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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Por que a posição da Turquia é complexa?


Andrew Traumann


Desde que o regimento da União Européia entrou em vigor no primeiro dia de 2002, contando com a participação de quase toda a Europa Ocidental, iniciou-se um debate acerca das condições políticas e econômicas dos países do leste de adentrar o seleto grupo. Com a chamada “grande adesão” de 2004, formada por Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Malta, Rep. Tcheca, Eslovênia e Eslováquia e a admissão, em 2007, de Bulgária, e Romênia, continuam em discussão os casos de Croácia, Macedônia e um grande enigma: a Turquia.
Para a Europa, aceitar a Turquia é extremamente complicado. Há vários argumentos contrários à sua entrada. Geograficamente, a Turquia, com apenas 3% de seu território em solo europeu, caracterizar-se-ia como um país asiático. Argumentam também os opositores da candidatura turca que seria sua economia subdesenvolvida. Porém, devemos nos lembrar que países com economia similar, como Chipre e Eslováquia, já foram admitidos. Dizem também os opositores que o código penal turco seria incompatível com a constituição da União Europeia (mesmo os turcos já tendo abolido a pena de morte), além da questão  da opressão à minoria curda. Demograficamente, se por um lado a entrada da Turquia ajudaria a pelo menos aliviar a questão da mão de obra na Europa, por outro, muitos europeus não gostariam de ver milhões de turcos transitando livremente pelo continente como cidadãos legítimos.
Mas a grande chave da questão, que em tempos de politicamente correto prefere não se falar, é outra: o motivo real da oposição à entrada turca é racial e religioso. Os turcos não são caucasianos e são muçulmanos. Na extrema direita européia, especialmente na França, na Alemanha e na Áustria, há uma grande preocupação com a imigração islâmica. Hoje, vivem em solo europeu cerca de 12,5 milhões de muçulmanos. Com a entrada da Turquia, poderiam se adicionar mais 70 milhões a esta estatística. Além disso, em poucos anos, a Turquia será o país mais populoso da UE, superando a Alemanha, o que romperia todos os equilíbrios de poder dentro da Europa e seria visto, pela extrema direita, como uma nova conquista otomana do Velho Continente.
Contudo, aqueles que são favoráveis ao ingresso dos turcos no bloco argumentam que, caso ocorra, poderia ser a grande prova de que cristãos e muçulmanos são capazes de coexistir. Os EUA e a Grã-Bretanha, aliados da Turquia na OTAN, crêem que a Turquia, ao optar por um regime democrático e moderado, pode se tornar um exemplo para o restante do Oriente Médio, especialmente quando as vantagens econômicas, como a utilização de uma moeda forte, começarem a ser sentidas pela população. Os turcos teriam acesso ao mercado europeu (no qual a economia turca já está bastante inserida), e a  seus fundos de apoio aos países pobres, o que poderia dar o empurrão final a um processo de maior desenvolvimento econômico no país. Politicamente, seria um triunfo para o secularismo turco ver o único país muçulmano laico ser aceito na União Européia. Militarmente, seu exército bem treinado e equipado poderia se tornar um guardião dos interesses europeus no Oriente Médio. Porém, a insistência na busca de uma identidade cultural (branca e cristã) por parte de certos setores da sociedade européia faz com que a admissão dos turcos seja dificultada. Ora, se o mundo hoje se orgulha da queda de fronteiras, do multiculturalismo, da globalização, por que na hora de dar um passo maior rumo à integração dos povos, retorna  à nostalgia por uma Europa romântica, idealizada, branca e cristã? Neste embate entre forças conservadoras (algumas decididamente xenófobas) e aqueles que vêem a integração como a melhor forma de lidar com a questão, espera-se que dentro de um debate racional vença a moderação.

Andrew Traumann é professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Proteção do bem público global não é filantropia: o conflito entre interesses individuais e coletivos no regime de mudanças climáticas.

