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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Elite como ator doméstico no desenvolvimento de guerras civis



Gisele Passaúra




Analisar as causas do surgimento de guerras civis, inicialmente já se apresenta como uma tarefa complexa pelo simples fato de não haver uma conceituação universalmente aceita dentro da literatura especializada. Não apenas isso, mas examinar um fenômeno de proporções tão dinâmicas caracteriza o estudo das guerras civis como um desafio a qualquer pesquisador.
Ao averiguar as causas para o surgimento de guerras civis, então, a literatura especializada tende a dividir-se em dois grandes leques teóricos: greed theory, entendido como as motivações econômicas e grievance theory, visto como motivador o descontentamento da população em vários níveis. A primeira evidencia o papel da escassez de recursos naturais para o surgimento das guerras civis e a segunda considera relevante o estudo da diversidade étnica ou religiosa, a organização política e as desigualdades econômicas.
As causas para a guerra civil são enumeradas em um nível populacional. Ou seja, como essa população se motiva e como se articula para o conflito. Todavia, as teorias existentes, com algumas exceções, falham ao não mencionar o papel das elites nessa equação. (LINDERMANN, 2010, p.4). Lindermann, então, especula que as desigualdades horizontais podem ser reflexos de disparidades dentro da própria elite. Para o autor, um maior entendimento do comportamento da elite política de um país é fundamental para compreender como a população articula-se para o conflito civil.
John e Putzel também chamam à atenção para o fato de que as elites políticas podem não ser homogêneas e que na verdade, apresentam-se engendradas em um arranjo político intrinsicamente ligado aos movimentos sociais. Os autores, então, destacam a importância das organizações políticas para a estabilidade dessa elite. (PUTZEL;JOHN, 2012 p.VI).
Para verificar como a elite se relaciona à guerra civil, Lindermann introduz os conceitos de “Exclusionary elite bargain” e “Inclusive elite bargain”. A primeira apresenta-se como uma coalizão de elites que falha ao estabilizar as agitações sociais existentes. Enquanto a segunda age no sentido oposto, ao conseguir amenizar as ebulições sociais que talvez possam haver. (LINDERMANN, 2010, p.5).
 O autor faz a análise através da verificação de como o poder é dividido dentro dessa elite e desenvolve seu exame a partir de quatro diferentes prismas, a saber: divisão do poder político, militar, econômico e territorial. O primeiro remete a como o acesso a posições políticas e administrativas de poder podem relacionar-se com a competição social dos grupos e como essa via pode ocasionar um reconhecimento ou status.
Um primeiro exame da divisão política do poder pode ser verificada investigando a composição do governo. Todavia, a pesquisa não deve ficar limitada aos chefes de governo, ministros e etc., mas também precisa ser incluída na análise as posições de liderança o que Lindermann chama de “inner core”
O aspecto militar apresenta-se como crucial na competição social dos grupos por moldar o sentimento de segurança e proteção dos mesmos.  Para verificar a homogeneidade da elite é fundamental examinar as principais lideranças no setor militar.
Já o viés econômico pode ser entendido como interesse material imediato na competição social dos grupos, no entanto, estabelecer a divisão econômica do poder não se apresenta assim tão evidente, já que os outros aspectos da divisão de poder também incluem o controle de recursos econômicos. Um possível modo de avaliar essa divisão do poder econômico talvez seja verificando o controle de importantes empresas estatais, dado que as mesmas, notadamente, são responsáveis pelas maiores taxas de lucros dentre as instituições públicas.
A divisão territorial, por sua vez, pode promover aos grupos sociais estabelecidos localmente certa autonomia para proteger seus interesses. Isso pode se apresentar como significante no que concerne a competição social de grupos, pois líderes podem enxergar essa situação como um compensador para a carência na divisão dos demais poderes.
Ao ponderar sobre os efeitos do arranjo das elites, os líderes excluídos podem, então, ter incentivos imediatos para mobilizar protestos e violência contra o Estado. ou seja, o desenvolvimento de guerras civis pode ter como causa a inabilidade ou falta de disposição do grupo político governante para conseguir suficientes graus de acomodação da elite.
Em síntese, para analisar o aparecimento de guerras civis é fundamental compreender em qual das duas vertentes a elite de determinado país se encontra, se a mesma é caracterizada como “Inclusive” ou “Exclusionary”.
Notadamente, ao se estudar as causas da guerra civil, a literatura especializada tende a focar-se na mobilização populacional. Entretanto, não necessariamente todas as causas podem ser explicadas tendo como foco o cidadão comum, sendo fundamental uma maior amplitude de pesquisa para examinar, também, o papel que a elite do país pode ter nessa equação.

Gisele Passaúra é Internacionalista pelo Centro Universitário Curitiba, e atualmente é pós-graduanda em Antropologia Cultural pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Global Swing States e o Brasil sob os holofotes da política externa americana – será?





O German Marshall Fund dos EUA e o CNAS, Center for a New American Security, publicaram em novembro de 2012 um relatório chamado “Global Swing States: Brazil, India, Indonesia and Turkey and the future of International Order”, escrito por Daniel M. Kliman e Richard Fontaine. O objetivo do relatório é oferecer uma análise de como os EUA podem desenvolver parcerias mais próximas desses países, oferecendo inclusive recomendações para ajustes na política externa no que lhes diz respeito, já que esses seriam Estados-chave na manutenção da ordem internacional.

O relatório deixa claro que não se trata de criar um G-4 ou qualquer outra denominação para um bloco de países, até porque esse países “raramente agem em conjunto” (p.6), mas diz respeito à sua posição estratégica no sistema internacional. Olhar para esses países sob um panorama comum serviria assim para orientar a política de Washington de forma estratégica, tornando-a o mais benéfica possível em lugar de focar apenas em acordos bilaterais.

Os principais componentes dessa estratégia são os seguintes:
1. Envolver-se em áreas em que esses países estão agindo e tomando responsabilidades;
2. Responder às demandas desses países por maior representação internacional;
3. Reforçar a sua capacidade de ação doméstica;
4. Aumentar os recursos e a atenção devidos a esses países, “correspondendo à sua importância estratégica” (p.6).

O termo “swing states”, emprestado das eleições americanas, é usado para se referir a estados que são definitivos na corrida presidencial e onde resultado final ainda é incerto, demandando, portanto, investimento. Aplicada em nível internacional, a chave é saber o quanto esses quatro Estados serão ou seriam capazes de defender a  atual ordem mundial, já que a sua orientação pode ser decisiva para a sustentação ou não da mesma.

Essa questão relativa à ordem mundial, aliás, dá um certo tom dramático ao relatório (particularmente no início): o sucesso dessa estratégia estaria ligado ao sucesso da manutenção da ordem internacional vigente, insinuando conseqüências desagradáveis caso essa ordem venha a cair (ecos do “Choque de Civilizações” de Huntington, talvez?).
Um dos autores, D.M. Kliman, fez questão de esclarecer em um seminário em Estocolmo, que não se trata de países que estejam oscilando entre a China e os EUA, mas sim oscilando entre um maior foco doméstico ou internacional em suas políticas. É inegável, ainda assim, que em vários momentos do relatório fique claro o desafio que a China representa, em determinadas áreas, para a ordem internacional que os EUA se propõem a defender. Ironicamente, os próprios EUA violam a tal ordem mundial em várias instâncias.


A “ordem mundial”

Antes de prosseguir, é importante esclarecer qual é o entendimento de “ordem mundial” apresentado no relatório. Essa ordem mundial seria basicamente a rede de instituições que sustenta o sistema internacional e garante sua segurança e prosperidade. É composta basicamente por cinco pilares:
1. Ordem comercial: reciprocidade e não-discriminação, ancorada na OMC;
2. Ordem financeira: focada na estabilidade monetária.  Ancorada no FMI e apoiada pelo Banco Mundial;
3. Ordem marítima: baseada na soberania territorial e liberdade de navegação. Compreensível, já que 80% do comércio mundial é feito por via marítima (Griffiths, H.; Jenks M.; Sipri, Policy Paper 32: Maritime Transport and Destabilizing Commodity Flows. Stockholm: January 2012, p.1). Deveria estar ancorada na UNCLOS, UN Convention on the Law of the Sea, mas vários países (incluindo os EUA) ainda não ratificaram a convenção;
4. Não-proliferação: ancorado no TNP, o Tratado de Não-Proliferação, e na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica);
5. Direitos Humanos: o quinto pilar estaria ancorado no “respeito às liberdades fundamentais e ao processo democrático” (p.8), em valores disseminados através de documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e incluiria o novo e ainda polêmico conceito da “Responsabilidade de proteger”.

