Páginas

terça-feira, 11 de abril de 2017

Política Externa Brasileira em Foco: O uso do futebol na diplomacia cultural brasileira

Artigo apresentado na disciplina de Política Externa Brasileira, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela Profa Dra. Janiffer Zarpelon.



* Por Nemésio Xavier de França Neto
 

O futebol pode abranger questões muito complexas que transbordam as quatro linhas e torna-se muito mais que um jogo e muito mais que um esporte. O esporte foi capaz de deflagrar movimentos de libertação além de ser usado como instrumento para espelhar uma ideologia e até mesmo um viés opressor. Muitos clubes espelham classes sociais, ideologias políticas e chegam a atingir o âmbito religioso que torna o sentimento de torcer por um clube muito mais intenso do que qualquer outra coisa. (FOER, 2005).
O futebol sendo usado como uma forma diplomática não é diferente. Neste artigo pretendo dar alguns conceitos sobre soft power e a diplomacia cultural com o uso do meio esportivo, além de opinar sobre o documentário “O DIA EM QUE O BRASIL ESTEVE AQUI”, do famoso amistoso “Jogo da Paz” entre Haiti x Brasil, em 2004.
Primeiramente para abordar a realização do jogo em si e como o governo brasileiro utilizou o futebol com o viés de influência devemos usar alguns conceitos de poder e diplomacia cultural. O poder divide-se em dois tipos: o hard power e o soft power. O hard power como muito bem conhecemos ele se baseia em fazer barganhas e ameaças através do poder militar e econômico para o Estado atingir o seu objetivo. Já o soft power obtém o viés de fazer que outros países tenham interesse nos seus próprios interesses, ou pelo menos moldar o interesse dos outros, conforme (NYE, 2004). Sendo assim, por meio do soft power, os Estados conseguem moldar o “terreno” do ambiente internacional com um cenário propício para sua influência, até mesmo moldar agentes com preferências ou interesses semelhantes através da influência.
As fontes de soft power de um país, segundo (NYE, 2004, pg. 11; 2006) citado por (AMAZARRAY, 2011, p. 17) são: “a cultura (em lugares onde é atrativa para os outros), os valores políticos (praticados tanto internamente quanto externamente) e a política externa (quando vista como legítima e havendo uma autoridade moral)”.
Para a diplomacia, a tangente “cultural” têm seu valor muito vasto, segundo (FREIXO, 2014, p. 76), “a diplomacia cultural desempenha um papel muito importante na política externa dos Estados, desde pelo menos as primeiras do século passado”.
Afirma (AMAZARRAY, 2011, p.26):
Dentre as inúmeras ferramentas utilizadas para controle e manipulação popular, poucos meios têm aceitação tão fácil quanto os meios esportivos. A íntima conexão do esporte com o povo e a linguagem simples relacionada ao esporte de massas que é o futebol acabam por fazer com que, em diversos momentos, os movimentos sociais e as oscilações política se confundam com as interações entre torcedores, jogadores, clubes e seleções nacionais.

