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sábado, 15 de julho de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: A guerra dos e nos conceitos


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.


A guerra dos e nos conceitos


Marina Lola Lombardi *

No estudo dos diversos conflitos internacionais, o início da pesquisa se dá pelo incessável processo de conceituação. Termos como “guerra”, “armamento” ou ainda “genocídio” são destrinchados e debatidos, talvez resultando em perguntas ainda mais diversas que apenas a sua definição e muitas vezes, por que não, incômodas. Neste aspecto, a própria academia pode-se tornar um campo de batalha. Como?

Tomemos como exemplo o termo “genocídio”. O genocídio foi conceituado pela primeira vez pelo judeu Raphael Lemkin em 1944, que trouxe o termo ao relatar o genocídio de seu povo durante o Terceiro Reich de Hitler, após sua fuga da Polônia para os Estados Unidos, um período de suma importância para os povos e a história e uma tentativa de se criar uma unidade de pensamento sobre aquele fato que jamais deve ser repetido. 

Mas, por que o mesmo nível de produção acadêmica e conceituação, bem como disseminação do conteúdo, não ocorreu no genocídio de outros povos, como os armênios, o caso de Ruanda ou os povos originários da América Latina?

Ao mesmo tempo em que o termo genocídio descreveu o ataque deliberado aos povos judeus durante a Segunda Guerra e culminou na Convenção sobre o Genocídio de 1948, o documento resultante ignorou a proteção de minorias subjugadas pela sua classe social e gênero, minorias estas que já não são tradicionalmente representados no sistema político internacional. É o caso das vítimas de feminicídio. O “feminicídio” ainda é um termo que esbarra na conceituação e não tem um entendimento acadêmico mútuo. No Brasil, o feminicídio passou a ser reconhecido como uma tipificação de crime hediondo apenas em 2015, o mesmo Estado mantém-se entre os sete mais violentos para mulheres desde o início do século (ONU Mulheres, 2016). 

É necessária uma reflexão profunda também quanto ao poder hegemônico existente dentro da própria produção acadêmica com relação a estes termos. 

Quando se trata de guerras, faz-se importante entender o domínio literário de estudiosos de certos pontos do mapa-múndi contra a submissão da academia de polos “emergentes”. É o caso explícito da criação francesa do termo “América Latina” por parte de Michel Chevalier, no século XIX, na tentativa de se construir o panlatinismo liderado pela França de Napoleão III na região. Ainda que tal termo tenha sido enriquecido de significado através dos próprios latino-americanos, pode-se perceber o ideal hegemônico por trás do termo adotado na academia para descrever milhares de povos numa extensa e variada área geográfica. 

A autora irlandesa-americana Samanta Power descreve em seu livro ‘Genocídio: a retórica americana em questão’ as intervenções seletivas lideradas pelos Estados Unidos, com o apoio de outras potências e de braços das Nações Unidas, em outros genocídios após o judeu relatado por Lemkin. Ela cita, como exemplos de aplicação deste conceito, os casos do Vietnã, do Camboja, do Iraque, dos Balcãs, de Ruanda e o ainda atual caso de Darfur. Todos estes são Estados ou regiões que presenciaram desde genocídio até a limpeza étnica de seus povos (outro caso de conceito ainda debatido), porém, cada um repercutido de acordo com o filtro selecionado pelas potências hegemônicas. 

O perigo da uberconceituação encontra-se justamente naquilo já previsto por Gaston Bachelard ao estudar a epistemologia e a divisão de conhecimentos científicos: nos perdemos em meio a conceitos rígidos demais. Assim, a hegemonia acadêmica nos mantém pensantes que contribuem para uma perspectiva já traçada, evitando que casos novos sejam encarados em sua especificidade ou, pior, hierarquizando fatos em detrimento do encaixe ou não nos preceitos conceituais utilizados. 

REFERÊNCIAS:

LEMKIN, R. Axis Rule in Occupied Europe, 1944.

POWER, S. Genocídio: a retórica americana em questão. São Paulo: Cia das Letras, 2004

* Marina Lola Lombardi é Internacionalista e Turismóloga, egressa do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mestra em Gestão do Desenvolvimento pela Università degli Studi di Torino e pelo Centro de Formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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