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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Por Onde Anda: Heber Rocha Costa, egresso do UNICURITIBA, é oficial de assuntos civis na MINUSCA (United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic)




A seção "Por onde anda" entrevista egressos do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA sobre experiências acadêmicas, profissionais e de vida concretizadas após o término do curso e é coordenada pela Prof. Michele Hastreiter e pela Prof. Angela Moreira.



Nome Completo: HEBER ROCHA COSTA
Ano de ingresso no curso de Relações Internacionais: 2003
Ano de conclusão do curso de Relações Internacionais: 2008
Ocupação atual: Servidor Público Internacional - Oficial de Assuntos Civis – MINUSCA

Blog Internacionalize-se: Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional após a formatura no curso de Relações Internacionais.

Heber Costa:
Desde o início do curso eu sempre trabalhei. Inicialmente, para poder custear meus estudos e complementar a ajuda financeira que minha família me mandava, eu me dividi entre a faculdade e duas escolas de Inglês, onde atuava como professor. O primeiro ano do curso foi assim, correndo entre as aulas na faculdade e as escolas de inglês. No segundo ano entrei para o programa de trainees da Câmara Americana de Comércio (AMCHAM), fui trainee por um ano e depois de uma longa competição entre 90 trainees espalhados por 10 unidades regionais no Brasil, eu me classifiquei em primeiro lugar na equipe de Curitiba e segundo no ranking nacional. Os bons ventos me deram a oportunidade de iniciar um departamento de Comércio Exterior para a unidade regional da AMCHAM em Curitiba. Na época, essa unidade não existia e os associados da AMCHAM precisavam muito de apoio para ter acesso ao mercado Americano e outras partes do mundo. Depois de dois anos na posição de coordenador de Comércio Exterior, recebi um convite quase que irrecusavel da parte do CEO da organização para me tornar o Gerente Nacional de Relações Internacionais, desta vez o posto sendo em São Paulo.

Com o coração apertado, deixei minha confortável vida em Curitiba e meus amigos, que considero como parte da minha família, para embarcar nessa nova etapa, de muita responsabilidade, porém de tremenda oportunidade. O grande detalhe, nesse período eu ainda tinha que terminar o curso de RI e defender a minha monografia. Então eu passava dois dias da semana em SP e tentava o máximo possível estar em Curitiba, de modo a não extrapolar a cota de faltas. Um turbilhão entre o mundo acadêmico e o mundo da iniciativa privada. O CEO da minha organização, a professora Ângela e o eterno e carinhoso suporte do meu orientador Prof. Carlos Vargas tornaram a minha labuta mais leve.

Depois de minha temporada em São Paulo, o desejo por uma carreira internacional com as Nações Unidas falou mais alto. Minha intuição dizia para sair da minha zona de conforto e embarcar em uma nova jornada, de muitas incertezas imediatas, porém com a certeza que no decorrer dos anos, tudo o que eu tinha planejado para minha vida pessoal e profissional iria se materializar, se eu perseverasse e continuasse vivendo na leveza do ser. Assim, eu me desliguei da Amcham em São Paulo e voltei para o conforto da minha família em Macapá, no Amapá, um estado pelo qual tenho muito carinho e orgulho. Por seis meses, postulei incansavelmente para vários mestrados na Europa e nos EUA. Fui aceito em várias universidades, porém a que me chamou mais a atenção foi a Universidade de Genebra.

Embarquei então em um programa bastante interessante, se tratava de um mestrado misto entre a Universidade de Genebra e o Geneva Center for Security Policy. Tive o privilégio de aprender e trabalhar com pessoas com altíssimo nível acadêmico e igualmente com altíssima experiência de campo. Meus colegas de classe eram na verdade diplomatas, servidores das Nações Unidas, oficiais de forcas armadas de vários países, todos tinham muita experiência profissional. Em princípio, o programa focava em profissionais de meia carreira e que tivessem já uma sólida experiência profissional. Meu tempo na AMCHAM foi crucial para que eu fosse aceito, essa experiência mudou minha vida.

Ao findar o curso, eu apliquei para uma vaga não remunerada nas Nações Unidas em Genebra, passei algum tempo aprendendo sobre o Sistema das Nações Unidas e participei de um pequeno grupo de recém-formados, que trabalhou na elaboração de um relatório que analisava a questão da mudança climática sob a perspectiva dos Direitos Humanos.

Muitos de vocês vão se lembrar de um catastrófico terremoto que aconteceu no Haiti em 2010. Por meados de Julho de 2010, eu iniciei a minha primeira experiência profissional trabalhando em um contexto de peacekeeping. Troquei a pacífica e agradável Genebra por Port-de-Paix, no Haiti. Uma cidade altamente afetada pelo terremoto e, para piorar, com uma grave epidemia de cólera que matou centenas de pessoas entre 2010-2011. Trabalhei depois em outras partes do Haiti, como em Hinche e Porto Príncipe. Na época, eu trabalhei como consultor para a Organização dos Estados Americanos (OEA), porém muito próximo da MINUSTAH. Voltei em uma outra ocasião como observador internacional para as eleições presidenciais e, durante esse tempo, eu entendi que o meu coração e atividade profissional estavam no lugar certo, exatamente em harmonia com minha missão de vida.