Dentre os desafios para a permanência desta “ordem mundial”, o relatório destaca alguns como: a ascensão econômica da China e a pressão que ela exerce à ordem comercial, as negociações infrutíferas da rodada de Doha devido a objeções por parte de vários países, os desafios da nova pirataria na África e as demandas marítimas da Rússia no Ártico, o desafio nuclear do Irã e da Coreia do Norte, a crise da dívida de diversos países, a redução do número de governos democráticos depois de anos de ascensão, entre outros. A escolha, ou antes a identificação, dos “Swing States” está relacionada assim com critérios como tamanho, importância econômica, importância geopolítica e o fato de serem democracias consolidadas.


O Brasil como um “Global Swing State”

O relatório destaca e reconhece o desejo brasileiro por maior representação internacional como uma ambição legítima do país, mencionando a iniciativa em 2011 em que Brasil, Índia e África do Sul publicaram uma chamada a uma nova ordem mundial que fosse mais inclusiva e representativa da atual situação política e econômica mundial. Segundo o relatório, tal retórica seria “mais uma evidência do desejo brasileiro de ter um papel mais proeminente dentro do sistema existente – para si e para outros países emergentes – do que um interesse em buscar novas regras e disposições” (p.13).

É preciso reconhecer que a escola política brasileira é bastante respeitada no exterior, e o Brasil é conhecido por respeitar as regras do sistema internacional – o próprio relatório reconhece que o Brasil tem colocado obstáculos ao avanço chinês, por exemplo, usando meios permitidos dentro da OMC, e é um dos países que mais recorre ao sistema de solução de controvérsias. O país tem testemunhado  relativo crescimento econômico e o fortalecimento da democracia nos últimos anos (em termos gerais, evidentemente, uma vez que não se pode esquecer os escândalos de corrupção, toda a novela da Copa do Mundo etc). Essa evolução político-econômica tem aumentado sua representação e importância no âmbito internacional tanto graças à sua posição política e diplomática, ao servir como porta-voz e intermediário em saias-justas internacionais, por assim dizer, e financeira, como grande contribuinte em órgãos como o FMI, o Banco Mundial e outros. Resta saber como Brasília vai receber a iniciativa americana – que, admite-se, provavelmente desperta sentimentos dúbios entre os analistas brasileiros dependendo da sua orientação política e teórica.

É inegável, assim, que o conteúdo e a abordagem do relatório terão diferentes significados dependendo do ponto de vista do observador. Não é incomum que países da América Latina, o Brasil inclusive, vejam a si mesmos por vezes como vítimas do sistema internacional e de “abusos” sofridos pelas “potências”. Não cabe aqui discutir se esta percepção está ou não correta,  cabe talvez agarrar-se à oportunidade de influenciar e ganhar maior relevância no âmbito internacional. Ainda que possa parecer um tit-for-tat, uma vez que há interesses americanos em jogo, o Brasil pode ver nessa abertura uma oportunidade para negociar mais detalhes do papel que acredita poder assumir no âmbito internacional. Pode ser o que o momento oportuno para negociar questões importantes depois de passar anos preparando o terreno e ganhando em relevância. Por mais que os EUA não sejam o pólo mundial que a política americana e alguns estudiosos americanos às vezes os faz parecer ser, tampouco se pode ignorar o poder de influência dos EUA e a necessidade de se engajar esse país nas mudanças que se pretende para o sistema.

A inclusão de países antes considerados periféricos como foco de uma política que visa sustentar a ordem mundial já é por si só um reconhecimento de que existem mudanças acontecendo. Caberá a esses países manterem seus questionamentos e saberem não só negociar suas posições mas também tirar proveito da oportunidade do apoio político e financeiro que os EUA podem oferecer. A necessidade dos EUA de ter maior apoio desses Estados deixa-os na condição proverbial de ter “a faca e o queijo na mão” – resta não deixar nenhum deles cair.


Um resumo das recomendações do relatório

GERAL:
1. Representação em Instituições Internacionais
- Afirmar a necessidade de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, observando que um alargamento é desejável.
- Continuar pressionando pela implementação da mudança do sistema de votos e cotas aprovado pelo FMI em 2010, além de dar suporte a um reequilíbrio da governança do órgão para refletir a situação atual.

2. Atenção e recursos americanos
- Estabelecer reuniões mensais e trimestrais em diferentes níveis para avaliar o progresso que tem sido feito e mapear os próximos passos da política norte-americana para com esses quatro países.

BRASIL:
1. Ordem comercial:
- Trabalhar com o país para tratar de práticas comerciais injustas de empresas estatais.
- Buscar um acordo de livre comércio com o país.
- Reunir o Global Entrepreneurship Summit no Brasil em 2020.

2. Ordem financeira:
- Trabalhar em parceria com o Brasil para estabelecer um modelo para o desenvolvimento africano

3. Ordem marítima:
- Reduzir as barreiras existentes para a transferência de tecnologia militar para o Brasil, aumentar a frequência de exercícios navais conjuntos e explorar a iniciativa marítima regional.

4. Parcerias:
- Aumentar os orçamentos para educação militar internacional e treinamentos para o valor atual recebido pela Turquia (cerca de US$ 4 milhões).
- Apoiar uma associação que insira profissionais de política externa brasileiros nos escritórios do congresso americano.
- Criar um programa de bolsas de direitos humanos para jornalistas brasileiros.

5. Atenção e recursos americanos:
- Recursos adicionais apropriados para agências americanas que desejem aumentar suas relações com o Brasil.
- Aumentar a capacidade do governo americano de rastrear os investimentos em educação e treinamento em língua portuguesa e outras oportunidades educacionais relativas ao Brasil.
- Lançar um programa de imersão para oficiais americanos na política e economia brasileiras.
- Aumentar as delegações do Congresso para o Brasil.



O relatório pode ser obtido gratuitamente pelo site doGerman Marshall Fund of the United States ou pelo site do CNAS.
Daniel M. Kliman esteve em Estocolmo, no Utrikespolitiska Institutet, em 14 de janeiro de 2013 para divulgar e discutir o relatório.



Postado por Gabriela Prado, internacionalista formada pelo Unicuritiba em 2009, concluiu em 2012 o MSc International Business Negotiation pela École Supérieure du Commerce de Rennes. Atualmente mora em Estocolmo, é estagiária do Sipri (Stockholm Peace Research Institute) e membro do Utrikespolitiska Institutet (Swedish Institute of International Affairs).


sábado, 2 de fevereiro de 2013

Tuaregues,terroristas e colonialistas : a crise no Mali






                                                                    Rebeldes separatistas tuaregues

Por Andrew Patrick Traumann*

No último dia 9 de janeiro o presidente francês François Hollande ,atendendo a um pedido do presidente malinês Dionconda Traoré enviou tropas a ex-colônia francesa. Há uma guerra civil em andamento entre separatistas tuaregues e radicais islâmicos pelo controle do norte do país desde junho de 2012. Os tuaregues querem a  a criação de um novo país, Azawad ,palavra de difícil tradução,mas que seria mais conhecida no meio rural brasileiro como invernada, ou seja,o deslocamento sazonal de rebanhos para locais que ofereçam melhores condições de vida em  determinada  época do ano,reflexo do estilo de vida  nômade dos tuaregues. Já  os islâmicos,outrora seus aliados contra o governo central, prometem estabelecer uma versão ao estilo talibã da Sharia em todo o país.