades de Barcelona e Veneza, percebemos que essas iniciativas turismofóbicas são reflexos de certa forma do regionalismo forte e separatista desses lugares. Tanto a Catalunha, onde fica Barcelona, e a região de Vêneto, onde fica Veneza, recentemente votaram referendos populares a favor de possuir mais autonomia no país. Percebe-se que, cada vez mais, não há a identificação nacional nem o sentimento de pertencimento, fazendo-se necessária a exaltação da cultura e tradições locais. Porém, a partir do momento que esses aspectos locais e próprios começam a ser mercantilizados, a ponto das tradicionais máscaras do carnaval venezianos serem fabricadas em outros países, vendidas por um imigrante ao turista por dez euros, enquanto que as artesanais fabricadas lá, por moradores de lá, custam trinta ou quarenta euros e consequentemente vendem menos, o sentimento de que o turista está acabando com sua identidade local tão necessária para busca de autonomia cresce.

Ao mesmo tempo, esses grandes fluxos de estrangeiros são vistos como um ataque à territorialidade dos moradores locais. Explicando breve e resumidamente o conceito de territorialidade, seria a relação tanto psicológica (emocional) quanto física que se estabelece com o território, um sentimento de posse que o ser humano constrói com o espaço em que começa a fazer uso, ou seja, trabalhar, estudar e viver. Essa territorialidade, assim como a identidade local, é um dos fundamentos que justificam o pertencimento daquela área aos seus habitantes e porque ela é um lugar à parte do resto do mundo. Já não se pode mais ir à padaria tomar café sem trombar com vários turistas, se escuta diversas outras línguas estrangeiras sendo faladas enquanto se anda na rua, lugares que antes os habitantes sentiam que os acolhiam agora também acolhem outras pessoas com as quais eles não se identificam, como se aquilo fosse mais dos outros que deles.

Podemos também elencar o fato de tanto o Vêneto como a Catalunha serem as regiões mais ricas de seus respectivos países e mesmo que essa riqueza seja grande parte graças ao turismo, essa condição vai construindo a ideia de autonomia em relação ao resto do país, ao turismo e impulsionando a aversão ao governo centralizado com base numa distribuição desigual dos recursos. Pois, em seu discurso, já que a maior parte do dinheiro vem deles o pensamento é de que a maior parte do dinheiro deveria voltar para eles, não ser destinado a regiões que contribuem menos e muitas vezes são mais pobres. Essa retórica normalmente está sempre presente em discursos separatistas, visível não só na Europa, mas também aqui no Brasil, com o movimento o Sul é Meu País e alguns ataques paulistas ao nordeste.

Por fim, não podemos deixar de pensar no anti-turismo como tendência europeia, com essas mudanças causadas pelo fluxo turístico em excesso e as contramedidas tomadas pelo governo e pela população que vão afetando o ordenamento e funcionamento da cidade. Para o controle da circulação de turistas em Veneza foram instaladas catracas em pontes que ligam à cidade e no porto onde atracam cruzeiros. Em Barcelona as reclamações são contra as acomodações ilegais destinadas aos turistas, como no bairro de Barceloneta, onde existe só um hotel de 30 quartos ao lado de milhares de moradias ilegais, o que dificulta o alojamento de novos moradores e trabalhadores, de acordo com o presidente da Confederação Espanhola de Alojamentos Turísticos, Joan Molas.


* Gustavo Andretta Ferreira é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional" e Monitor da disciplina de Geografia Política.

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