O poder do futebol como ferramenta diplomática é perceptível. Desde os primórdios podemos perceber o uso do esporte como instrumento de manipulação e influência, tanto internamente como externamente. Os nazistas nas Olímpiadas de Berlim em 1936 pretendiam usar o futebol como uma força de soft power, com o mesmo viés que foi a Copa do Mundo em 1934 tendo a Itália como anfitriã e campeã. A vitória da Itália é possível fazer uma leitura da ideologia fascista ganhando das outras ideologias, o que acabou fascinando os nazistas. Não somente as Olímpiadas e a Copa do Mundo, mas contavam também com os amistosos internacionais. No caso do Brasil, o futebol foi usado como contexto externo e interno também. Desde a governo getulista na tentativa de criar um sentimento nacional na Copa de 1934 até os militares com o sucesso “Para frente Brasil” que embalou a equipe brasileira de Pelé em 1970 no México, a qual se sagrou campeã. Todas as tentativas do Brasil de diminuir a questão de crise de identidade de um País de tamanho continental com muitas culturas e descendentes, além da divergência econômica de renda. Já no âmbito internacional, com o “Jogo da Paz” é outra ocasião de diplomacia futebolística usada pelo Brasil. (AMAZARRAY, 2011).
Além do Brasil ser o maior campeão mundial – cinco vezes – é o País celeiro de grandes craques e nomes da história do futebol mundial como Pelé, Zico, Leônidas, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Romário, Garrincha e outros, tornando o Brasil a escola futebolística mais respeitada do mundo, criando assim uma admiração internacional pelo futebol brasileiro nos quatro cantos do mundo.
 Porém, “foi no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) que o termo diplomacia do futebol começou a se popularizar e a se tornar mais conhecido da opinião pública brasileira”. (FREIXO, 2014, p. 85).
Lula é apaixonado por futebol e é declarado torcedor do Sport Club Corinthians Paulista (clube conhecido como ser o segundo mais popular do Brasil), além de uma identidade admirada em boa parte do mundo o que o ajudou a desenvolver uma agenda vasta como porta voz do Brasil, divulgando a imagem do país e resgatando a autoestima brasileira. Com a Política Externa muito ativa de protagonismo, Lula e o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim enfatizaram a atuação internacional do país principalmente na América Latina, com às potências emergentes do Sul (Sul-Sul) e os organismos multilaterais (FREIXO, 2014). Alinhando o “endeusamento” do futebol brasileiro no mundo e o recente título da Copa do Mundo de 2002 e a Copa América de 2004, Lula utilizou a diplomacia do futebol no amistoso “Jogo da Paz” entre Brasil e Haiti, realizado na capital haitiana Porto Príncipe, em 18 de Agosto de 2004. O documentário dirigido por Caíto Ortiz mostra esse dia especial e guardado na memória de todos os Haitianos até o dia de hoje. A queda do presidente Jean-Bertrand Aristide naquele ano de 2004, mergulhou o país em uma gigante crise política que ameaçava a frágil instituição democrática do Haiti. Boniface Alexandre, presidente da Suprema Corte, solicitou a ONU que aprovou a criação de uma missão de paz internacional para garantir a estabilidade e segurança do Haiti. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti foi estabelecida em junho de 2004 e desde a sua criação o Brasil tem estado no comando do componente militar. Assim, o Presidente Lula deu a sugestão para ser realizada uma partida de futebol entre as duas seleções do Brasil e Haiti para contribuir com o processo de paz como uma iniciativa humanitária. O jogo ocorreu no dia 18 de Agosto de 2004 e terminou com uma vitória da Seleção Brasileira por um placar de 6x0, diante um estádio lotado com um público extasiado. O placar não importou muito como mostra o documentário, mas sim o acontecimento que ficou gravado na memória coletiva dos Haitianos - que já eram muito fãs e torcedores assíduos do Brasil - com a passagem da seleção brasileira e jogadores com renome internacional como Ronaldo, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho e Juninho Pernambucano. Com a o sucesso e repercussão internacional da partida, Lula tentou outra vez propor outro “Jogo da Paz”, entre Flamengo e Corinthians (os dois clubes mais populares do Brasil e de maior torcida) na Palestina, em dezembro de 2009. O jogo acabou não sendo realizado devido a preocupação de segurança para a comitiva brasileira numa região de conflitos e marcada pela atuação de grupos extremistas. (FREIXO, 2014).
É válido ressaltar também o esforço do presidente Lula de trazer a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas em 2016 para o Brasil.
Em suma, é possível notar dentro de uma lógica a ideia do Brasil de utilizar a diplomacia do imenso prestígio do futebol para exercer sua influência no cenário internacional, principalmente na época do governo Lula. Além da atenção mundial por ser o esporte mais popular do mundo e o Brasil ser a maior escola, os ganhos econômicos e propalado legado brasileiro podem ser considerados como um dos pontos da execução desses eventos e amistosos.
Para encerrar, esse reconhecimento do Brasil como referência do futebol mundial tanto em uma medida de soft power, foi na final da Copa do Mundo de 1990, entre Itália e Argentina, no Estádio Olímpico em Roma, na Itália.[1] A final contou a presença de várias celebridades como entretenimento e uma das mais notáveis como o Presidente da Autoridade Palestiniana Yasser Arafat e o Primeiro Ministro de Israel, na época Shimon Peres. O grande ídolo brasileiro, além de ser uma das maiores atrações da noite, conseguiu algo fantástico: tirar a foto – imagem abaixo - com Yasser Arafat (à esquerda de lenço) e Shimon Peres (ultimo à direta) juntos:

FONTES:

AMAZARRAY, Igor Chagas. Futebol: o esporte como ferramenta política, seu papel diplomático e o prestígio internacional. 2011. 70 f. Trabalho de conclusão de curso em Relações Internacionais, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Porto Alegre. Disponível em < http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/40288 > Acessado em 20/03/2017.
DIA EM QUE O BRASIL ESTEVE AQUI, O. Direção Caíto Ortiz. Produção: Adriano Civita. Brasil, 2005. 1 DVD (70min), Cor.
FREIXO, Adriano. Futebol – O Outro Lado do Jogo. São Paulo: Desatino, 2014.
FOER, Franklin. Como o Futebol Explica o Mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
NYE, Jr. Joseph S. Soft power: the means to sucess in world politics. New York: PublicAffairs, 2004.



[1] http://www.clarin.com/ediciones-anteriores/historico-partido-futbol-paz-oriente-medio_0_HJtBA5x0Yl.html

Nemésio Xavier de França Neto: estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário