Páginas

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Debate-Questão Síria



                                    O líder sírio Bashar Al-Assad e o presidente russo Vladimir Putín



Resenha do debate ocorrido no último dia 13/09 no Mini-Auditório do UNICURITIBA sobre a crise síria

Por Sophia Zaia *

No dia 13 de setembro alunos e professores do curso de Relações Internacionais assistiram a um debatesobre a crise na Síria que contou com a presença dos Professores Andrew Traumann, George Sturaro e Thiago Assunção e a Professora Jannifer Zarpellon como mediadora. O conflito sírio foi analisadopelos Professoressob diferentes perspectivas e de acordo com a especialidade de cada um.

O Prof. Andrew explicou as origens históricas do conflito sírio que não é recente; o pai de Bashar al-Assad (atual presidente sírio), Hafez al-Assad, assumiu a presidência da Síria em 1971. O Presidente alauíta (seita do Xiismo, privilegiada durante o colonialismo francês), treinado na União Soviética, era partidário do nacionalismo e secularismo árabe e defensor do pan-arabismo. Hafez al-Assad foi também o Secretário Geral do partido Ba’ath na Síria, que possuía como lema a união, a liberdade, contra o imperialismo europeu, e o socialismo, em termos de governo e sociedade mais igualitários e distantes do imperialismo hegemônico dos Estados Unidos. A partir da década de 1980, o contexto de antiamericanismo se intensificou na Síria: o país passou a ter relações mais fortes com a União Soviética, principalmente durante a Guerra do Líbano. A guerra dos seis dias na Jordânia complicou ainda mais o cenário no Oriente Médio: houve um aumento no fundamentalismo islâmico e uma busca maior de soluções na própria religião islâmica ao passo que seus adeptos estavam cansados de importar ideologias ocidentais para as suas realidades. 
É nesse contexto que Hafez al-Assad reafirma seu poder dentro da Síria, após a tentativa fracassada da Irmandade Muçulmana (organização fundamentalista islâmica) em matar o presidente, e prepara a sua sucessão. Bashar al-Assad assume a presidência após a morte do pai, em junho de 2000,e implementa medidas (privatizações, bancos privados, abertura da imprensa, a internet) visando a abertura econômica do país, porém o quadro interno na Síria muda após o ataque às Torres Gêmeas,em Nova York em setembro de 2001, e o país é praticamente colocado no “eixo do mal” pelos Estados Unidos que acusou Bashar al-Assad de apoiar o terrorismo. A partir de então a situação política, econômica e social da Síria apenas se agrava; a pressão e embargo econômico impostos pelos Estados Unidos, além de secas que atingiram o território sírio e o aumento do êxodo rural e do desemprego contribuíram para a escalada da insatisfação popular e manifestações contra o governo de al-Assad, das quais foram intensificadas com a Primavera Árabe (2010). 

Acredita-se que grande parte dos rebeldes que lutam contra Bashar al-Assad pertecencem à organização fundamentalista islâmica, Al Qaeda, ou são mercenários e grupos guerrilheiros financiados pela Arábia Saudita. Do outro lado da guerra, a Síria e o Hezbollah (ambos Xiitas) são o eixo de resistência à hegemonia dos Estados Unidos. O Prof. Andrew argumenta que em meio a esse conflito, não é possível afirmar seguramente quem realizou o ataque químico, do dia 21 de agosto, nos arredores de Damasco. Poderia ter sido a resistência a fim de chamar a atenção dos Estados Unidos ou até mesmo o próprio Assad para mostrar sua força aos estadunidenses, indaga o Prof. Andrew. Uma peça, no entanto, é clara nesse quebra-cabeça: o papel e interesse dos Estados Unidos em desgastar tanto a Al Qaeda quanto o Irã.

O Prof. George, com enfoque em política internacional, explicou que há duas questões chaves quanto aos possíveis desdobramentos do conflito sírio: a primeira é a possibilidade de intervenção dos Estados Unidos no conflito e a segunda a proposta russa para a resolução do impasse criado quanto ao uso de armas químicas.Ação militar limitada por parte dos Estados Unidos, proposta pelo Presidente estadunidense, Barack Obama, incluiria a imposição de uma zona de exclusão aérea para a Síria, assim como, a destruição seletiva de alvos militares ou governamentais sírios, operações que se enquadrariam na intervenção estratégica que tem por objetivo a contenção ou a neutralização de uma ameaça. Essa retaliação limitada poderia evitar a criação de um precedente perigoso, ou seja, enviaria uma mensagem das consequências para aqueles que no futuro desejassem utilizar armas químicas dissuadindo, portanto, o uso dessas. Por outro lado, uma ação militar limitada provavelmente aumentaria o antiamericanismo na região devido ao risco tangível de haver mortes civis, assim como, a possibilidade de escalada e transbordamento do conflito perdendo-se o controle desse, explica o Prof. George. Se os Estados Unidos decidissem adotar uma “política de apaziguamento” na Síria, esses estariam preservando sua imagem internacional ao passo que uma retaliação limitada violaria Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas na qual a intervenção só é permitida no caso de legítima defesa. Em contrapartida, a escolha estadunidense em não intervir na Síria poderia emitir um sinal de que o uso de armas químicas é tolerável concedendo a oportunidade de essas serem utilizadas contra os Estados Unidos em um conflito. A “política de apaziguamento” comprometeria também a credibilidade dos Estados Unidos perante seus aliados regionais (Israel e Arábia Saudita), abalando, em longo prazo, a sua segurança e o seu sistema de alianças.

