Imagem: Entre Livros e Personagens |
Por Bárbara Moraes1
Uma matéria sobre refugiados? “Não acho que você está entendendo que as pessoas vão
abandonar a leitura logo no começo. Não é um assunto que afete a vida de alguém, o problema é esse”.
E essa é uma pitada do mel pelo qual a Pequena Abelha é uma leitura obrigatória não somente
para todos os internacionalistas – mas para todas as pessoas. De fato, quando o assunto é refúgio,
poucos analisam a situação no detalhe: “somos pessoas trágicas: não nos deixam contar o que teve de
bom em nossas vidas, apenas as coisas ruins – é o que cabe em um pedido de refúgio. E se você não
pode ler as coisas bonitas que aconteceram na vida de alguém, por que se importaria com as suas
tristezas?”.
As breves nuances destacadas exemplificam a sensibilidade com que Cleave narra a história de
duas mulheres entrelaçadas por um infortúnio derivado de conflitos de poder por petróleo na África.
Duas mulheres, duas histórias e dois países para retratar o que palavras dificilmente o fariam: a vida de um refugiado, que no caso é a nossa protagonista, a Pequena Abelha, de somente 16 anos.
Ao lado da Abelhinha temos Sarah, editora-chefe de uma revista britânica e mãe do Charlie,
um menino de 4 anos. O autor traz o retrato da mulher branca de classe média e os desafios inerentes à
rotina da mulher (e mãe) empreendedora, com seus dilemas e questionamentos morais. “Exilada da
realidade. Refugiada em si mesma”, é a mulher que busca a beleza e o crescimento da vida, mesmo
quando através da dor.
A fim de evitar os famosos spoilers e ao mesmo tempo querendo contar a história inteira,
limito-me a destacar que o paralelo traçado em toda a obra demonstra com maestria a necessidade de
repensarmos a forma como enxergamos o refugiado, o apátrida, enfim – o migrante.
Segundo dados da Acnur (Alto-comissariado das Nações Unidas para Refugiados), são pelo menos 82,4 milhões de pessoas ao redor do mundo que foram forçadas a deixar suas casas². O número representa quase toda a população de países como Turquia, Alemanha e Irã (que estão na média dos 83-84 milhões)³. Entre essas pessoas, cerca de 26,4 são refugiados - metade com menos de 18 anos.
E aqui vislumbramos a beleza da obra: é sobre relembrar que esses números que vemos
diariamente na mídia, de forma objetiva e distante, na verdade são pessoas reais. São histórias
roubadas, exportadas para outros países, de forma abrupta e, em regra, sem dignidade.
Assim, em que pese fictícia, a obra foi baseada em relatos de pessoas que passaram entre os mais de dez centros de detenção de imigrantes no Reino Unido. Os conflitos retratados na Nigéria também fazem jus à realidade: no período de redação do livro, o país ocupava a posição de 8o maior exportador de petróleo no mundo4 e o 2o lugar como exportador africano de pleiteantes de asilo político no Reino Unido⁵.
E mesmo contextualizada, a temática não podia ser mais universal. As crises humanitárias na
Síria, Afeganistão e Sudão do Sul – somente 3 países - totalizam 67% dos refugiados do mundo hoje,
segundo dados da Acnur. São mais de 11 milhões de pessoas. É pensar na saída de toda a população de
países como Cuba e Portugal. No Brasil também não é diferente. Hoje mais de 260.000 refugiados e migrantes venezuelanos vivem no país⁶.
Destarte, se um mínimo de empatia não é capaz de ser observada nas opiniões sobre migrantes,
como se percebe em manifestações como “a verdade sobre os ‘venecos’? Para mim, poderiam ser eliminados como ratos”⁷, a expectativa é que obras como essa inspirem novas formas de enxergar pessoas que, vítimas de perseguições e conflitos, poucas opções possuem além de ir para outro país.
E, por fim: por que o livro se chama Pequena Abelha? Pois paz é quando as pessoas podem
contar umas às outras seus nomes de verdade. Conheça a história dela, da menina que não pode contar
seu nome em razão da situação do país em que vivia. Deixe-a mostrar como uma história doce e
ferroada é capaz de polinizar novos ressignificados sobre você, sobre eles, sobre todos nós.
¹Bárbara é bacharel em Direito pela Universidade Positivo e Acadêmica de Relações Internacionais pela Unicuritiba.
²Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/. Acesso em Agosto/2021.
³Dados da Wikipedia, que seguem as estimativas oficiais de cada Estado. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_popula%C3%A7%C3%A3o.Acesso em Agosto/2021.
⁴Fonte: US Energy Information Administration, “Top World Oil Net Exporters 2006”.
⁵Fonte: UK Office for National Statistics, “Applications received for asylum in the United Kingdom, excluding dependants, by nationality, 1994 to 2002”.
⁶Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2021/04/20/interiorizacao-beneficia-mais-de-50-mil-refugiados-e-migrantes-da-venezuela
-no-brasil/. Acesso em Agosto/2021.
⁷Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/05/16/interna_internacional,1267219/odio-aos-migrantes-venezuela
nos-toma-conta-da-america-latina.shtml. Acesso em Agosto/2021.
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