Por * Alinne de Oliveira Ross
O Terrorismo Islâmico
O século VII
representou uma grande expansão do islã pelo Oriente Médio, África e Europa,
dando mais visibilidade ao conceito de Jihad (esforço) e também à vontade de um
Estado Islâmico sobre o poder de um califa, entretanto pode-se datar o
surgimento do terrorismo islâmico moderno no século XVIII.
Com o surgimento do
wahabismo de Muhammad ibn Abd al-Wahhab, este grupo objetivava expulsar do Islã
tudo o que era considerado impuro, degenerado, como por exemplo, a cultura
ocidental. Essa visão era ligada ao ramo sunita do Islã e deu embasamento para
grupos que atuam hoje em dia e obviamente, se opunham ao ramo xiita defensores
dos sucessores do profeta Maomé. A partir dessa pretensão de melhoria do mundo
a partir do islã, o wahabismo é rígido e extremo em relação à interpretação do
livro sagrado islâmico.
Na criação da
Arábia Saudita de Muhammad Bin Saud onde a ideia wahabista passou a ser incorporada e
posteriormente exportada para os outros países do Oriente Médio, esta acabou
tomando grandes proporções e tornando a Sharia (lei islâmica) cada vez mais
importante, rígida e consequentemente punitiva.
Foi com o ataque da
Al- Qaeda ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 que o terrorismo
islâmico passou a preocupar o ocidente. O ataque que matou aproximadamente 3000
pessoas e era o primeiro sinal de que o terrorismo havia deixado de ser um
fenômeno regional para ser um fenômeno internacional.
Esse ataque
evidenciou o desgosto árabe muçulmano com as frequentes intervenções
norte-americanas e, portanto ocidentais, em seus territórios sempre impondo os
ideais americanos de democracia e o “american way of life”. O terrorismo se
tornou uma estratégia global de resposta aos anos de imperialismo que o Oriente
Médio sofreu, sendo esta fortemente pautada no terror e nas armas.
Surge aí o
fundamentalismo, ou seja, a fusão entre a questão religiosa e política com
pretensões da instituição de um califado, de um Estado Islâmico sob um regime
radical e livre da intervenção externa.
A partir da
Al-Qaeda surge outro grupo de grande visibilidade no sistema internacional
principalmente após os ataques à cidade de Paris e à divulgação da imagem do
menino Aylan Kurdi numa praia na Turquia ao, assim como muitas pessoas das
áreas lideradas pelo grupo, tentarem fugir em direção à União Europeia.
O grupo
autointitulado Estado Islâmico, hoje estipulado em 50 mil combatentes pelo
Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) apenas no território sírio,
surge com a retirada das tropas americanas no Iraque sendo uma ramificação da
Al-Qaeda. Em 2014, Abu Bakr Al-bagdadi se autoproclamou líder do califado.
Com
ataques muito menos sofisticados do que a o grupo que os deu origem, o EI
(também conhecido como ISIS) se mantém através da cobrança de impostos e do
controle dos poços de petróleo. Além disso, o Estado Islâmico utiliza das
técnicas da jihad 2.0, que consiste em um recrutamento feito por meios de
comunicação e redes sociais.
O
grupo também é famoso por realizar ataques violentos e publicar vídeos de
decapitações de seus inimigos, os quais primeiramente os xiitas e o governo
sírio de Bashar Al-Assad e também o mundo ocidental.
O
que é fácil de perceber é a força que esses movimentos têm ganhado em questão
militar, mas também de recrutamento, onde possuem uma ferramenta facilitadora, além
da identificação de muçulmanos de todo o mundo com o movimento. E por isso
voltou fortemente às pautas de pesquisas acadêmicas, aos jornais e revistas e é
atualmente muito discutido.
A Teoria da Interdependência
Com seu início no
pós-segunda guerra mundial, durante o período de guerra fria e principalmente
durante a crise do petróleo, a teoria da interdependência surge admitindo a
importância das questões econômicas no sistema internacional.