No que diz respeito à segunda questão, o Prof. George explicou que a proposta russa à Síria, em permitir o acesso de inspetores internacionais ao arsenal de armas químicas e o seu desmantelamento, é interessante e mudaria todo o cálculo estratégico dos Estados Unidos, pois esvaziaria a necessidade e o significado de uma intervenção por parte desses. No entanto, tal proposição deve vir apoiada por uma cláusula punitiva havendo a garantia de seu efetivo cumprimento, ou seja, se armas químicas forem encontradas e Assad não entregá-las, está permitida a intervenção estratégica dos Estados Unidos. Quanto ao papel da ONU (Organização das Nações Unidas), em sua Carta, a organização se compromete a proteger obrigatoriamente os direitos humanos internacionalmente. No entanto, de acordo com o Artigo 7º da Carta, a ONU não pode intervir em assuntos de jurisdição interna de Estados, salvo na hipótese de ameaça à paz internacional. Uma vez que o conflito ainda não constitui uma ameaça à paz internacional, pois não houve o seu transbordamento, iniciativas por parte das Nações Unidas ficam paralisadas, argumenta o Prof. George.


Com uma perspectiva em Direito Internacional e Direitos Humanos, o Prof. Thiago explicou que há uma ampla gama de interesses e sentimentos envolvidos por parte do governo e da sociedade estadunidenses em relação ao conflito sírio. O Professor colocou questões a serem refletidas, como: se o Presidente Obama era ferrenho opositor da Guerra no Iraque, por que propôs um ataque militar a Síria? Teriam os Estados Unidos a legitimidade para atuarem (novamente) como polícia do mundo? Estudos comprovam que a opinião pública dos Estados Unidos é totalmente contrária a uma intervenção armada na Síria, porém, ao mesmo tempo, a indústria bélica é um motor econômico para o país norte-americano e abrange grande parte da população, o que acaba novamente fragmentando posições acerca da situação. A Rússia por sua vez demonstrou seu descontentamento no Conselho de Segurança da ONU quanto à proposta de intervenção dos Estados Unidos; o Presidente russo, Vladimir Putin, defendeu que um ataque militar à Síria, mesmo sendo limitado, poderia reavivar e intensificar o antiamericanismo na região, sentimento que corre o risco de ser estendido em relação aos aliados dos Estados Unidos e até mesmo ao Conselho de Segurança. 

O Prof. Thiago aponta ainda que a proposta da Rússia para a crise é uma solução favorável por constituir-se em uma solução não-militar, porém se Barack Obama comprometer-se em não retaliar militarmente a Síria e fizer justamente o contrário, isso a implicará na perda de poder dos Estados Unidos. Caso uma intervenção militar venha a se concretizar, havendo simultaneamente o respeito ao Direito Internacional, poucas casualidades e a legitimação da própria intervenção, o conceito de segurança humana deve estar presente, no qual há a defesa dos direitos humanos e a consideração em primeiro lugar pelas populações envolvidas, divergindo do conceito clássico de segurança militar que, por sua vez, coloca em primeiro plano a segurança e sobrevivência individual dos Estados. O Prof. Thiago indaga ainda quanto à falta de coerência, do ponto de vista do Direito Internacional, por parte dos Estados Unidos e Israel em pressionarem a Síria a assinar o Chemical Weapons Convention (CWC-1993), sendo que Israel não é signatária da convenção e os Estados Unidos, por exemplo, causaram a morte de milhares de vietnamitas por armas químicas durante a Guerra do Vietnã. O mesmo professor argumenta ainda que enquanto o Conselho de Segurança vê seu processo decisório paralisado, impossibilitando qualquer avanço quanto a uma decisão para a crise na Síria, e as Nações Unidas são incapazes de conciliar diferenças e agir de forma realmente unida, tanto o governo de Bashar al-Assad como rebeldes continuam a cometer diariamente crimes contra a humanidade em território sírio levando a centenas de milhares de refugiados a países vizinhos.

*Sophia Zaia é aluna do oitavo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário