* Barbara T. Metzner
Neste trabalho, procuro explicar a Teoria Neoliberal
Institucionalista, e, através dela, comprovar a eficácia da Organização Mundial
do Comércio. Para essa teoria, os Estados seguem sendo os principais atores das
relações internacionais, além disso, o sistema internacional é considerado
descentralizado, ou seja, todos são iguais entre si e ninguém tem de obedecer a
ninguém (anarquia). Partindo dessa ideia, Robert O. Keohane, em seu livro
“After Hegemony”, aborda a teoria neoliberal institucional, no qual caracteriza
o sistema internacional como uma cooperação sem hegemonia, que seria buscada
pelos Estados a fim de evitar a discórdia e os conflitos.
A questão central do livro é a cooperação depois da
hegemonia, que é definida como um processo pelo qual as atuais políticas
seguidas pelos governos são consideradas pelos seus parceiros como
facilitadoras à realização de seus objetivos, como resultado da coordenação
política. No entanto, o autor relata que isso leva a uma tensão crucial entre a
economia e a política: a coordenação de políticas internacionais parece
altamente benéfica em um mundo economicamente interdependente, mas a cooperação
na política mundial é particularmente difícil. O autor argumenta que na
ausência de cooperação, os governos iriam interferir no mercado internacional
unilateralmente na busca dos seus próprios interesses. Eles iriam intervir nos
mercados de câmbio, impor restrições nas importações, subsidiar as indústrias
nacionais e taxar preços para os commodities como o petróleo, o que não levaria
a um bom resultado.
Keohane considera as dificuldades que existem para coordenar
a política sem uma hegemonia, contudo defende que a cooperação sem hegemonia é
possível e pode ser facilitada por regimes internacionais. Quando interesses em
comum são suficientemente importantes e condições chaves se encontram, a
cooperação pode surgir e os regimes podem ser criados sem uma hegemonia. A
teoria neoinstitucionalista só é relevante no sistema internacional quando os
atores têm algum interesse mútuo. Apesar do sistema internacional ser
anárquico, os Estados têm interesses complementares, onde certas formas de cooperação
podem ser potencialmente benéficas. Contudo, isso não significa que a criação de
regimes é fácil e nem que os atuais regimes econômicos internacionais surgiram
dessa forma. O argumento é que os regimes internacionais são mais fáceis de
manter do que de criar.
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
A cooperação precisa ser distinguida de harmonia pois não
são idênticas e não devem ser confundidas, segundo o autor. Harmonia refere-se
à situação na qual as políticas dos atores (que perseguem seus próprios
interesses, independentemente dos interesses dos outros) automaticamente
facilitam a realização do objetivo dos outros. Essa é a clássica situação
econômica, descrita como o equilíbrio de mercado de oferta e procura,
estimulado pela mão invisível, ou seja, a busca do interesse de cada um
contribui para alcançar os interesses de todos. A busca pelo próprio interesse
não atrapalha as ações dos outros. Dessa forma, se existe harmonia, a
cooperação não é necessária.
A cooperação requer que ações de indivíduos ou organizações
– que não estejam em harmonia – sejam trazidas para alguma conformidade por um
processo de negociação, que é visto como um processo de “coordenação de
políticas” (policy coordinations). A cooperação acontece quando os atores
ajustam os seus comportamentos às reais ou previstas preferências dos outros,
através do processo de coordenação de políticas.
Com base nessas afirmações, podemos distinguir cooperação,
harmonia e discórdia. Se a política do ator automaticamente facilita a
realização dos objetivos dos outros, sem que nenhum ajuste precise ser feito, é
harmonia, que é rara no mundo político. Em outro caso, se os atores não estão
fazendo nenhuma tentativa para ajustar suas políticas aos objetivos dos outros
atores, o resultado é a discórdia. A discórdia acontece quando a política de um
país se torna um obstáculo para realizar seus objetivos. A discórdia geralmente
leva a esforços para induzir os outros a mudarem suas políticas. Se os ajustes
solicitados encontrarem resistência por parte do outro país, então haverá
conflito de políticas. Porém, se os ajustes políticos tiverem sucesso, segue a
cooperação. Apesar de a negociação e a barganha geralmente serem utilizadas na
cooperação, elas não são obrigatórias. Cada Estado procura por seus próprios interesses,
mas também busca por barganhas que beneficiem todas as partes, mesmo que de
forma desigual.