Roberta Zandonai

O ano de 2010 começou com a publicação de dados alarmantes da Agência Espacial dos EUA (NASA) a respeito das condições climáticas mundiais. De acordo com o órgão, a década passada foi a mais quente desde 1880, e os anos de 2005 e 2009 apresentaram as maiores temperaturas médias desde o início do século XX. A situação vivida no cenário internacional apenas confirmou esta tendência. A Rússia, por exemplo, enfrentou um verão extremamente quente e seco, que aniquilou suas plantações de trigo e gerou crise na economia nacional. Já no Paquistão e na China, água é o que não faltou durante as enchentes sem precedentes na história destes países. E, mesmo no Brasil, um período bastante incomum de chuvas fortes atingiu diversas regiões durante os primeiros meses do ano e foi seguido por uma forte seca marcada por queimadas nos parques e reservas nacionais.


De acordo com previsões da comunidade científica, principalmente dos membros do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a situação pode piorar muito mais se medidas drásticas não forem tomadas. Isso exige a ação conjunta de todos os Estados, principalmente dos maiores emissores de gases de efeitos estufa (Estados Unidos, União Européia, representada como bloco, e China). O que se vê, porém, é a dificuldade de países com características distintas chegarem a um consenso. Mas, se a questão é tão relevante, por que um acordo é difícil?
Nas últimas décadas, ganhou força no cenário internacional o consenso de que a elevação da temperatura terrestre é causada diretamente pelas atividades humanas, principalmente as geradoras de gases de efeito estufa (GEE), seja pelo desmatamento, matriz energética concentrada em emissões de carbono ou por processos industriais. As conseqüências não são sentidas apenas em âmbito local e regional, mas afetam todos os países, razão pela qual a questão ambiental passou a ocupar uma posição privilegiada na agenda internacional - principalmente após a primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1972. A partir daí, uma série de eventos foram organizados para discutir o desenvolvimento sustentável, e novas organizações internacionais surgiram: UNEP/PNUMA, IPCC, Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças do Clima - CQNUSMD, etc.
No entanto, em 2001, o presidente eleito dos EUA, George W. Bush, retirou o país das negociações do Protocolo de Kyoto, até então o primeiro acordo global de cooperação para reduzir a poluição atmosférica por meio do estabelecimento de metas e mecanismos específicos. A decisão marcou um enorme retrocesso na tentativa de consolidar uma nova ordem mundial e abalou as esperanças daqueles que lutavam pela causa, pois a superpotência é responsável por quase um quarto das emissões globais de GEE e o seu não-comprometimento pode anular os esforços de todos os demais países signatários do Protocolo.
O motivo apresentado à época pelo governo estadunidense era de que o cumprimento dos termos afetaria a economia do país - e aí chegamos ao ponto central no debate da problemática ambiental no mundo moderno: as exigências internacionais divergem do interesse nacional de alguns países e de grandes empresas transnacionais com grande poder de influência. Como afirma Viola (2002, p. 27), “o benefício coletivo exige cada vez mais ações que contrariam os interesses de cada Estado individual”, mas os tomadores de decisão ainda não perceberam essa lógica.
Com o fim da Guerra Fria e a emergência de novos atores e temas nas Relações Internacionais, os problemas estão se tornando cada vez mais internacionalizados (tendo características transnacionais). O processo é acelerado pela revolução dos meios de comunicação e essa multiplicidade de atores aumenta a complexidade das negociações, que, em pleno século XXI, devem ser regidas pela cooperação e criação de novas diretrizes, seja no âmbito comercial, empresarial, e principalmente ambiental.
No que diz respeito à maior eficiência do regime de mudanças climáticas, a cooperação não se restringe apenas a parte jurídica, mas implica algo muito maior: uma profunda transformação na maneira como se entende consumo, energia, transportes, alimentação, moradia, ou seja, uma mudança profunda na relação do homem consigo mesmo e com o ambiente que o cerca. Uma nova consciência é necessária. Porém, no âmbito das grandes tomadas de decisões políticas internacionais, os governantes ainda resistem em ceder em troca de um bem coletivo, qual seja, a proteção do meio em que vivem. Economias intensivas em carbono acreditam que têm muito a perder com um novo sistema baseado em baixas emissões de GEE, mas não conseguem perceber que o dano pode ser muito maior se nada for feito.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, todo o modelo de fornecimento de energia e transportes teria que ser revisto, uma vez que o automóvel individual movido a combustível fóssil é o principal meio de locomoção e a maior parte da energia do país é produzida a partir de usinas termoelétricas que queimam carvão e, secundariamente, petróleo. De acordo com o último Assessment Report, produzido pelo IPCC em 2007, o país é responsável por 20% das emissões globais de CO2, perdendo apenas para a China, cujas emissões correspondem a 22%, com um crescimento anual de 8%, derivado principalmente da ineficiência de sua matriz energética (VIOLA, 2009, p. 20).
Apesar da posição estadunidense, há luz no fim do túnel: o desinteresse pelo meio ambiente, que predominou no país oriental durante todo o século XX, dá espaço atualmente para um novo posicionamento, que inclui investimentos em novas tecnologias menos poluentes. Japão e União Européia também exercem um papel de liderança, tanto no âmbito interno (por meio de investimentos em energias renováveis e em meios de transporte mais eficientes, por exemplo) quanto externo (transferência de tecnologias, persistência em chegar a acordos internacionais, investimento em projetos estrangeiros, entre outros). Outros Estados emergentes, como o Brasil, também têm desempenhado um importante papel, principalmente junto às nações em desenvolvimento ou atrasadas.
De outro lado, porém, regimes fundamentalistas e monárquicos, ou membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), tendem a rejeitar ou apoiar de maneira bastante restrita as propostas da CQNUMC.
Neste grande tabuleiro em que cada jogador tenta tirar suas vantagens, o nível de cooperação necessário para minimizar as atuais conseqüências da alteração do clima, bem como para instaurar uma sociedade de baixo carbono e evitar desastres futuros, parece um horizonte ainda distante. Tudo é uma questão de interesse, e enquanto o interesse individual - seja dos Estados, das empresas, das organizações e dos indivíduos – prevalecer sobre o interesse público global, os debates não devem resultar em ações práticas e efetivas. Neste caso, uma projeção pessimista poderia caracterizar como uma abstração o conceito de sustentabilidade definido pelas Nações Unidas, que seria “o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras”.

Referências:
VIOLA, E. O Brasil na Arena Internacional da Mitigação da Mudança Climática 1996-2008, Centro de Estudo de Integração e Desenvolvimento, 2009.
VIOLA, E. O Regime Internacional de Mudança Climática e o Brasil, In. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 50, São Paulo, 2002.

6 período - Relações Internacionais - UNICURITIBA

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Iraque: situação atual e os efeitos da guerra

Fernando Archetti

Independentemente do resultado do conflito no Iraque, alguns efeitos já são visíveis e é possível tecer algumas considerações sobre o futuro na região e no país.
Com o anúncio do fim da operação Iraqi Freedom pelo Presidente Obama, em 31 de agosto de 2010, o nível das tropas foi reduzido ao seu nível mais baixo desde o início da guerra, restando um contingente de 50.000 soldados, com um papel de aconselhamento e assessoramento, que deverão, gradualmente, transferir a responsabilidade pela segurança do país à ISF (Iraq Security Forces). Até o fim do ano que vem, prevê-se a retirada do resto das tropas.

Em 2003, quando o conflito foi iniciado, vendia-se a imagem de uma guerra fácil, contra um Estado decadente e fraco, e que ofereceria muitos benefícios – nomeadamente, assegurar os interesses estadunidenses e de seus aliados nesta região fundamental para os países cujas economias dependem de petróleo, além de assegurar a sua hegemonia em uma das regiões mais voláteis do mundo, mandando uma mensagem para os Estados que desafiam essa hegemonia, afirmando quem realmente ‘’manda’’ – e poucos obstáculos. Hoje, sabemos que muito da percepção que se tinha do que se enfrentaria no Iraque era falsa. E o preço por uma guerra baseada em argumentos duvidosos se mostrou alto.
Classificada por alguns como uma ‘’aventura imperial’’, afora os exageros, o caso do Iraque nunca foi, de fato, sobre o perigo que este Estado representava. A guerra logo se tornou um conflito contra um grande movimento de insurgência, transformando-se em um complexo conflito entre etnias e seitas, além dos problemas representados pelo terrorismo transnacional e os mais de 2 milhões de refugiados. A incapacidade de prever o surgimento desses conflitos indica quanto essa invasão foi baseada em percepções errôneas e duvidosas. O conhecimento sobre a realidade iraquiana era muito pobre.
O estabelecimento de uma democracia não causou uma reação em cadeia, nem teve efeitos positivos nos regimes autoritários da região. A invasão não mandou uma ‘’mensagem’’ aos Estados da região, pelo contrário, fortaleceu a posição daqueles países – como o Irã – aos quais essa ‘’mensagem’’ se dirigia. Nem os planos de reconstrução – que planos? – tiveram sucesso, e os interesses estadunidenses na região foram comprometidos definitivamente.
Enquanto as tropas dos EUA se retiram, surge uma ‘’lacuna’’ na segurança e estabilidade do novo Estado iraquiano. A situação de relativa paz atual não será comprometida por uma mudança de estratégia diante da situação que se cria com a diminuição do efetivo estadunidense?
Se os principais atores políticos do Iraque – os sunitas, xiitas (ambos árabes) e os curdos – abdicaram de meios violentos para a busca de seus objetivos políticos, foi por cálculos estratégicos, não por uma ‘’iluminação’’ ou o reconhecimento de uma derrota legítima (GOMPERT; KELLY; WATKINS, 2010). Esses cálculos estratégicos, e suas consequências, podem ser alterados com a retirada.
Enquanto esses grupos, por ora, optaram por meios pacíficos para a resolução dos conflitos, cada um deles, individualmente, tem poder armado suficiente para alterar esse quadro. No entanto, com sua inclusão no sistema político recém formado, a chance de isso acontecer é menor.
Um fator crítico para analisar a possibilidade do ressurgimento de conflito é o papel que as ISF devem ter na estabilização do GoI (Government of Iraq). A brecha na segurança criada pela retirada se dá pela transferência da responsabilidade pela situação para a ISF. Enquanto as forças dos EUA se retiram em grande quantidade, a ISF não cresce em capacidade e rapidez proporcional à retirada, a ponto de substituir efetivamente os EUA em sua tarefa.
Embora a ISF não seja capaz de derrotar cada um desses atores internos conjuntamente, já é capaz de, pelo menos, contê-los, e fazê-los considerar bem se há de fato benefícios em retomar o conflito armado para atingir seus objetivos. No entanto, o papel representado pela ISF está subordinado ao seu uso apolítico, no sentido de não ser abusado pela facção atualmente no poder para perseguir objetivos próprios. Tão importante como aumentar o poderio da ISF, assim, é garantir sua utilização responsável.
Um abuso da ISF por uma das facções poderia causar as outras a alterar seus cálculos estratégicos, reiniciando os conflitos. Além disso, é fundamental que se siga o ‘’devido processo legal’’ para evitar o abuso de poder. Por outro lado, a paz também depende da utilização de meios pacíficos pela oposição.
Se por um lado o conflito armado, agora, entre os principais atores políticos se mostra improvável – por não apresentar benefícios, considerando o atual cenário -, um fator que poderia mudar isso é o conflito étnico. Uma aproximação entre xiitas e sunitas árabes poderia levar à marginalização dos interesses curdos, que então poderiam refazer seus cálculos estratégicos.
Outro ponto relevante é que o terrorismo não representa, hoje, um real perigo de reiniciar um conflito em larga escala. As estratégias utilizadas pelos terroristas fizeram retiraram seu apoio entre os atores políticos iraquianos.
Em resumo, o perigo de desestabilização do Iraque reside muito mais no equilíbrio de poder entre os principais atores políticos, a perspectiva de conflitos étnico-sectários, nas dificuldades inerentes em acomodar os diferentes e conflitantes interesses políticos no recém formado Estado iraquiano, do que no terrorismo transnacional. Nesse cenário, os EUA, com sua cada vez menor capacidade de intervir nos assuntos internos do país, devem esforçar-se no sentido de impedir o abuso de poder, e equilibrar as diferentes forças internas no sentido da unificação do país.

5º período – Relações Internacionais - UNICURITIBA

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Irã e a questão da soberania nuclear

Jéssica Rayel

O tema da segurança internacional é um dos principais tópicos das Relações Internacionais desde o surgimento da disciplina, sendo que sua importância permanece até hoje. Um dos mais interessantes temas de segurança na atualidade é o conflito entre os EUA e o Irã acerca da capacidade nuclear iraniana e suas possíveis intenções nocivas, já que o país árabe afirma que o desenvolvimento da energia nuclear será apenas para fins pacíficos. Este entrave será analisado a partir da questão da soberania do Estado iraniano e o processo de formulação da sua política externa.

Uma das premissas básicas de um Estado independente é sua soberania, em todos os aspectos, em relação à sua capacidade de construir as políticas interna e externa. Assim, muitos Estados tentam impor suas vontades próprias, em última instância, pela imposição de sua soberania perante aos outros Estados. Esse é o caso do Irã em relação à energia nuclear, causando, assim, uma das grandes questões sobre tal assunto, que é posta pelos iranianos como seu direito de soberania nuclear, ou seja, sobre sua independência enérgica.
Tal condição é polêmica, pois vai contra os interesses de grandes países, como os Estados Unidos, que temem que o programa nuclear iraniano seja usado para desenvolver armas atômicas, indo contra os princípios do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e contra a Agência Internacional de Energia Atômica, que garante o direito ao uso da energia nuclear somente para fins pacíficos.
Ao seguir o pensamento de MEARSHEIMER e WALT, na obra "The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy", de 2008, sobre as relações dos Estados Unidos com Israel, consegue-se entender que, apesar de os EUA estarem fora do alcance de mísseis balísticos provindos do Irã, a ameaça nuclear iraniana alcança o seu maior aliado no Oriente Médio: Israel. Assim, colocar Israel em risco é desafiar os próprios interesses estadunidenses, o que, provavelmente, levará a contínuas sanções do Conselho de Segurança da ONU e à ameaça de confrontos diretos.
Entretanto, não é apenas a questão da soberania iraniana de desenvolver o que bem entender, ou o discurso estadunidense de impedir um aumento no número de armas nucleares no mundo, que está em jogo. A questão gira em torno da legitimidade do Irã de tentar desenvolver tecnologia nuclear em níveis maiores que o estabelecido para fins pacíficos. Uma vez que se sabe que o presidente Ahmadinejad não controla totalmente a política externa de seu país, já que a estrutura institucional iraniana favoreceu o desenvolvimento de uma política externa multifacetada, em que há outras instituições do governo, com inclinação religiosa, que possuem força e influência, percebe-se que as decisões tomadas pelo Irã podem ser inesperadas, o que lhe confere uma imagem de país não-confiável.
Pode-se dizer que, até determinado ponto, o programa nuclear está ligado a objetivos políticos internos. Apesar de as autoridades perceberem os limites e as fraquezas da economia iraniana, já que se trata de uma economia que depende de investimentos externos, fortemente baseada no setor público, do qual aproximadamente 90% dos iranianos recebem os seus salários, e há um alto índice de desemprego e tendência de crescimento de uma taxa inflacionária já considerada elevada, insistem em deslocar grandes recursos para o programa. A alegação é de a construção de usinas e desenvolvimento de tecnologias levaria, talvez, ao crescimento do país, gerando mais que possíveis empregos.
Mesmo que isso esteja correto, há ainda questionamentos a serem feitos. Como será o desfecho de tal situação? O atual direito internacional tem ferramentas para encerrar a discussão? Existem ainda dúvidas de como será o futuro iraniano se insistir em tal proposta, já que o país, teocrático e não-democrático, possui fortes opositores ao seu projeto nuclear e poderá sofrer mais perdas que as sanções da ONU. Não seria prudente tal país desenvolver tecnologia nuclear além dos fins pacíficos se não quiser desencadear uma possível guerra em seu território. As normativas que o direito internacional possui, atualmente, não dão conta da resolução de conflitos como este, uma vez que os órgãos que poderiam intervir de maneira jurídica (ONU e AIEA) ainda estão atrelados somente a interesses nacionais. Portanto, tal questão deverá ser resolvida com base em instrumentos de poder, pois a política internacional, como Morgenthau afirma, ainda é marcada por uma constante competição pelo poder entre Estados.
Entende-se que o Estado iraniano tem o direito de possuir um programa nuclear, mesmo que vá contra aos interesses de seus maiores inimigos, mas sempre observando o limite do desenvolvimento de tal programa para que as atuais suspeitas contra o país possam desapearecer e não serem concretizadas futuramente, uma vez que não se deve quebrar o equilibrio de forças na região e, além disso, o Irã não está preparado para um possivel ataque decorrente de suas posições atuais.

4º período - Relações Internacionais - UNICURITIBA