Páginas

terça-feira, 12 de abril de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: Protestos globais em rede e a internacionalização de uma ideia


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Protestos globais em rede e a internacionalização de uma ideia

Gustavo Queiroz*

Em 17 de dezembro de 2010, o vendedor ambulante de frutas Mouhamed Bouazizi colocou fogo no próprio corpo em protesto, cansado de ter que pagar propina a autoridades do governo tunisiano que frequentemente confiscavam suas mercadorias. Um vídeo de sua autoimolação foi postado no Youtube minutos depois. No dia seguinte, 5 mil pessoas compareceram ao seu enterro. Em um mês, milhares tomaram as ruas de Túnis em protesto contra o regime político vigente, alterando o lema religioso “O islã é a solução” pelo grito “A Tunísia é a solução”.
A revolta iniciada no país deu margem à eclosão de protestos no mundo árabe, identificados como Primavera Árabe (JOFFÉ, 2011) – em especial Líbia, Síria, Iêmen e Egito. As manifestações foram também à Europa, através de ocupações e greves gerais na Islândia, Espanha, Turquia, Ucrânia, Rússia e Inglaterra. Eclodiu no Chile, no Brasil e no México (CARNEIRO, 2012). Ainda os Estados Unidos foram diretamente influenciados pela Revolução Tunisiana e, em especial, pela ocupação da praça Tahrir, no Egito.
Entretanto, como as Relações Internacionais conseguem explicar a coincidência temporal destes protestos? Se os gritos individuais entoavam virtudes e valores próprios de cada país, o que faz destes movimentos mundiais? Como explicar que em julho de 2013, no momento em que brasileiros invadem as ruas de São Paulo, dois perfis turcos estiveram entre os dez mais influentes e ativos nos protestos via Twitter (Direm Gezi Parki e Recep Tayyip Erdoğam)?

Lutas locais, mas globais em sua natureza: o virtual e o urbano em espaços de autonomia

Segundo David Harvey (2012), isto ocorre em razão do fato de estas lutas serem locais, mas também globais em sua natureza. O compartilhamento de significados pela troca de informações – característica do processo de comunicação através das redes digitais – promoveu a construção conjunta de sentidos manifestados em sociedades culturalmente distintas (CASTELLS, 2012). É disseminando informações através das “redes autônomas de comunicação” que os atores influenciam os mecanismos de construção do poder e elaboram projetos pessoais através do compartilhamento de experiências. Isto significa que, ainda que em cada país os movimentos de protesto tenham assumido uma pauta específica, o ativismo nas redes promoveu uma sinergia de discursos, levando para as ruas a voz das redes sociais.
O fato é que as redes ampliam a área de intervenção territorial, o que faz dos movimentos, híbridos (CASTELLS, 2012). Esta cultura digital, liga o espaço virtual ao urbano por meio da comunicação. Para Manuel Castells (2012), os ocupantes usavam o espaço autônomo dos fluxos nas redes da internet para tornar simbólico o espaço dos lugares. Isto pois os ativistas digitais possuem autonomia, característica que importam ao espaço ocupado na rua. Esta é a nova roupagem dos movimentos sociais internacionais contemporâneos (RODRIGUES, 2013): “o espaço da autonomia é a nova forma espacial dos movimentos sociais em rede” (CASTELLS, 2012, p. 165).

A consciência coletiva como ferramenta intangível nas Relações Internacionais: sociedades distintas, discursos comuns
     De acordo com Rogério Haesbaert (2007, p. 32), as territorializações (a exemplo das ocupações de rua) manifestadas a partir da presença de redes podem se assumir em “territórios-rede multifuncionais, multi-gestionários e multi-identitários”. Segundo Doreen Massey (2000[1991], p. 184) a existência de diversas identidades compartilhadas em um território, permite um sentido extrovertido de lugar, “que inclui uma consciência de suas ligações com o mundo mais amplo, que integra de forma positiva o global e o local”.
É nessa relação em que as redes internacionais informais de comunicação promovem manifestações territoriais radicais: as ocupações. É o que Henrique Carneiro (2012, p.7) chama de “uma eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais de protestos com reivindicações peculiares em cada região, mas com formas de luta muito assemelhadas e consciência de solidariedade mútua”. Estes manifestantes se reconhecem pois compartilham uma consciência coletiva que não nega identidades individuais, mas que produzem símbolos comuns.
Deste modo, discursos e ações se aproximaram em todo o mundo. O slogan americano “Occupy all streets” (“Ocupe todas as ruas”, uma brincadeira com o lema anterior, “Occupy Wall Street” e que fazia referência ao centro financeiro de Nova York) era próximo do brasileiro “Vem pra rua”. Wall Street era a materialização de um signo que tratava da “ganância coorporativa”; ao mesmo tempo, no caso brasileiro em 2013, foi a “FIFA” assumiu este papel. Estas manifestações discursivas promovidas pelas redes aconteceram em todo o mundo. A exemplo dos cartazes dispostos na língua inglesa em países não falantes do idioma: a esperança era a de mandar uma mensagem não apenas para os nacionais, mas para o globo.
            A potência das redes permitiu ainda a criação de um movimento mundial intitulado “Unidos Pela Mudança Global”. Nos Estados Unidos, os acampamentos traziam nomes que remetiam aos protestos egípcio e espanhol. As cidades ao redor do mundo que acompanharam e promoveram o Occupy em lugares que nem mesmo existia uma rua chamada Wall Street é outro exemplo desta relação. O sujeito se percebe presente em uma realidade que extrapola seus limites nacionais (ZIZEK, 2012), ainda que manifeste em seu grito o nome do próprio país e demandas locais. É este sentimento que faz o manifestante manifestar pelo mundo, não somente pelo seu país.

A internacionalização de uma ideia
Estas “falas” são fruto do que Vladimir Safatle (2012, p. 45) chama de “internacionalização de uma ideia”. Por isso os espanhóis “indignados” que acamparam em Madri em 2011 cantavam “vamos fazer como em Tahrir”; os brasileiros diziam que “Acabou a mordomia, o Rio vai virar outra Turquia” (GUTIERREZ, 2014) e a hashtag #TomaLaCalle, dos espanhóis foi reutilizada no Peru, dois anos depois.
Nas palavras de Castells (2012, p. 11), “[n]inguém esperava. Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu”. Assim, estes espaços ocupados, aliados ao uso das redes sociais (entendidos como espaços de autonomia), produziram movimentos híbridos que se afirmavam em si mesmos. As redes possuem importante papel na disseminação informal de informação. Manifestam-se, aqui, novos recursos disponíveis aos atores das Relações Internacionais. A potência latente das redes digitais é ferramenta de empoderamento à população, que pode promover encontro, conhecimento, acesso e também securitização. Por fim, as redes possuem importante papel na promoção da transformação social.

REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. Ocupar Wall Street... e depois? In JINKINGS, Ivana (coord.). Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012.
CARNEIRO, Henrique. Apresentação – Rebeliões e ocupações de 2011. In JINKINGS, Ivana (coord.). Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012.
CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança. Movimentos sociais na era da internet. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
______.. The Rise of the Network Society. 2. ed. Chichester: Wiley-Blackwell, 2010. Disponível em: <https://deterritorialinvestigations.files.wordpress.com/2015/03/manuel_castells_the_rise_of_the_network_societybookfi-org.pdf>. Acesso em: 04 de março de 2016.
GRAHAN-FELSEN, Sam. Is Occupy Wall Street the Tumblr Revolution? The Daily Good, 2011. Disponível em <http://magazine.good.is/articles/is-occupy-wall-street-the-tumblr-revolution>. Acesso em: 04 de março de 2016.
GUTIÉRREZ, Bernardo. As revoltas em rede como uma nova arquitetura do protesto. Alegrar, Rio de Janeiro, n.12, 2013. Disponível em: <http://www.alegrar.com.br/revista12/pdf/as_revoltas_em_rede_gutierrez_alegrar12.pdf>. Acesso em: 03 de março de 2016.
HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 17, 2007.
HARVEY, David. Os rebeldes na rua: o Partido de Wall Street encontra sua nêmesis. Traduzido por João Alexandre Peschanski. In JINKINGS, Ivana (coord.). Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012.
JOFFE, George. A Primavera Árabe no Norte de África: origens e perspectivas de futuro. Relações Internacionais,  Lisboa ,  n. 30, jun.  2011 .   Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-91992011000200006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  05 de março de 2016.
MALINI, Fábio. A Batalha do Vinagre: por que o #protestoSP não teve uma, mas muitas hashtags. Labic, 2013. Disponível em: <http://www.labic.net/cartografia/a-batalha-do-vinagre-por-que-o-protestosp-nao-teve-uma-mas-muitas-hashtags/>. Acesso em: 04 de março de 2016.
MASSEY, Doreen. Um sentido global de lugar. In ARANTES, Antônio (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus Editora, 2000.
MAZZOTTE, Natália; NASCIMENTO, Liliane; BRUNO, Fernanda. #ProtestosRJ: Atores menores fazem a rede. MediaLab UFRJ, 2013. Disponível em: <https://medialabufrj.wordpress.com/category/cartografias/>. Acesso em: 04 de março de 2016.
ON MARKETING. O papel das redes sociais como fio condutor das manifestações no Brasil. On Marketing Digital, 18 jun. 2013. Disponível em: <http://www.onmarketing.digital/noticias/o-papel-das-redes-sociais-como-fio-condutor-das-manifestacoes-no-brasil/>. Acesso em 02 de março de 2016.
PERUZZO, Cicilia. Movimentos sociais, redes virtuais e mídia alternativa no junho em que “o gigante acordou”(?). Matrizes. São Paulo, ano 7, n. 2, 2013. Disponível em: <http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/viewFile/487/pdf>. Acesso em: 02 de março de 2016.
RAFFESTIN, Claude. O que é o território? In. ______. Por uma Geografia do Poder. 1 ed. São Paulo: Ática, 1993.
RODRIGUES, Adriana. Redes Sociais e manifestações: mediação e reconfiguração na esfera pública. In SOUSA, Cidoval; SOUZA, Arão (org.). Jornadas de Junho: Repercussões e leituras. Campina Grande: eduepb, 2013.
SAFATLE, Vladimir. Amar uma ideia. In JINKINGS, Ivana (coord.). Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012.
SAKAMOTO, Leonardo. Em São Paulo, o Facebook e o Twitter foram às ruas. In MARICATO, Ermínia ... [et al.]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.
ŽIŽEK, Slavoj. O violento silêncio de um novo começo. In JINKINGS, Ivana (coord.). Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012. 

* Gustavo Queiroz é Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), Graduando em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e atualmente cursa a Pós-Graduação em Gestão de Política, Programas e Projetos Sociais pela Pontifícia Univerisdade Católica do Paraná (PUC-PR).

Nenhum comentário:

Postar um comentário