A harmonia independe de política e comunicação.
Diferentemente, a cooperação depende muito da política, pois os padrões de
comportamento precisam ser alterados. Infelizmente, estudos sobre crises
internacionais e estudos sobre a teoria dos jogos mostram que estratégias que
envolvem ameaças e punições são mais efetivas para alcançar resultados na
cooperação do que aqueles que confiam apenas na persuasão e na força do bom
exemplo.
Cooperação não significa ausência de conflitos, mas sim a
reação ao conflito ou potencial conflito e reflete os esforços para
superá-lo. A discórdia geralmente
prevalece nas questões comerciais, ela tende a predominar sobre a harmonia como
resultado inicial da ação governamental independente. Por isso, com a
finalidade de reduzir os conflitos que poderiam surgir, os governos entram em
negociações internacionais. Na política mundial, a harmonia tende a
desaparecer: a realização dos ganhos da busca de políticas complementares
depende da cooperação.
O incentivo a cooperação aumenta justamente quando existe
uma ligação de assuntos e interesses entre os Estados, ou seja, os Estados
podem, por exemplo, cruzar suas agendas econômicas com a política. Um exemplo
disso foi a entrada no Brasil na Segunda Guerra Mundial no lado aliado em troca
de benefícios econômicos através da ajuda norte-americana. Outra situação
acontece quando os interesses domésticos facilitam a negociação e por isso os
Estados buscam levar o tema como prioritário nas negociações internacionais.
Temos como exemplo aqui o Brasil que tem suas posições dentro das negociações
com a Alca, EU e OMC impulsionadas pelo fator agricultura, que é
consensualmente uma agenda importante no país. Outra circunstância facilitadora
da cooperação é quando os países já são aliados militares. A estratégia de
reciprocidade (Tit for Tat) também tende a facilitar a cooperação.
No capítulo 4 de seu livro, Keohane fala da forma que
devemos analisar a cooperação. Ele procura entender os padrões de cooperação na
economia política mundial. Para o autor, precisamos analisar a cooperação
dentro do contexto das instituições internacionais em termos de práticas e
expectativas. Qualquer ato de cooperação ou aparente cooperação precisa ser
interpretado dentro do contexto de ações relacionadas, expectativas
prevalecentes e crenças compartilhadas, antes que seu significado possa ser
entendido.
O conceito de regimes internacionais nos habilita a
descrever os padrões de cooperação. Embora os regimes dependam de condições que
sejam propícias a acordos entre Estados, eles podem facilitar os esforços de
coordenação política. Para John Ruggie, um regime internacional é “um conjunto
de mútuas expectativas, regras e regulamentações, planos, energias
organizacionais e compromissos financeiros, os quais foram aceitos por um grupo
de Estados. ” Outra definição, encontrada no livro de Stephen Krasner: “conjunto
de acordos com normas, princípios, regras e procedimentos implícitos ou
explícitos sob os quais as expectativas dos atores internacionais convergem em
uma determinada área das Relações Internacionais, ou seja, acordos específicos
caracterizados por um arcabouço jurídico capaz de controlar determinada área
das Relações Internacionais.
No livro “After Hegemony” entendemos normas como
padrões de comportamentos definidos em termos de direito e obrigações. As
normas guiam o comportamento dos membros do regime, para que suas ações estejam
em conformidade com as convicções e princípios do regime. Princípios são
crenças em fatos, causas e questões morais. Regras são mais específicas
que normas: elas indicam em mais detalhes os direitos e obrigações específicas
dos membros. O procedimento de tomada de decisão é uma prática dominante
ou eficaz cujo objetivo é implementar a vontade coletiva. Em suma, o conceito
de regimes internacionais é definido por esses quatro componentes: princípios,
normas, regras e procedimento de tomada de decisão. É a ligação entre esses
componentes que legitima os regimes. Esses quatro fatores contêm determinações
sobre comportamento, eles impõem obrigações, mesmo que algumas não sejam
exequíveis através de um sistema hierárquico legal.
