A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
O Direito Internacional
Humanitário e a Internacionalização dos Conflitos Armados
Amanda Gussão, Bárbara Metzner, Beatriz Sá e Giuliana Orsolin.
O
Direito Internacional Humanitário, também conhecido por Direito de Guerra ou
Direito dos Conflitos Armados, é o ramo do Direito Internacional Público que,
através de um conjunto de normas, busca limitar os efeitos dos conflitos
armados. Como parte do Direito Internacional, é também criado sobretudo a
partir dos tratados e costumes internacionais.
Suas
origens são antigas e antecedem ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, podendo
ser encontradas em códigos e regras de religiões e culturas do mundo inteiro. Passa
a se inserir no Direito Internacional moderno pelos acordos entre Estados,
desde o século XIX, após suas experiências com guerra, o que reflete suas preocupações com
necessidades militares e humanitárias; bem como pelo reconhecimento de
determinadas normas como costumeiras por instâncias internacionais.
Como
exemplos do primeiro, já em 1864 foi assinada a Primeira Convenção de Genebra,
que visa melhorar as condições de combatentes feridos em tempos de guerra; e em
1868 foi acordada a Declaração de São Petersburgo, que faz com que os Estados
renunciem ao uso de determinados tipos de projéteis explosivos que causam
sofrimento excessivo e injustificado.
“Convenções
de Genebra” é o nome que resume as
principais fontes do Direito Humanitário. Diz respeito aos quatro tratados
internacionais assinados em 1864, 1906, 1929 e 1949, além de seus Protocolos
Adicionais I e II de 1977 e III de 2005, com os objetivos de reduzir os efeitos
das guerras sobre a população civil e oferecer proteção aos militares
capturados ou feridos. O tratado de 1949, de forma geral, sintetiza e atualiza
as três convenções anteriores. Para notar sua importância, o tratado unificado
foi ratificado por 196 Estados, e grande parte de sua normativa é considerada
de direito costumeiro.
As
Convenções de Genebra têm como principal objeto as pessoas em tempo de guerra,
não lidando com a legalidade dos armamentos utilizados pelos combatentes, outra
preocupação do Direito Humanitário. Neste campo, são as principais fontes as
Convenções de Haia de 1899 e 1907, de adoção igualmente generalizada, a
Convenção das Armas Bacteriológicas de 1972, a Convenção das Armas
Convencionais de 1980 e a Convenção das Armas Químicas de 1993.
Em suma, portanto, este ramo regula
os meios de combate (armas e estratégias militares) e faz proteção a quem não
participa ou deixou de participar dos conflitos, incluindo os que foram feridos
ou que naufragaram, que estão doentes ou que foram feitos prisioneiros de
guerra. Sua aplicação inicia tão logo comecem as hostilidades, e incide
igualmente sobre todas as partes, não importando quem inicie o conflito.
Haja vista a natureza do ramo, não obstante de caráter
protetivo, as ações ou omissões que desrespeitam suas normas são consideradas
crimes. O conceito de crimes de guerra passou a ser utilizado de forma mais
generalizada durante a Segunda Guerra Mundial, sendo positivado e tipificado
internacionalmente pela subsequente quarta Convenção de Genebra, embora os
Tribunais Militares Internacionais de Nuremberg e Tóquio é que tenham
inaugurado seu uso jurídico.
Trata-se de uma
categoria ampla de possíveis crimes, cada um com seus elementos especiais, devendo
coexistir com os elementos comuns que caracterizam a categoria (existência de
conflito armado e nexo entre o crime e o conflito). O artigo 147 da Quarta
Convenção de Genebra os elenca como: assassinatos intencionais; tortura e
tratamento desumano, como causar grande sofrimento intencionalmente, ou graves
danos ao corpo ou à saúde; deportações e deslocamentos ilegais; confinamentos
ilegais de pessoas protegidas; obrigar pessoas a servir em forças hostis; privação
intencional do direito a um julgamento justo e regular de pessoas protegidas; destruição
extensiva e apropriação indevida, não justificada por necessidade militar e
realizada de maneira injustificada, intencionalmente.
Com o objetivo de defender o Direito Humanitário
existem várias organizações, cabendo especial destaque ao Movimento
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Este presta auxílios
sem discriminação aos feridos, dentro dos campos de batalha, e se esforça para
prevenir e aliviar o sofrimento humano, bem como monitoria e denuncia a
aplicação incorreta da normativa em tempos de guerra. O Movimento tem em vistas
a proteção da vida e da saúde e a promoção do respeito pela pessoa humana, favorecendo
a compreensão mútua, a amizade, a cooperação e uma paz duradoura entre todos os
povos.
Quanto à sua aplicação de caráter judicial,
especialmente no que toca os crimes de guerra, essa se dá igualmente pelos
tribunais nacionais, internacionais e híbridos. Haja vista a ratificação dos
tratados, os Estados têm a obrigação de investigar, julgar e punir seus
nacionais responsáveis por violações do Direito Humanitário. Na esfera
internacional, a Corte Internacional de Justiça analisa e aplica a matéria em
disputas entre Estados, e os tribunais penais internacionais o aplicam frente a
indivíduos, criminalmente. O mesmo fazem os tribunais híbridos, tribunais ad hoc que mesclam julgamentos nacionais
e internacionais, a exemplo do Tribunal do Khmer Rouge (Cortes Extraordinárias
do Camboja) e da Corte Especial para a Serra Leoa.
Como visto, com relação à esfera
penal, um crime de guerra só pode existir consoante a existência e conexão com
um conflito armado. O Direito Humanitário distingue para esse dois tipos: os
conflitos armados de caráter internacional e os de caráter não-internacional. Cada
tipo conta com uma normativa aplicável específica, inclusive com alguns
diferentes crimes, embora sigam os mesmos princípios.
Segundo as Convenções de Genebra, um
conflito internacional é aquele que ocorre entre dois ou mais Estados,
iniciando sempre que haja recurso à força entre estes. Já o conflito
não-internacional ocorre quando há recurso à força, de maneira prolongada,
entre forças governamentais e grupos armados não-governamentais, ou entre tais
grupos, mesmo que sem participação governamental. É esta a definição clássica.
Além da categorização
dos crimes, a distinção entre os tipos de conflito possuem outras importantes
implicações. Se conflitos internacionais acontecem entre (Estados) soberanos, um
não pode ser processado pelo outro, por serem iguais. Já no conflito interno,
trata-se de “dois diferentes”, normalmente o governo contra um grupo rebelde,
situação na qual esse rebelde pode ser processado pelo mero fato de lutar, não gozando
de qualquer status privilegiado como um Estado.
Não obstante a definição
clássica de conflito internacional, consagrada pelas Convenções de Genebra, seja
bastante contundente ao afirmar que este só pode ocorrer se entre Estados, esta
definição tem se mostrado cada vez mais inadequada perante o desenvolvimento de
novas estratégias de guerra. Tal fato tem trazido, desde o final do século
passado, um extenso debate na doutrina e também interessantes inovações
jurisprudenciais por parte dos tribunais internacionais.
O exemplo mais claro dessa inadequação são as
chamadas proxy wars, ou guerras por
procuração: conflitos em que países se utilizam de terceiro (proxies) como substitutos, em vez de
lutarem diretamente entre si. Por um lado, com o desenvolvimento do Direito
Internacional, é cada vez mais raro que Estados declarem guerra uns contra os
outros. Por outro, cada vez mais nota-se a participação de agentes não-estatais
em conflitos que, na verdade, possuem ligação direta com outros Estados.
Neste contexto, é importante notar que não necessariamente dois Estados
utilizam-se igualmente de proxies e
guerreiam entre si por meio destes nos territórios de um terceiro Estado, como
ocorria comumente na Guerra Fria. Também, um Estado acaba por intervir nos
assuntos de outro Estado por meio de proxies
internos a este que fazem frente ao Governo reconhecido, ainda que este não
seja apoiado por um terceiro Estado. Esta prática tem se tornado, também, cada
vez mais comum, na medida em que decaem as práticas de intervenção direta por
meio de, por exemplo, ocupações.
Para este tipo de situações, veio a desenvolver-se o conceito de
“internacionalização de conflitos”. A internacionalização ocorre quando um
conflito que tinha caráter não-internacional, por conta de determinado fato,
adquire caráter internacional, o que altera a normativa aplicável,
especialmente com relação a crimes de guerra.
Para Marko Milanovic, são
duas as maneiras de se “internacionalizar” conflitos armados no panorama atual.
A primeira seria, por um esforço planejado, com o objetivo de incluir certas entidades
que não Estados, ampliar a definição de conflitos internacionais por meio de novos
tratados e/ou costumes. A segunda seria considerar tais entidades não-estatais
como agindo em nome de um Estado, associando-as diretamente a estes Estados
visando à adequação à definição clássica.
A primeira
possibilidade, sem dúvidas, não é simples, pois se considerado em curto prazo
deve envolver necessariamente a re-codificação do direito já positivado. E
nesse aspecto, os Estados apresentam forte resistência, especialmente as
grandes potências, temendo que suas condutas de participação indireta possam
configurar a participação direta como parte de um conflito internacional. Por
outro lado, seria a via mais apropriada, e esforços já têm sido feitos em foros
multilaterais.
A segunda via, assim, é
a que tem sido mais utilizada, cujos esforços têm sido encabeçados pelos
tribunais internacionais e pela doutrina. A jurisprudência que melhor a exemplifica
é o caso Tadic, do Tribunal Penal
Internacional para a Antiga Iugoslávia.
No caso Tadic, o TPII decidiu que “É
indisputável que um conflito armado é internacional quando ocorre entre dois ou
mais Estados. Adicionalmente, no caso de um conflito armado interno ocorrendo dentro
do território de um Estado, este pode tornar-se internacional se alguns dos
participantes daquele conflito ajam em nome de outro Estado”. No caso, ações executadas
por bósnios-sérvios, dentro da Bósnia, foram consideradas equivalentes a
participação da Iugoslávia/Sérvia no conflito, quando se passou a aplicar o
direito dos conflitos internacionais. A jurisprudência foi usada extensivamente
nos casos posteriores do tribunal.
É interessante notar
que o teste aplicado para determinar a atribuição, que passou a ser chamado de overall control test, exige apenas que
um controle geral seja exercido pelo terceiro Estado perante o grupo em questão:
“[que o Estado] tenha um papel relevante na organização, coordenação e
planejamento das ações militares do grupo.” Assim, ainda segundo o tribunal,
“não necessita ordens específicas pelo Estado, ou direcionamento para cada
operação específica do grupo controlado.”
O caso tem como seu
predecessor o caso Nicaragua, da
Corte Internacional de Justiça, em que o Governo da Nicarágua defendeu que as atrocidades
cometidas pelo grupo rebelde contra,
que batalhava o Governo, deveriam ser atribuídas ao Governo dos Estados Unidos.
Neste caso, o conflito não chegou a ser considerado como internacionalizado,
mas algumas responsabilidades de fato foram atribuídas aos EUA.
Tendo em vista os fatores expostos acima, é
possível compreender a importância da constante readaptação do Direito Internacional
Humanitário para a realidade mundial, haja vista o constante desenvolvimento de
novas formas de conflitos que ameaçam fragilizar a humanidade.
FONTES CONSULTADAS:
VITE, Sylvan. Typology of armed conflicts in
international humanitarian law: legal concepts and actual situations.
http://www.ejiltalk.org/what-exactly-internationalizes-an-internal-armed-conflict/
FONTE DA IMAGEM:
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