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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

AS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O BRASIL


Por Ane Elise Brandalise Gonçalves*

        Apesar do ramo científico do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e mais especificamente, o tema do funcionamento do sistema interamericano de direitos humanos e o Brasil, ainda ser pouco conhecido pela população brasileira em geral, imprescindível descortinar qual o impacto das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no país.
        De tal modo, ver-se-á, ainda que sumariamente, quais os casos julgados pela Corte Interamericana como sentença definitiva. Nesse ponto, vale lembrar que tal órgão internacional também pode proferir decisões a título de Medidas Cautelares e Medidas Provisórias, nos casos de urgência (a exemplo, sobre o Brasil, do Caso Urso Branco, caso do complexo penitenciário do Tatuapé, entre outros), o que não será alvo de análise, uma vez que contam com sistemática diferenciada das decisões proferidas com status de sentença.
           De qualquer forma, antes de adentrar na análise casuística, deve estar a questionar o leitor: mas, afinal, o que são os tão aclamados e denominados direitos humanos? O que é a Corte Interamericana de Direitos Humanos?
           Pois bem, pode-se afirmar que há variadas ideias e correntes para conceituar direitos humanos, o que implica num dos desafios do estudo do ramo do Direito Internacional dos Direitos Humanos. De todo modo, elenca-se três principais correntes para definir o que seriam direitos humanos, veja-se:
1)    Direitos Humanos como direitos inatos a toda pessoa humana, independentemente de qualquer condição (raça, sexo, nacionalidade, condição social e econômica, etc).
2)    Direitos Humanos como aqueles direitos elencados nas Convenções Internacionais, especialmente tidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU em 1948.
3)    Direitos Humanos como representação, reconhecimento e promoção de valores éticos da dignidade humana.
Propugna-se aqui a utilização da terceira ideia de direitos humanos, como defendido por Perez Luño, uma vez que não se pode conceber a primeira idéia sob pena de se recair numa concepção tautológica e também porque utiliza-se aqui a corrente doutrinária que defende a existência de uma diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, uma vez que o termo “direitos humanos” teria um alcance mais amplo, encontrado em esfera supranacional (neste sentido, vide SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006), nem podendo se deixar levar pela segunda corrente, tendo em vista que os direitos humanos não se exaurem na normatividade jurídica internacional.
No mesmo sentido, não se pode recair na ideia banal de direitos humanos que a maior parte da sociedade brasileira possui: como direitos que expressem a injustiça, os direitos sociais, os sentimentos de indignação, etc. Em outras palavras: é preciso, pois, utilizar-se de termos científicos para tratar do tema, sem olvidar que tais direitos constituem uma “racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana” (FLORES, Joaquín Herrera. Direitos Humanos, Interculturalidade e Racionalidade de Resistência, Carlos Santiago Niño, The Ethics of Human Rights, Oxford, Clarendon Press, 1991).  
Indo mais além, tem-se que a proteção dos direitos humanos possui, basicamente, dois sistemas: um sistema geral, figurado pela ONU, e um sistema regional, representado pelo sistema europeu, pelo sistema interamericano e pelo sistema africano de direitos humanos.  
O sistema interamericano, ao seu turno, é composto principalmente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada CIDH e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, também chamada de Corte IDH. As sentenças definitivas ficam a cargo da Corte IDH, enquanto a CIDH, dentre outras funções (vide artigo 41 da Convenção Americana de Direitos Humanos), atua no encaminhamento de casos para julgamento da Corte IDH.  O principal instrumento normativo desse sistema é a Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica.
O Brasil ratificou o referido Pacto em 1992, tendo aceitado a competência da Corte IDH em 1998. No caso da República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito externo que responde perante a Corte IDH, cinco casos foram alvo de julgamento, sendo que desses cinco, quatro resultaram em condenações ao país.