Os regimes internacionais podem ser correspondentes aos
limites das áreas temáticas, desde que os governos estabeleçam regimes para
lidar com os problemas que eles consideram ligados e que deveriam ser tratados
juntos. Áreas temáticas são um conjunto de questões tratadas em negociações
comuns e estreitamente coordenadas.
Para Keohane, é importante compreendermos o conceito de
institucionalização. A institucionalização é definida como regras
estabelecidas, normas, convenções, reconhecimento diplomático, governados por
entendimentos formais ou não-formais. Grande parte do comportamento dos Estados
é ditada pelo grau de institucionalização no relacionamento entre eles. A
habilidade dos Estados de se comunicar e cooperar depende da construção de
instituições que podem variar em termos de suas naturezas e força. Isso não
implica dizer que os Estados ignorem o poder ou a riqueza uns dos outros, mas
que suas ações dependerão dos arranjos institucionais presentes que podem
afetar:o fluxo de informações e a oportunidade de negociar; a habilidade dos governos de monitorar os compromissos assumidos pelos outros países; e a expectativa sobre a solidez dos acordos internacionais.
O Neoliberalismo está preocupado em investigar como as instituições afetam o comportamento dos Estados e, para isso, assume as seguintes premissas:
O Neoliberalismo está preocupado em investigar como as instituições afetam o comportamento dos Estados e, para isso, assume as seguintes premissas:
1.
Os atores devem ter interesses em comum para poder cooperar,
ou seja, eles devem perceber que têm algo a ganhar com a cooperação.
2.
O grau de institucionalização exerce grande influência sobre
o comportamento dos Estados. Quando o grau de institucionalização é baixo,
existe pouco interesse em comum entre os Estados e as premissas dos realistas
dominam. Quando o grau de institucionalização é alto, que é a situação que
temos hoje, verifica-se nos interesses mútuos ou compartilhados os benefícios
da cooperação. Reduz-se a incerteza, contribuindo para uma maior confiabilidade
entre os Estados.
ANÁLISE CRÍTICA
Os neoliberais, incluindo Keohane, atribuem importância
central às instituições e aos regimes internacionais como catalisadores da
cooperação internacional e mitigadores dos efeitos da anarquia internacional.
As instituições internacionais têm um papel fundamental em prover um canal de
incentivo à cooperação. Avaliar a probabilidade de ocorrência de cooperação
internacional está fundamentalmente ligada à construção de instituições e
regimes internacionais.
A medida que os Estados decidem cooperar, eles procuram
construir instituições, como o FMI, a OTAN, o GATT e estas tiveram e têm um
importante papel na construção de um diálogo e de relações pacíficas entre os
países. Instituições, segundo Keohane, são um grupo de regras (formais ou
informais) persistentemente conectadas, que prescrevem o comportamento,
constrangem atividades e definem expectativas. Os princípios dos regimes ou
instituições definem os propósitos que seus membros em geral esperam seguir. As
normas do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), hoje a OMC, não obriga
os seus membros a aderir imediatamente ao livre-comércio e, sim, determina que
os membros pratiquem a reciprocidade e a não-discriminação, para ir em direção
a liberalização.
A OMC (Organização Mundial do Comércio) é um exemplo de que
a cooperação funciona e que a teoria neoinstitucionalista é relevante. A origem
da OMC é o GATT, já citado anteriormente, que foi um acordo assinado em 1947 e
responsável pela criação e gerenciamento das
regras do sistema multilateral de comércio. No
âmbito do GATT, foram realizadas oito rodadas de negociações comerciais, que
tiveram por objetivo promover a progressiva redução de tarifas e outras
barreiras ao comércio. A oitava rodada, conhecida como Rodada Uruguai, culminou
com a criação de OMC. O objetivo da Organização é: estabelecer um marco
institucional comum para regular as relações comerciais entre os diversos
membros que a compõem, estabelecer um mecanismo de solução pacífica das
controvérsias comerciais, tendo como base os acordos comerciais atualmente em
vigor, e criar um ambiente que permita a negociação de novos acordos comerciais
entre os membros.
Atualmente, a OMC coordena a Rodada de Doha, que teve início
em 2001 e ainda não terminou. Com a participação de 149 países (inclusive o
Brasil) esta rodada tem como objetivo principal a diminuição das barreiras
comerciais e do protecionismo comercial no mundo, focando o livre comércio para
as nações em processo de desenvolvimento econômico. A OMC consegue afetar os
custos das alternativas dos países, como por exemplo, a certeza de punição,
caso um de seus países membros aumente aleatoriamente suas tarifas
alfandegárias, e isso legitima a Organização.
Após a Segunda Guerra Mundial, o cenário político
mundial era trágico. A Alemanha estava arrasada, a política e economia da
Europa em crise e o Japão estava completamente destruído. Os Estados Unidos que
já despontavam como potência dominante, sabiam que os acordos bilaterais por si
só não seriam suficientes e nem possíveis, por isso, assumiram então a
liderança da liberalização multilateral do comércio. Apesar de originalmente
ter sido um instrumento de imposição da hegemonia americana no Ocidente, o
acordo foi importante para o incremento das relações comerciais entre os
países.
O amplo consenso em termos dos benefícios do comércio
é marcado por uma considerável harmonia, a qual resulta mais do consenso
ideológico e dos bons resultados econômicos da época do que de uma imposição
hegemônica estadunidense. Apesar de, por um período, os interesses mudarem
devido a decadência do poder relativo americano decorrente do crescimento
europeu e da entrada dos novos membros, houve resistência dos princípios e
normas, mesmo que, talvez, apenas momentaneamente deformados. Os regimes,
porém, persistem com suas identidades originais e por isso se mostram eficazes.
Na oitava e última rodada do GATT, a Rodada Uruguai,
economias intermediárias, passaram a observar as negociações no GATT como um
âmbito para o exercício de posturas protecionistas, pois esperavam por uma
melhora da situação econômica internacional, ou garantir um ritmo de reformas
que fosse compatível com a estabilidade política.
Em relação a liberalização, houve choque de
interesses. Os interesses dos Estados Unidos e da União Europeia não estavam
perfeitamente alinhados a respeito da profundidade da liberalização. Umas
poucas economias abertas, dentre as quais a americana, preferiam um acordo
vigoroso que, desde o princípio, impusesse obrigações vinculantes em todos os
setores. Outros preferiam deveres mais leves, particularmente a respeito do
tratamento nacional, que os europeus queriam restringir a alguns setores, o que
não era sequer admitido por alguns países emergentes. Por fim, prevaleceu a
opção mais moderada: câmbio da aceitação da definição dos serviços em quatro
categorias e da possibilidade de discutir certas medidas não-discriminatórias,
consagrou-se o caráter setorial do tratamento nacional. Em um outro acordo,
denominado Trips, também houveram desentendimentos. Contudo, através de
barganhas cruzadas foi possível chegar a bom termo as negociações. Desse modo,
podemos ver a importância da possibilidade de negociação vinculada a âmbitos
materiais para possibilitar a cooperação, que já havia sido prevista por
Keohane.
Com base nesses exemplos, vemos que a Organização,
que conta com quase 70 anos de existência, se mostrou flexível e capaz de lidar
com questões complexas e manter sua identidade ao mesmo tempo em que se
transforma, direcionada pelos realinhamentos de poder e interesses.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
http://www.suapesquisa.com/economia/omc.htm
COSTA, José Augusto Fontoura. GATT à OMC: A Perspectiva Neoliberal Institucionalista.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais.
KEOHANE, Robert. After Hegemony (capítulo 4).
KEOHANE, Robert. After Hegemony (capítulo 4).
* Barbara T. Metzner: aluna do 3 período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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