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terça-feira, 29 de março de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: O Caso Apple-FBI e a relação entre vigilância e privacidade




A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

O Caso Apple-FBI e a relação entre vigilância e privacidade

Gustavo Glodes Blum*

Nos últimos dias, o Federal Bureau of Investigation (mais conhecido pela sua sigla em inglês, FBI), agência policial responsável pelas investigações de nível federal dos Estados Unidos da América, fez uma declaração relevante: havia se afastado de um processo que movia contra a megacorporação da tecnologia de comunicação, a Apple. Após cerca de seis meses de um contencioso que estava sendo julgado dentro do sistema jurídico dos EUA e liderado por promotores federais, o FBI decidiu extinguir o processo.
 A situação chamou atenção de todos aqueles que estavam acompanhando o caso. O que o FBI desejava, ao processar legalmente a Apple, era fazer com que a empresa desenvolvesse um código-mestre que permitisse o acesso a um de seus aparelhos iPhone, utilizados por um dos envolvidos no atentado terrorista que teve lugar em San Bernardino, na Califórnia.
Após prosseguir com as investigações que levaram até a moradia de um dos envolvidos, Syed Rizwan Farook, os policiais da agência encontraram um celular que parece pertencer aos envolvidos. Porém, devido à mudança de sistemas operacionais dos celulares da Apple, que ocorrem de maneira recorrente ao longo do tempo, encontraram um imprevisto: a nova atualização do sistema fazia com que a inserção errada de uma senha no sistema forçasse, na terceira tentativa sem sucesso, a eliminação total do conteúdo do celular.
Essa medida de segurança procura evitar que celulares roubados, ou extraviados, tenham seu conteúdo liberado para aqueles que passam a ter posse dos mesmos. Nesse caso, porém, o celular guarda, provavelmente, informações que o FBI considera de grande relevância para compreender o ataque que, tendo ocorrido em um centro de apoio social do governo federal na cidade de San Bernardino, deixou 14 pessoas mortas e 22 gravemente feridas em um tiroteio e uma tentativa de explosão de bomba. Segundo o FBI, o acesso às informações do celular é fundamental para verificar a rede de contato de Farook, assim como perceber se havia alguma ligação entre esse atentado e aqueles que estão sendo perpetrados nos últimos anos pelo Estado Islâmico/Daesh na Europa.
A extinção do processo por parte do FBI traz uma notícia que pode ser interpretada de várias maneiras. Ao sair do processo, o FBI indicou que havia conseguido quebrar o código de acesso do celular com o auxílio de uma outra parte, ainda desconhecida (embora se comente da participação de uma empresa especializada em análise forense sediada em Israel). Isso significaria que o Departamento de Justiça dos EUA não precisaria mais da ajuda da Apple para entrar em seus celulares, e realizar investigações ou ações de vigilância sobre os mesmos. Até agora, a Apple, junto com outras grandes empresas do ramo como o Google e a Amazon, eram contra este tipo de ação do governo americano, em razão da rastreabilidade dos dados dos usuários e o acesso indevido a informações protegidas. O simples ato de não querer mais forçar a Apple, através da ação judicial, a desenvolver esse código-mestre para acesso de qualquer celular, demonstra que o FBI já detém tecnologia que não necessita mais dos desenvolvedores dos mesmos para poder entrar nos dispositivos.
Para as Relações Internacionais, este é um debate muito sério a ser levado em conta. Entrando em consonância com as discussões a respeito da privacidade na Internet, demonstra que agora o FBI tem a capacidade de agir também de forma extraterritorial, ou seja, fora da sua jurisdição, e ter acesso a qualquer dispositivo da Apple ao qual pretenda ter acesso. Numa rede internacional de computadores onde cada vez mais colocamos informações, a relação entre vigilância e privacidade se torna cada vez mais tênue, sendo necessário o debate a respeito do tema e a compreensão desta nova forma de se fazer política.
A utilização cada vez maior de aparelhos de comunicação digitais, que utilizam informações virtuais para o seu funcionamento e para a sua funcionalidade, nos fazem refletir a respeito do uso das técnicas e seu efeito político. Como já indicado, o bloqueio e a posterior exclusão do conteúdo de um celular, caso roubado ou extraviado, é um desenvolvimento tecnológico que beneficia muitos dos usuários que se veem nessas situações. Porém, nesse caso em específico, o alcance da informação é apresentado como uma questão de segurança nacional por parte do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA. Em momento algum, a Apple evitou apoiar as investigações e a justiça na busca de informações desse caso. Porém, a abertura de um sistema desta maneira abre um precedente para que todos os dispositivos da empresa possam ser acessados talvez não apenas pelo FBI, mas também por outros que tenham intenções diversas com relação ao conteúdo destes mesmos dispositivos.
Assim, é possível perceber que um dos aspectos fundamentais do debate a respeito das redes no Sistema Internacional, esse conjunto que reúne não apenas Estados, mas também empresas, ONGs, Organizações Internacionais, cidadãos, grupos terroristas, traficantes e igrejas, para ser breve e correr o risco de esquecer alguém, é de fundamental importância para compreender a forma de realizar política. O próprio Daesh é conhecido pela sua habilidade em atuar através das redes de comunicação, para não falar de sua atuação em redes virtuais sociais como YouTube e Facebook. Uma rede mundial de computadores, que foi pensada para a integração da comunicação dentro dos governos, das empresas e das instituições de ensino superior, acaba sendo subvertida, utilizada para os mais diversos fins, e sendo alvo de controle e vigilância.
Ainda há que se verificar o futuro desfecho deste caso, e a maneira como as empresas de tecnologia responderão a essa ação do FBI. Porém, debater a liberdade de acesso, a manutenção da segurança nacional e trazer um balanço político do uso das redes no cenário internacional é um desafio que deve ser observado pelas RIs em seu escopo de análise cada vez mais abrangente. 

* Gustavo Glodes Blum é Internacionalista, formado Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). É Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e atua nas áreas de Geografia Política, Geopolítica e Política Internacional Contemporânea.

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