Robert Keohane e
Joseph Nye são os principais teóricos dessa corrente e em suas obras reconhecem
a existência de processos transnacionais onde um dos atores envolvidos não é o
Estado e esses processos geram a interdependência do sistema. Com maior número
de atores e, portanto maiores possibilidades há um visível aumento da
complexidade do sistema internacional como um todo.
Essa teoria entende
que ações em determinada parte do grupo podem e vão impactar outra parte, ou
seja, se afetam mutuamente e difere-se do idealismo no que diz respeito à
integração, uma vez que essa coloca a integração como geradora da paz enquanto
que na interdependência o conflito de interesses continua existindo.
Com a crise do
petróleo e a questão econômica evidente ficou claro que havia uma fortíssima
dependência dos países em relação ao petróleo da região do Oriente Médio. Em
análise posterior buscou-se descobrir o porquê da não ocorrência de um conflito
e a resposta se encontrou na descentralização do fornecimento desse recurso e
percebeu-se que a autonomia poderia significar maior poder.
Para que se
chegasse a conhecer a teoria da interdependência como esta é hoje houveram
quatro fases essenciais de expansão que compreendem: as grandes navegações e a
saída do comercio do continente europeu; a revolução industrial e
posteriormente a industrialização de outros países; a segunda guerra mundial e
a criação de Organizações Internacionais e multinacionais; avanço tecnológico
dos anos 70,80 e 90 com a baixa do valor dos transportes e desenvolvimento dos
meios de comunicação.
Hoje, o
isolacionismo em relação à interdependência pode causar atraso econômico, mas
em compensação, os participantes dessa relação devem sempre ter uma estratégia
de dependência relembrando a questão da autossuficiência que pode significar um
aumento de poder.
Anteriormente à
interdependência, as relações eram mais hierarquizadas, óbvias e simples, agora
se caracteriza por sua complexidade que advém de um maior número de atores,
canais múltiplos e temas múltiplos discutidos dentro dessa esfera.
Essa teoria pode
ser analisada em quatro diferentes dimensões:
-Suas origens:
questão social (ações dos atores) e questão natural (físico);
-Benefícios:
complexos e imprevisíveis, diversidade de somas ao invés de somente 0;
-Custos relativos:
efeitos do processo de interdependência
a) sensibilidade:
quão sensíveis são os países no processo. Quanto é possível perceber os efeitos
da interdependência;
b) vulnerabilidade:
medidas tomadas para a redução da vulnerabilidade em longo prazo. Também
depende da disponibilidade de substitutos, fontes alternativas.
-Simetria:
Assimétrica e desigual ainda que os ganhos sejam positivos para ambos.
A
teoria também é composta pela globalização, ou seja, redes mundiais onde os
países se unem em um vínculo em busca de objetivos em comum e o aprofundamento
dessa cooperação pode desencadear a criação de instituições. Mesmo assim, as
ações dos Estados ainda se regem pelos interesses nacionais.
A
globalização implica em rapidez de processos de interdependência através da
revolução tecnológica aumentando impacto das ações humanas no sistema
internacional. Essa rapidez se dá por conta do aumento da densidade das redes,
da velocidade institucional e da participação transnacional.
Nas visões teóricas
relativas à globalização, destaco por ter mais congruência com o tema a ser
posteriormente abordado, o autor Boaventura de Souza Santos que estuda o
fenômeno em quatro aspectos:
-Localismo
globalizado: aspectos locais que se tornam globalizados;
-globalismo
localizado: efeitos da globalização no contexto interno;
-cosmopolitismo:
ampliação do movimento da sociedade civil no processo;
-patrimônio comum
da humanidade: temas que devem ser discutidos no contexto global.
O terrorismo islâmico globalizado e a teoria da
interdependência
Com os ataques de
11 de setembro, já supracitado, o mundo se viu diante de uma forte reação
politica à globalização e ao imperialismo ocidental, principalmente
norte-americano. Supostamente, o local foi escolhido por ser um símbolo da
economia americana.
Ao
ser a primeira catástrofe testemunhada pela humanidade por meios televisivos, o
ataque se utilizou não de tecnologias altamente sofisticadas, mas sim da
internet. Hoje, com o Estado Islâmico, o recrutamento via redes sociais é o
principal meio de angariar novos combatentes para o grupo e é conhecido
como Jihad 2.0. Em uma breve passagem do
livro “Na pele de uma jihadista” de Ana Erelle, a autora retrata que há uma
incompatibilidade com o uso dessa ferramenta criada no advento da globalização
e o discurso antiocidental.
Essa disputa imperialismo versus
fundamentalismo islâmico, acirrada através das crises do petróleo pode também
ser analisada do ponto de vista dos custos relativos, ou seja, os EUA apesar de
aparentemente ganhar com essas intervenções por meio da conquista e controle de
poços de petróleo, em contrapartida corre o risco de uma retaliação, vinda, por
exemplo, com os ataques terroristas.
Fato
é que a teoria da interdependência admite a participação de novos atores
influentes no sistema internacional e os terroristas certamente fazem parte
desse novo grupo. A revolução tecnológica possibilitou que o terror se espalhe
muito mais facilmente, mas também que o soft power do grupo no objetivo de
conquistar novos membros seja mais rápido e eficiente podendo hoje terem
combatentes em vários países fazendo ataques simultâneos, por exemplo.
Com
os processos de interdependência, o fluxo de informações é quase impossível de
ser controlado e o Estado perde o poder de gerir todas as ações dentro de seus
territórios. Entretanto, a possibilidade de o Estado Islâmico realmente se
constituir como Estado soberano é mínima, pois apesar de terem domínio sobre
alguns territórios do Oriente Médio, não tem todas as características
constitutivas de um país e principalmente, não tem o reconhecimento
internacional.
Recolocando
a questão do soft power, este funciona não só internacionalmente, mas também
regionalmente. O grupo precisa de um apoio dos nacionais para que restem
pessoas sob o califado e, portanto busca fornecer escolas, condições de vida, e
querendo ou não seus objetivos são melhorar o local onde moram, o que raramente
é dito pela mídia. Nye cita em suas contribuições, que a união do soft power
(capacidade de influenciar) e hard power (capacidade de usar a força) juntas se
transformam no que ele denomina o Smart Power e as organizações terroristas
podem sim se enquadrar no smart power.
O
Localismo globalizado de Boaventura de Souza Santos é visivelmente um aspecto
influente da teoria da interdependência no caso do terrorismo islâmico. Os EUA,
como já citado, fizeram questão de exportar seus valores principalmente por
meio do “American Way of Life” e com essa política conhecidamente imperialista,
quebraram questões culturais, interferiram na economia e no modo de vida da
população local de vários países do Oriente Médio.
Diante de todo o
tema exposto, é imprescindível compreender que a globalização certamente teve
impactos sobre as regiões continuamente exploradas do Oriente Médio e criou
consigo um dos maiores desafios do século XXI, que são o terrorismo e o fundamentalismo
islâmico. Ao mesmo tempo, vê-se que esses grupos se utilizam massivamente da
internet, podendo assim promover ataques, a expansão de membros, e a
disseminação do terror por meio da informação.
Bibliografia:
Mazetto,
Francisco de Assis Penteado. O terrorismo na história. Disponível em: http://www.ecsbdefesa.com.br/fts/Terrorismo.pdf
Cardoso,
Tatiana de Almeida Freitas Rodrigues. Os impactos da globalização no
terrorismo, disponível em: http://www.cedin.com.br/static/revistaeletronica/volume8/arquivos_pdf/sumario/Tatiana%20Cardoso.pdf
Cardoso, Arisa Ribas. O crime
organizado transnacional: um estudo introdutório da questão na perspectiva da teoria
da interdependência. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.6,
n.1, 1º quadrimestre de 2011. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica
Freire,
Antonio Rodrigo Candido. O liberalismo e a teoria da interdependência complexa,
disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7410
Erelle, Ana. Na pele de uma jihadista. Editora
Paralela. 2015. Título original: Dans la
peau d’une dijhadiste: Enquête au coeur des filières de recrutement de l’État
islamique.
Nye,
Joseph. Compreender os Conflitos
Internacionais - Uma Introdução à Teoria e à História. Lisboa:
Gradiva, 2002.
Sarfati,
Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
* Alinne de Oliveira Ross: aluna do 3 período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir