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segunda-feira, 27 de junho de 2016

A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS PARA A COOPERAÇÃO: Análise sobre a Organização Mundial do Comércio

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais 1, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.



Barbara T. Metzner



Neste trabalho, procuro explicar a Teoria Neoliberal Institucionalista, e, através dela, comprovar a eficácia da Organização Mundial do Comércio. Para essa teoria, os Estados seguem sendo os principais atores das relações internacionais, além disso, o sistema internacional é considerado descentralizado, ou seja, todos são iguais entre si e ninguém tem de obedecer a ninguém (anarquia). Partindo dessa ideia, Robert O. Keohane, em seu livro “After Hegemony”, aborda a teoria neoliberal institucional, no qual caracteriza o sistema internacional como uma cooperação sem hegemonia, que seria buscada pelos Estados a fim de evitar a discórdia e os conflitos.
A questão central do livro é a cooperação depois da hegemonia, que é definida como um processo pelo qual as atuais políticas seguidas pelos governos são consideradas pelos seus parceiros como facilitadoras à realização de seus objetivos, como resultado da coordenação política. No entanto, o autor relata que isso leva a uma tensão crucial entre a economia e a política: a coordenação de políticas internacionais parece altamente benéfica em um mundo economicamente interdependente, mas a cooperação na política mundial é particularmente difícil. O autor argumenta que na ausência de cooperação, os governos iriam interferir no mercado internacional unilateralmente na busca dos seus próprios interesses. Eles iriam intervir nos mercados de câmbio, impor restrições nas importações, subsidiar as indústrias nacionais e taxar preços para os commodities como o petróleo, o que não levaria a um bom resultado.
Keohane considera as dificuldades que existem para coordenar a política sem uma hegemonia, contudo defende que a cooperação sem hegemonia é possível e pode ser facilitada por regimes internacionais. Quando interesses em comum são suficientemente importantes e condições chaves se encontram, a cooperação pode surgir e os regimes podem ser criados sem uma hegemonia. A teoria neoinstitucionalista só é relevante no sistema internacional quando os atores têm algum interesse mútuo. Apesar do sistema internacional ser anárquico, os Estados têm interesses complementares, onde certas formas de cooperação podem ser potencialmente benéficas.  Contudo, isso não significa que a criação de regimes é fácil e nem que os atuais regimes econômicos internacionais surgiram dessa forma. O argumento é que os regimes internacionais são mais fáceis de manter do que de criar.

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
A cooperação precisa ser distinguida de harmonia pois não são idênticas e não devem ser confundidas, segundo o autor. Harmonia refere-se à situação na qual as políticas dos atores (que perseguem seus próprios interesses, independentemente dos interesses dos outros) automaticamente facilitam a realização do objetivo dos outros. Essa é a clássica situação econômica, descrita como o equilíbrio de mercado de oferta e procura, estimulado pela mão invisível, ou seja, a busca do interesse de cada um contribui para alcançar os interesses de todos. A busca pelo próprio interesse não atrapalha as ações dos outros. Dessa forma, se existe harmonia, a cooperação não é necessária.
A cooperação requer que ações de indivíduos ou organizações – que não estejam em harmonia – sejam trazidas para alguma conformidade por um processo de negociação, que é visto como um processo de “coordenação de políticas” (policy coordinations). A cooperação acontece quando os atores ajustam os seus comportamentos às reais ou previstas preferências dos outros, através do processo de coordenação de políticas.
Com base nessas afirmações, podemos distinguir cooperação, harmonia e discórdia. Se a política do ator automaticamente facilita a realização dos objetivos dos outros, sem que nenhum ajuste precise ser feito, é harmonia, que é rara no mundo político. Em outro caso, se os atores não estão fazendo nenhuma tentativa para ajustar suas políticas aos objetivos dos outros atores, o resultado é a discórdia. A discórdia acontece quando a política de um país se torna um obstáculo para realizar seus objetivos. A discórdia geralmente leva a esforços para induzir os outros a mudarem suas políticas. Se os ajustes solicitados encontrarem resistência por parte do outro país, então haverá conflito de políticas. Porém, se os ajustes políticos tiverem sucesso, segue a cooperação. Apesar de a negociação e a barganha geralmente serem utilizadas na cooperação, elas não são obrigatórias. Cada Estado procura por seus próprios interesses, mas também busca por barganhas que beneficiem todas as partes, mesmo que de forma desigual.
A harmonia independe de política e comunicação. Diferentemente, a cooperação depende muito da política, pois os padrões de comportamento precisam ser alterados. Infelizmente, estudos sobre crises internacionais e estudos sobre a teoria dos jogos mostram que estratégias que envolvem ameaças e punições são mais efetivas para alcançar resultados na cooperação do que aqueles que confiam apenas na persuasão e na força do bom exemplo.
Cooperação não significa ausência de conflitos, mas sim a reação ao conflito ou potencial conflito e reflete os esforços para superá-lo.  A discórdia geralmente prevalece nas questões comerciais, ela tende a predominar sobre a harmonia como resultado inicial da ação governamental independente. Por isso, com a finalidade de reduzir os conflitos que poderiam surgir, os governos entram em negociações internacionais. Na política mundial, a harmonia tende a desaparecer: a realização dos ganhos da busca de políticas complementares depende da cooperação.
O incentivo a cooperação aumenta justamente quando existe uma ligação de assuntos e interesses entre os Estados, ou seja, os Estados podem, por exemplo, cruzar suas agendas econômicas com a política. Um exemplo disso foi a entrada no Brasil na Segunda Guerra Mundial no lado aliado em troca de benefícios econômicos através da ajuda norte-americana. Outra situação acontece quando os interesses domésticos facilitam a negociação e por isso os Estados buscam levar o tema como prioritário nas negociações internacionais. Temos como exemplo aqui o Brasil que tem suas posições dentro das negociações com a Alca, EU e OMC impulsionadas pelo fator agricultura, que é consensualmente uma agenda importante no país. Outra circunstância facilitadora da cooperação é quando os países já são aliados militares. A estratégia de reciprocidade (Tit for Tat) também tende a facilitar a cooperação.
No capítulo 4 de seu livro, Keohane fala da forma que devemos analisar a cooperação. Ele procura entender os padrões de cooperação na economia política mundial. Para o autor, precisamos analisar a cooperação dentro do contexto das instituições internacionais em termos de práticas e expectativas. Qualquer ato de cooperação ou aparente cooperação precisa ser interpretado dentro do contexto de ações relacionadas, expectativas prevalecentes e crenças compartilhadas, antes que seu significado possa ser entendido.
O conceito de regimes internacionais nos habilita a descrever os padrões de cooperação. Embora os regimes dependam de condições que sejam propícias a acordos entre Estados, eles podem facilitar os esforços de coordenação política. Para John Ruggie, um regime internacional é “um conjunto de mútuas expectativas, regras e regulamentações, planos, energias organizacionais e compromissos financeiros, os quais foram aceitos por um grupo de Estados. ” Outra definição, encontrada no livro de Stephen Krasner: “conjunto de acordos com normas, princípios, regras e procedimentos implícitos ou explícitos sob os quais as expectativas dos atores internacionais convergem em uma determinada área das Relações Internacionais, ou seja, acordos específicos caracterizados por um arcabouço jurídico capaz de controlar determinada área das Relações Internacionais.
No livro “After Hegemony” entendemos normas como padrões de comportamentos definidos em termos de direito e obrigações. As normas guiam o comportamento dos membros do regime, para que suas ações estejam em conformidade com as convicções e princípios do regime. Princípios são crenças em fatos, causas e questões morais. Regras são mais específicas que normas: elas indicam em mais detalhes os direitos e obrigações específicas dos membros. O procedimento de tomada de decisão é uma prática dominante ou eficaz cujo objetivo é implementar a vontade coletiva. Em suma, o conceito de regimes internacionais é definido por esses quatro componentes: princípios, normas, regras e procedimento de tomada de decisão. É a ligação entre esses componentes que legitima os regimes. Esses quatro fatores contêm determinações sobre comportamento, eles impõem obrigações, mesmo que algumas não sejam exequíveis através de um sistema hierárquico legal.
Os regimes internacionais podem ser correspondentes aos limites das áreas temáticas, desde que os governos estabeleçam regimes para lidar com os problemas que eles consideram ligados e que deveriam ser tratados juntos. Áreas temáticas são um conjunto de questões tratadas em negociações comuns e estreitamente coordenadas.
Para Keohane, é importante compreendermos o conceito de institucionalização. A institucionalização é definida como regras estabelecidas, normas, convenções, reconhecimento diplomático, governados por entendimentos formais ou não-formais. Grande parte do comportamento dos Estados é ditada pelo grau de institucionalização no relacionamento entre eles. A habilidade dos Estados de se comunicar e cooperar depende da construção de instituições que podem variar em termos de suas naturezas e força. Isso não implica dizer que os Estados ignorem o poder ou a riqueza uns dos outros, mas que suas ações dependerão dos arranjos institucionais presentes que podem afetar:o fluxo de informações e a oportunidade de negociar; a habilidade dos governos de monitorar os compromissos assumidos pelos outros países; e a expectativa sobre a solidez dos acordos internacionais.
O Neoliberalismo está preocupado em investigar como as instituições afetam o comportamento dos Estados e, para isso, assume as seguintes premissas:
1.    Os atores devem ter interesses em comum para poder cooperar, ou seja, eles devem perceber que têm algo a ganhar com a cooperação.
2.    O grau de institucionalização exerce grande influência sobre o comportamento dos Estados. Quando o grau de institucionalização é baixo, existe pouco interesse em comum entre os Estados e as premissas dos realistas dominam. Quando o grau de institucionalização é alto, que é a situação que temos hoje, verifica-se nos interesses mútuos ou compartilhados os benefícios da cooperação. Reduz-se a incerteza, contribuindo para uma maior confiabilidade entre os Estados.

ANÁLISE CRÍTICA
Os neoliberais, incluindo Keohane, atribuem importância central às instituições e aos regimes internacionais como catalisadores da cooperação internacional e mitigadores dos efeitos da anarquia internacional. As instituições internacionais têm um papel fundamental em prover um canal de incentivo à cooperação. Avaliar a probabilidade de ocorrência de cooperação internacional está fundamentalmente ligada à construção de instituições e regimes internacionais.
A medida que os Estados decidem cooperar, eles procuram construir instituições, como o FMI, a OTAN, o GATT e estas tiveram e têm um importante papel na construção de um diálogo e de relações pacíficas entre os países. Instituições, segundo Keohane, são um grupo de regras (formais ou informais) persistentemente conectadas, que prescrevem o comportamento, constrangem atividades e definem expectativas. Os princípios dos regimes ou instituições definem os propósitos que seus membros em geral esperam seguir. As normas do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), hoje a OMC, não obriga os seus membros a aderir imediatamente ao livre-comércio e, sim, determina que os membros pratiquem a reciprocidade e a não-discriminação, para ir em direção a liberalização.
A OMC (Organização Mundial do Comércio) é um exemplo de que a cooperação funciona e que a teoria neoinstitucionalista é relevante. A origem da OMC é o GATT, já citado anteriormente, que foi um acordo assinado em 1947 e responsável pela criação e gerenciamento das regras do sistema multilateral de comércio. No âmbito do GATT, foram realizadas oito rodadas de negociações comerciais, que tiveram por objetivo promover a progressiva redução de tarifas e outras barreiras ao comércio. A oitava rodada, conhecida como Rodada Uruguai, culminou com a criação de OMC. O objetivo da Organização é: estabelecer um marco institucional comum para regular as relações comerciais entre os diversos membros que a compõem, estabelecer um mecanismo de solução pacífica das controvérsias comerciais, tendo como base os acordos comerciais atualmente em vigor, e criar um ambiente que permita a negociação de novos acordos comerciais entre os membros.
Atualmente, a OMC coordena a Rodada de Doha, que teve início em 2001 e ainda não terminou. Com a participação de 149 países (inclusive o Brasil) esta rodada tem como objetivo principal a diminuição das barreiras comerciais e do protecionismo comercial no mundo, focando o livre comércio para as nações em processo de desenvolvimento econômico. A OMC consegue afetar os custos das alternativas dos países, como por exemplo, a certeza de punição, caso um de seus países membros aumente aleatoriamente suas tarifas alfandegárias, e isso legitima a Organização.
Após a Segunda Guerra Mundial, o cenário político mundial era trágico. A Alemanha estava arrasada, a política e economia da Europa em crise e o Japão estava completamente destruído. Os Estados Unidos que já despontavam como potência dominante, sabiam que os acordos bilaterais por si só não seriam suficientes e nem possíveis, por isso, assumiram então a liderança da liberalização multilateral do comércio. Apesar de originalmente ter sido um instrumento de imposição da hegemonia americana no Ocidente, o acordo foi importante para o incremento das relações comerciais entre os países.
O amplo consenso em termos dos benefícios do comércio é marcado por uma considerável harmonia, a qual resulta mais do consenso ideológico e dos bons resultados econômicos da época do que de uma imposição hegemônica estadunidense. Apesar de, por um período, os interesses mudarem devido a decadência do poder relativo americano decorrente do crescimento europeu e da entrada dos novos membros, houve resistência dos princípios e normas, mesmo que, talvez, apenas momentaneamente deformados. Os regimes, porém, persistem com suas identidades originais e por isso se mostram eficazes.
Na oitava e última rodada do GATT, a Rodada Uruguai, economias intermediárias, passaram a observar as negociações no GATT como um âmbito para o exercício de posturas protecionistas, pois esperavam por uma melhora da situação econômica internacional, ou garantir um ritmo de reformas que fosse compatível com a estabilidade política.
       Em relação a liberalização, houve choque de interesses. Os interesses dos Estados Unidos e da União Europeia não estavam perfeitamente alinhados a respeito da profundidade da liberalização. Umas poucas economias abertas, dentre as quais a americana, preferiam um acordo vigoroso que, desde o princípio, impusesse obrigações vinculantes em todos os setores. Outros preferiam deveres mais leves, particularmente a respeito do tratamento nacional, que os europeus queriam restringir a alguns setores, o que não era sequer admitido por alguns países emergentes. Por fim, prevaleceu a opção mais moderada: câmbio da aceitação da definição dos serviços em quatro categorias e da possibilidade de discutir certas medidas não-discriminatórias, consagrou-se o caráter setorial do tratamento nacional. Em um outro acordo, denominado Trips, também houveram desentendimentos. Contudo, através de barganhas cruzadas foi possível chegar a bom termo as negociações. Desse modo, podemos ver a importância da possibilidade de negociação vinculada a âmbitos materiais para possibilitar a cooperação, que já havia sido prevista por Keohane.
        Com base nesses exemplos, vemos que a Organização, que conta com quase 70 anos de existência, se mostrou flexível e capaz de lidar com questões complexas e manter sua identidade ao mesmo tempo em que se transforma, direcionada pelos realinhamentos de poder e interesses.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://www.suapesquisa.com/economia/omc.htm
COSTA, José Augusto Fontoura. GATT à OMC: A Perspectiva Neoliberal Institucionalista.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais.
KEOHANE, Robert. After Hegemony (capítulo 4).

* Barbara T. Metzner: aluna do 3 período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 


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