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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Direito Internacional em Foco: O caso amargo do Rio Doce - a responsabilização das empresas perante o Direito Internacional Público no maior desastre ambiental brasileiro

 A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.



O caso amargo do Rio Doce: e responsabilização das empresas perante o Direito Internacional Público no maior desastre ambiental brasileiro

Emílio Heller Augustin

Samuel Pelentrier



            Minas Gerais, Brasil. 05 de novembro de 2015. O município de Mariana foi varrido por lama proveniente de duas barragens de rejeitos de minério da empresa Samarco, devido ao colapso da barragem de Fundão, que por sua vez transbordou para a de Santarém, fazendo com que esta também se rompesse. Em 16 dias a lama formada por rejeitos de minério de ferro atingiu o mar, configurando assim um desastre tanto humano - pelas perdas causadas no trajeto de Minas Gerais até o mar, passando pelo Espírito Santo - quanto ambiental, por afetar provavelmente milhões de exemplares da fauna e flora.

            A Samarco S. A., fundada em 1977, é hoje uma joint venture entre duas multinacionais das maiores do mundo na área na qual atuam, e nos noticiários é o nome por trás do maior desastre ambiental já registrado no país. Joint venture é o termo adotado quando duas ou mais partes empreendem uma atividade econômica de modo conjunto, geralmente o fazendo como uma pessoa jurídica diferente, de modo a preservar a personalidade jurídica das partes envolvidas.

            A maior mineradora do mundo em 2015, a BHP Billiton, e a Vale (em 2015, 8ª maior do mundo) detêm, cada uma, 50% da Samarco. Décima maior exportadora do país - antes do rompimento da barragem que ocasionou um embargo, por parte do governo de Minas Gerais, de suas atividades de mineração em Mariana - vende matéria-prima para fabricação de minério de ferro.

            Excluindo-se eventuais acionistas brasileiros que talvez sejam donos de ações da BHP Billiton, é uma empresa totalmente estrangeira. Já a Vale conta na sua composição acionária com mais de 46% de participação estrangeira, ou como a própria empresa prefere identificá-los em seu site oficial, “investidores não brasileiros”. Quem está prestando atenção até aqui se lembra que tanto a Vale como a BHP são donas, cada uma, de 50% da Samarco. Repetir tal informação é importante, pois quase metade das ações da Vale está espalhada entre pessoas de outros países e há (se houver) uma participação apenas ínfima de brasileiros como acionistas da BHP.

            Logo, é uma questão de matemática básica verificar que a maioria dos bilhões de reais que a Samarco gera (13,3 no quinquênio 2010-14) vai para fora do Brasil. Assim sendo, deveriam sair destes gordos bolsos internacionais as reparações referentes ao maior desastre ambiental da história deste país, certo? Pois não é exatamente o que acontece.

            Grandes corporações podem fazer tanto dinheiro em um ano quanto o PIB de certos países. Parte disto pode ser explicado pelo fato de terem acesso a mais de um mercado nacional, contando com consumidores de diversos países. Quando uma pessoa compra a marca vermelha em vez da azul, e se apenas a azul é nacional, a empresa dona da marca azul lucra menos. Se isto acontecer com várias marcas, várias empresas nacionais vão ter cada vez menos dinheiro para poder pagar, por exemplo, salários e aluguéis, e mais empresas estrangeiras poderão pagar os seus salários e aluguéis ao redor do planeta.

            Trazendo a situação descrita para o tema do presente escrito, quando o Brasil permite que a BHP Billiton tenha 50% da Samarco, está implicado que boa parte daqueles bilhões de reais mencionados vai para nacionais de outros países. Deveria, então, o Brasil escolher bem que tipo de cláusulas colocar num contrato com uma empresa destas, certo? Ainda mais quando a gente também sabe como extrair minério! Deveria, mas não é exatamente o que acontece.

            Na teoria, embora a doutrina jurídica em torno do tema não seja pacífica, empresas passariam a ser sujeitos de Direito Internacional uma vez que negociam diretamente com países e estão em pé de igualdade com os mesmos em instâncias como o ICSID – Centro Internacional para Solução de Disputas sobre Investimentos, instituição internacional que, regida pelo Banco Mundial, media conciliações e/ou arbitragens de disputas (sempre com litígios iniciados pelas corporações contra os Estados, e nunca o contrário) entre países e investidores (cujos investimentos rendem frutos que nem sempre são de interesse de seus países-sede) estrangeiros.

            Isto deveria significar que, da mesma maneira que um país pode ser alvo de, por exemplo, sanções econômicas ditadas por organizações como a ONU, deveriam também as grandes corporações estar sujeitas a contramedidas internacionais. Isto deveria significar que, da mesma maneira que um país pode ser alvo de uma ação internacional perante uma Corte de Direitos Humanos, uma grande corporação também deveria responder internacionalmente pelos seus atos. Deveria, mas, como você que lê já deve ter antecipado a esta altura do texto, não é exatamente o que acontece.

            E o que acontece? As corporações multinacionais e multibilionárias são, no Direito Internacional, sui generis, expressão em latim usada para indicar quando algo é único, diferente de todo o restante. Podem assim ser classificadas pois, enquanto por um lado são elas possuem DIREITOS no plano internacional (e aqui mesmo no blog pode-se ler mais a respeito do que convencionou chamar-se direito internacional dos investimentos estrangeiros, como a postagem “Direito Internacional dos Investimentos Estrangeiros e os Tratados Brasileiros”, entre outras), por outro lado não podem os Estados exigirem DEVERES, em plano internacional, destas corporações.

            A explicação para este desequilíbrio é a de que no plano internacional as normas relativas às obrigações das empresas não passam de soft law, ou quase-direito. Em termos leigos, os países dependem principalmente da disposição, da vontade, das já citadas corporações para que o que foi acordado seja seguido, uma vez que não existem obrigações internacionais de cumprimento que garantem (e esta é a palavra-chave) penalizações. Ou seja, em âmbito internacional, tais normas são mais próximas de uma recomendação do que de uma lei.

            Em partes, isto se deve à ausência de um corpo legislativo internacional, assim como à inexistência de um órgão repressor mundial. Além destes motivos, podemos colocar parte da culpa na inércia estatal diante das exigências das multinacionais, por razões econômicas ou políticas. Como consequência do cenário sugerido de criação e exigência do cumprimento de leis internacionais, teríamos uma polícia planetária. Mas qual seria o órgão equivalente à corregedoria desta suposta polícia global? A ONU, que na década passada não autorizou a invasão do Iraque e assistiu ao governo de George W. Bush assim mesmo fazê-lo?

            Melhor seria cada nação poder proteger-se fazendo uso de suas legislações domésticas (para que pessoa jurídica alguma, especialmente estrangeira, possa sobrepor-se aos interesses das pessoas como eu e você) ao mesmo tempo em que atrai oportunidades de negócios ao seguir regras não-escritas das práticas comerciais convencionais (assegurando assim aos empresários idôneos de qualquer lugar do planeta que eles não estariam lidando com uma república de bananas) – o que se convencionou chamar de lex mercatoria. Se absolutamente viável sob o ponto de vista do direito doméstico, certo é que o cenário encontra algumas barreiras no Direito Internacional, que, como visto, mais restringe a margem de ação estatal frente às multinacionais que o oposto.  

            Com isto espera-se que, por mais multinacional que seja uma empresa, ela venha então a pagar por eventuais perdas históricas, prejuízos ambientais, famílias desabrigadas, vidas perdidas e populações indígenas ameaçadas pela poluição de rios e nascentes vitais à sua sobrevivência (caso dos índios Krenak) – exatamente o que aconteceu.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS








https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/2016/03/08/ong-justica-global-publica-relatorio-sobre-a-tragedia-anunciada-de-mariana/


http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/11/06/o-que-se-sabe-sobre-o-rompimento-das-barragens-em-mariana-mg.htm

http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/audit.html

REFERÊNCIAS DA IMAGEM: 
http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/08/justica-declara-nula-homologacao-de-acordo-para-recuperar-rio-doce.html

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