O primeiro caso, julgado em 2006, foi o caso DAMIÃO XIMENES LOPES X BRASIL, emblemático em variados aspectos. Damião Ximenes Lopes, cearense, portador de transtorno mental, foi internado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral, Ceará, na data de 01/10/1999, e faleceu três dias depois, vítima de maus tratos e de tortura. A Corte IDH entendeu que o Brasil foi responsável pelas violações atinentes ao direito à vida, direito à integridade pessoal, garantias judiciais, proteção judicial e descumprimento da obrigação de respeitar os direitos humanos (respectivamente artigos 4º, 5º, 8º, 25 e 1.1. do Pacto de San José da Costa Rica), condenando-o à reparação, por danos morais e materiais, aos familiares da vítima e à vítima (de cujus); à conclusão de processos internos; ao aprimoramento de políticas públicas em saúde mental e à publicação ampla em imprensa oficial e jornal de ampla circulação da sentença proferida pela Corte.
No ano de 2006, em que foi proferida a sentença de mérito do caso Damião Ximenes Lopes, também a Corte IDH decidiu sobre outro caso envolvendo o Brasil, denominado caso NOGUEIRA DE CARVALHO X BRASIL, tendo como figura central a vítima Gilson Nogueira de Carvalho, advogado que atuava no Rio Grande do Norte em prol dos direitos humanos, morto por circunstâncias de seu trabalho. O processo foi arquivado pela Corte IDH por insuficiência de provas.
O terceiro caso é o denominado Caso ESCHER E OUTROS X BRASIL, julgado em 2009. Tal caso é de relevante importância aos paranaenses, uma vez que trata da quebra do sigilo de dados dos integrantes do MST, ADECON e COANA, da região do Estado do Paraná, comarca de Loanda. A Corte IDH entendeu que o Brasil violou os direitos personalíssimos garantidos nos artigos 11 e 16 do Pacto de San José em prejuízo às vítimas, além de ter violado os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, inscritos nos artigos 8.1 e 25 do mesmo instrumento normativo. Assim sendo, condenou o Estado Brasileiro à reparação das vítimas dentro do prazo de um ano, no valor de US$ 20.000,00 (vinte mil dólares), além de US$ 10.000,00 (dez mil dólares) a título de custas; à realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em face de violações de direitos humanos; à conclusão de processos internos e à publicação ampla em imprensa oficial e jornal de ampla circulação da sentença proferida pela Corte.
O próximo caso também envolve o Estado do Paraná e a luta por terras: é o caso SÉTIMO GARIBALDI X BRASIL, que conta a história da morte violenta do trabalhador rural Sétimo Garibaldi, ocorrida em 27/11/1998. A Corte IDH entendeu que o Brasil violou os direitos às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 8.1 e 25.1 do Pacto de San José. Obrigou o Estado Brasileiro a publicar os principais trechos da sentença em Diário Oficial e em jornal de ampla circulação, além da publicação em sítio oficial da rede mundial de computadores. Também condenou o Brasil a indenizar os familiares da vítima Sétimo Garibaldi, por danos materiais e morais, além das custas com o processo judicial.
Finalmente, o último caso, o mais polêmico de todos, é o caso GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) X BRASIL. Cuida-se, pois, do caso do desaparecimento de envolvidos da Guerrilha do Araguaia, ocorrido entre os anos de 1972 a 1974, dentre os quais Gomes Lund e outras tantas pessoas, tidas como presumivelmente mortas, em virtude da guerrilha ocorrida em Araguaia, no Pará.
A corte julgou no sentido do Brasil ser responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas, tendo violado direito humano à vida, à integridade física e à liberdade de pensamento e de expressão, além de ter violado as garantias judiciais previstas pelo Pacto de San José da Costa Rica.
Logo, a Corte condenou o Brasil a uma série de medidas de caráter reparatório, além de outras medidas de reabilitação, satisfação e garantias de não repetição. Também condenou o Brasil a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas, além de publicar a sentença proferida pelo Tribunal Internacional.
         Destarte, quatro “problemas” no Estado Brasileiro foram vislumbrados pela Corte IDH: (1) a saúde; (2) o tratamento dos profissionais que cuidam dos direitos humanos; (3) a questão da distribuição de terras – visualizada DUAS VEZES pela Corte IDH; (4) a questão da ditadura militar. Fica claro, pois, quais as questões que o Brasil ainda precisa enfrentar e discutir perante toda sua população.
Para saber com mais detalhes sobre os casos envolvendo o Brasil, acesse: http://www.corteidh.or.cr/pais.cfm?id_Pais=7.

*Ane Elise Brandalise Gonçalves é advogada e graduanda em relações internacionais na UNINTER.

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