A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
O efeito das redes sociais virtuais no fortalecimento do feminismo islâmico
Luiz Silveira*
Mesmo
dentro de sistemas de opressão causados pela estrutura patriarcal das
sociedades ocidentais ao longo da história, sempre houve mulheres que se
rebelaram contra condições de opressão. No Ocidente, a primeira onda do
feminismo surge ao final do séc. XIX, com as sufragistas inglesas, que lutaram
pelo direito ao voto. O que muita gente não sabe, é que no início do século XX
as mulheres muçulmanas já se organizavam para lutar por seus direitos. Nesse
sentido, os meios de comunicação social foram imprescindíveis para a propagação
e aproximação dos movimentos feministas no Médio Oriente.
É
importante clarificar a denominação de “feminismo islâmico”. Esse movimento não
é apenas uma mobilização ou organização feminista surgida no meio islâmico: é
um movimento que se autodefine por delinear a vida em sociedade através da
ideia de comunidade muçulmana, chamada de Ummah,
como um espaço de convivência entre homens e mulheres. Desse ponto de vista, os
esforços desses grupos feministas se dão em reinterpretar as escrituras sagradas
a partir de uma perspectiva antipatriarcal.
A
paquistanesa Asma Barlas, em seu livro Acreditando em mulheres no Islã: deslendo
interpretações patriciais do Corão (Believing women in Islam: unreading
patriarcal interpretations of the Qur’na, no original em inglês), publicado em 2002 e sem tradução prevista
para o português, afirma que o patriarcalismo no mundo islâmico é uma
construção social e cultural, vinda da imagem do homem como reflexo do profeta
e também de uma política sexual que prioriza os homens. Desta forma, estas
interpretações se tratariam de concepções humanas e não sagradas das escrituras.
Segundo as ativistas, passagens igualitárias são encontradas no Alcorão, mas
ignoradas na formulação da Jurisprudência Islâmica. Desse ponto de vista, os
movimentos feministas no Ocidente almejam a emancipação da mulher para uma
sociedade política igualitária, enquanto o feminismo islâmico acredita que essa
igualdade e a justiça entre gêneros reivindicada pelo movimento feminista já
esteja prevista nas premissas religiosas encontradas no Alcorão, ainda que
algumas de suas vontades sejam restritas.
Neste
caso, é importante também relembrar que as mulheres muçulmanas vivem em
sociedades nas quais as tradições, como foi dito, são inspiradas por
interpretações do Alcorão; e essas interpretações servem como base para
conceituar o papel das mulheres na sociedade, variando de um país para outro.
O
feminismo das mulheres muçulmanas, embora tenha florescido em outros países
islâmicos quase que no mesmo período, iniciou-se timidamente no Egito nos idos
de 1890, em publicações motivadas pelos costumes e hábitos secularistas
provenientes principalmente dos EUA e da França. Foi em 1920 que, como
movimento já estruturado, iniciam sua luta pelos direitos da mulher e
principalmente pela ruptura do caráter androcentrista da sociedade. Huda
Sha’rawi, ainda no Egito, emerge como líder feminista fundando em 1923 a União
das Feministas Egípcias (al-Ittihad al-Nisa'i
al-Misri), que tinha como sede a sua própria casa. O grupo de Huda foi
responsável pelo primeiro periódico de propagação de ideias feministas, chamado
A Egípcia, publicado em 1925.
Através da utilização dos meios de comunicação em massa, e
principalmente com o advento da internet, a propagação de ideias e o contato
entre as defensoras dos direitos das mulheres na sociedade islâmica apresentou um
contínuo crescimento. A internet tem sido usada como uma ferramenta que dá voz
as muçulmanas: elas fazem ouvir seus anseios por direitos equânimes e respeito,
além de funcionar como um eficiente instrumento de divulgação de suas ideias.
Em 2013, então com onze anos de idade, a iemenita Nada Al Ahdal
publicou um vídeo de dois minutos e meio no site YouTube protestando contra o casamento que seus pais haviam
arranjado para ela. Em apenas dois dias seu vídeo teve mais de 5,6 milhões de
acessos causando comoção e colocando em contato muçulmanas do mundo inteiro.
Esse episódio serviu para o fortalecimento do movimento demonstrando o fator de
união propiciado pela internet. Outro exemplo do uso das redes pelos movimentos
feministas islâmicos se deu no Egito, onde 75% dos smartphones pertencem a
pessoas do gênero masculino, que em 2010 o elevado número de blogueiras que já
denunciavam abusos e agressão, além de discutir sobre temas tabus dentro da
sociedade islâmica egípcia cresceu vertiginosamente.
O exemplo mais claro do uso das redes pelo movimento feminista
islâmico é o chamado World Hijab Day (WHD), comemorado no dia 1º de fevereiro.
Esse movimento defende o uso do hijab (véu
islâmico que cobre apenas os cabelos), se opondo ao preconceito ocidental
contra quem faz o uso do véu. Contando com participantes de mais de 140 países,
o movimento faz uma campanha que visa convencer as muçulmanas que não fazem uso
do véu e as não-muçulmanas a se cobrirem por um dia como uma forma de quebrar o
preconceito e entender o real significado da vestimenta. O WHD foi idealizado
por Nazma Khan, moradora de Nova Iorque que sofreu discriminação durante grande
parte de sua vida por fazer uso do hijab.
Através do projeto Khan pretende difundir a ideia do hijab como uma forma de expressar a fé da mulher islâmica, e não
símbolo de opressão da mulher. Devemos lembrar que, antes de seus direitos, as
mulheres muçulmanas defendem sua liberdade de prática de fé, que também é um
forte traço do ativismo feminista no seio do Islã.
Nesse
sentido, percebe-se o aumento dos movimentos com esse viés despontando através da
internet, já que encontram uma nova maneira de expandir suas ações. Uma vez que
as redes virtuais se tornaram o melhor mecanismo para disseminá-las na esfera pública,
os movimentos sociais passam a se reformular e adaptar o uso das plataformas e
benefícios surgidos com as redes de comunicação em larga escala. Em outras
palavras, a rede aparece como o instrumento que viabiliza exatamente essas duas
estratégias: circular e comunicar (DIAS, 1994, pag. 10).
A
internet impulsionou a propagação dos ideais feministas, especialmente porque
assegura a produção e divulgação de conteúdos das próprias ativistas, com
facilidade e amplitude na rede. Esse mecanismo é possível por, dentre outras
ferramentas, o papel das redes sociais e principalmente dos blogs, que hoje se
mostram como uma mídia alternativa a fazer frente dentro de uma sociedade
caracteristicamente patriarcal. Os blogs apresentam uma facilidade de manejo,
na publicação e uma rápida transmissão, que a partir daí fogem ao controle dos
meios dominantes. Desse modo, o feminismo no mundo islâmico não fica para trás
a partir dessa nova interação tecnológica.
É
notória a apropriação das novas tecnologias para a expansão e fortalecimento
dos ideais feministas no seio da sociedade islâmica, que sem essa participação
dos meios técnicos de rede não seriam possíveis as reflexões e mobilizações. A
virtualização do ativismo feminista islâmico encontrou um ambiente livre e
prático para o combate à organização social pautada em formulações machistas, e
que têm se mostrado um veículo eficiente em difusão de ideias e mostrando que é
possível, para aquelas que se sentem sozinhas e confusas, a prática da fé
islâmica e ao mesmo tempo reivindicar uma sociedade igualitária e livre de
opressão.
* Luiz Silveira é acadêmico do 7º Período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
excelente artigo demostrando a intersecção da realidade moderna frente ao Islã.
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