Deixei o Haiti para embarcar em uma jornada do outro lado do mundo, literalmente o lugar mais distante da minha família que já trabalhei. A bela, pequena e preciosa Ilha do Timor Leste. Por vários anos o Timor passou por um período muito turbulenciado, envolvendo violência contra civis, fragilidade política e a busca por independência da Indonésia. Em 1999, o Conselho de Segurança aprovou a United Nations Mission in East Timor (UNAMET), que teve como objetivo organizar e conduzir uma consulta popular para identificar se o povo Timorense aceitava ou não a independência da Indonésia. Depois da UNAMET, várias outras missões foram aprovadas, eu peguei os últimos anos da United Nations Integrated Mission in Timor-Leste (UNMIT). Para mim, foi uma imensa alegria poder trabalhar em um país com um contexto muito peculiar, de estrondosa beleza e ver com meus proprios olhos como uma missão de paz pode sim ajudar um país a sair de crises securitárias e se auto-reconstruir.

Depois das belas praias e corais magníficos do Timor, a vida me agraciou com uma nova missão, desta vez, na República Democrática do Congo (MONUSCO). Por lá, trabalhei durante 3 anos com projetos de estabilização, comunicação estratégica e policy-making. Passei por vários momentos difíceis na RDC, incluindo o tempo em que a capital do Kivu do Norte (Goma) foi tomada por um grupo armado chamado M-23. Tive a oportunidade de trabalhar com o General Santos Cruz. Tomo a liberdade de mencionar o seu nome aqui, pois sei que recentemente ele esteva no UNICURITIBA para dar uma palestra. Santos Cruz foi para mim um grande exemplo de vida e de muito orgulho patriótico, pois em minha opinião ele representa o melhor que um Force Commander pode ser em uma missão de paz.

Durante o mestrado, eu aceitei o desafio de escrever sobre o processo de construção de paz da República Centro Africana (RCA). Na época, a crise da RCA era quase que ignorada pela comunidade acadêmica, não existiam fontes sobre o contexto aqui, e eu sofri muito para produzir a minha dissertação. Desde 2009, eu tenho seguido as dinâmicas de conflito e intervenções de paz implementadas na RCA. O desejo de contribuir para a RCA esteve presente em meu coração e imaginação desde os tempos de Genebra. Assim que surgiu uma oportunidade para servir com a MINUSCA eu imediatamente topei.

Inicialmente trabalhei em Bria, no Leste da RCA, com inteligência e produção de análises sobre a dinâmica dos grupos armados em todo o Setor Leste do pais. Para tal, eu tinha que me “infiltrar” no meio desses grupos, ganhar confiança e credibilidade para ter acesso a informações privilegiadas. Até então, esta foi a minha posição mais fascinante em um contexto de peacekeeping. Obviamente que, na época, a situação aqui era permissível para ter esse contato mais próximo. Hoje tudo mudou e já não é tão fácil criar esse “rapport”. Uma carga de cansaço tomou conta de mim e, assim, tomei um ano sabático para conhecer o mundo depois da minha experiência em Bria. Entre missões, idas e vindas eu conheci algo em torno de 65 países...

Depois disso, voltei para a MINUSCA, dessa vez na capital Bangui, atuando como Oficial de Assuntos Civis. Produzo análises sobre Proteção de Civis, Extensão e Restauração da autoridade do Estado e processos de reconciliação e paz. Ser um staff member da ONU continua sendo uma profissão de indescritível prazer, misturado com uma boa pitada de desafios e adrenalina.

 
Blog Internacionalize-se:  Conte-nos sobre como foi sua decisão de trabalhar na ONU. Este sempre foi o seu objetivo ao ingressar no Curso de Relações Internacionais?
Heber Costa: Fiz uma parte do ensino médio nos EUA (High School) e, em uma aula de “World Governments”, o desejo de ser um funcionário das Nações Unidas brotou em meu coração.


Blog Internacionalize-se: Como foi o seu processo de recrutamento? O que considera ter sido decisivo para ter sido selecionado?

Heber Costa: Sem dúvidas a experiência de campo, nos contextos de conflito e pós-conflito são fatores decisivos para uma posição de staff member da ONU.


Blog Internacionalize-se: Como é o dia a dia na ONU?

Heber Costa: Uma mistura de comunicação com vários atores, leituras e mais leituras e constante produção de relatórios analíticos e informativos. Participo também de varias reuniões e ocasiões formais.




 Blog Internacionalize-se: Quais são as principais dificuldades do trabalho em campo, nas missões das Nações Unidas?

Heber Costa: Sem dúvidas o contexto de segurança, que por vezes pode sem bem perigoso.

 
Blog Internacionalize-se: Qual foi a experiência mais desafiadora que já teve profissionalmente?
Heber Costa: Quando trabalhei em Bria e tive que ganhar a confiança de lideres de grupos rebeldes.

 
Blog Internacionalize-se: Que conselhos daria para nossos alunos que sonham trabalhar na ONU?
Heber Costa: Sem mestrado é quase que impossível conseguir sequer um estágio com a organização. Depois tem a questão das línguas: Inglês e Francês é quase que mandatório. Depois busque o máximo de field experience possível. Obviamente que compartilho esses conselhos de acordo com a minha experiência no DPKO, trabalhar com as Agências do sistema pode ser um pouco diferente.



Blog Internacionalize-se: Quais as aptidões e conhecimentos desenvolvidos no curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA que mais o ajudam na sua profissão atual?
 Heber Costa: Diplomacia, capacidade analítica e argumentativa.


Blog Internacionalize-se: Qual a lembrança mais marcante do período de faculdade?

Heber Costa:
Eventos relacionados ao ENERI em Florianópolis, sobre os quais prefiro não detalhar.


Blog Internacionalize-se: Qual conselho deixaria para os nossos alunos?

Heber Costa: A vida profissional começa na faculdade, mesmo que você não trabalhe. Procure desde o início criar competências profissionais e trilhar um caminho. Inevitavelmente, a trajetória não vai acontecer como planejada, porém o preparo e a persistência, de uma maneira ou outra, vão te levar muito próximo de onde você inicialmente almejou estar. Always follow your heart.


 

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