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terça-feira, 25 de maio de 2021

A contínua segregação racial na África do Sul

Na placa: A nação preta e branca; A fala: ...então um dia tudo voltou ao que era antes e percebemos que a nação arco-íris era apenas uma ilusão temporária.

    No dia 10 de maio de 1994, tomava posse democraticamente na República da África do Sul o advogado Nelson Mandela, renomado e aclamado por ser o principal ativista africano pelos direitos da população negra durante o apartheid, sistema segregacionista no qual uma minoria branca europeia decidia onde e como os habitantes negros nativos poderiam viver. Esse regime de raízes coloniais acabou perdurando por 43 anos no país, dos quais 27 Mandela passou atrás das grades.
    Primeiro presidente negro a assumir a presidência de sua nação e vencedor do Nobel da Paz, Mandela atrelou sua imagem a um símbolo de resistência por todo o mundo graças à sua luta pela igualdade racial e liberdade no continente africano.
    O discurso revigorado do novo presidente buscava assegurar a igualdade de direitos àqueles que eram desfavorecidos, através de um planejamento urbano pensado para garantir melhores oportunidades para seus habitantes, o que angariou diversos votantes nativos que se sentiram representados e motivados a lutar contra as desigualdades na época.
    Contudo, é importante questionar se o cenário do país foi alterado e melhorou as condições de vida dos sul-africanos, principalmente a população negra. Como está a Nação Arco-Íris hoje, pós-Mandela?
    As tentativas do ex-presidente de garantir uma maior igualdade entre a população revelaram problemas estruturais profundos que estão ancorados historicamente no período colonial, quando os britânicos passaram a explorar diamantes e outros minerais no norte da região por volta de 1870.
    A nova descoberta tornou a África do Sul uma das principais e mais rentáveis colônias para os britânicos na época, que iniciaram construções de longas ferrovias que se espalharam pelo território sul-africano, cortando a região de norte a sul para cidades portuárias como a Cidade do Cabo com o objetivo de escoar a produção.
    Dessa forma, a concentração de riquezas começou a se manifestar progressivamente em torno das ferrovias, que se tornaram polos econômicos e comerciais localizados em áreas majoritariamente brancas, totalmente afastadas dos locais onde habitava a maioria da população negra da colônia.
    Para consolidar o ordenamento do território da maneira como estava encaminhado, o governo colonial instaurou a Lei de Terras Nativas em 1913, mantendo o povo nativo negro que constituía dois terços da população em regiões longe dos polos econômicos que correspondiam a apenas 8% do território do país.
    Além disso, as novas normas restringiam a maioria negra de adquirir porções de terra em qualquer outro local, forçando migrações para os arredores das grandes cidades que se desenvolviam cada vez mais.
    A partir do ano de 1949, o governo inteiramente branco minoritário aprovou 148 leis que solidificaram ainda mais a segregação racial no país como a Lei de Registro da População de 1950, que dividiu e designou a população em diferentes grupos, entre eles brancos, negros (nativos) e pessoas “de cor”, como indianos e asiáticos.
    Além disso, determinaram que os nativos deveriam morar em regiões denominadas Bantustões, áreas rurais subdesenvolvidas que se assemelhavam às terras nativas instituídas em 1913.
    Com a extinção do apartheid décadas depois, somente no ano de 1994, o Congresso Nacional Africano, partido de Mandela que governa o país desde então, construiu diversos assentamentos para os sul-africanos negros que migraram para as grandes cidades em altos contingentes em busca de melhores condições de vida.
    Esse cenário acabou concentrando muitos habitantes em regiões periféricas das metrópoles, reforçando as restrições geográficas do apartheid e promovendo claras paisagens de segmentação social que refletem a desigualdade no país atualmente, como por exemplo subúrbios desenvolvidos e assentamentos de nativos separados por uma estreita estrada ou por uma porção de terra.

Cape Town: bairro de Strand à esquerda; distrito de Nomzamo à direita

Johanesburgo: subúrbio Bloubosrand à esquerda; assentamento Kya Sands à direita

    Dessa forma, após 27 anos da chegada à presidência de Nelson Mandela é notável que apesar da liberdade política conquistada pela população negra ao longo do processo, a distinção entre pretos e brancos é traduzida em termos econômicos e geográficos nas principais cidades do país de maneira avassaladora.
    A África do Sul é reconhecida pelo Banco Mundial como o país mais desigual do mundo, ou seja, a diferença econômica entre a população é maior na nação sul-africana do que em qualquer outro lugar no mundo.
    Essas circunstâncias acabaram revoltando a população negra que depositou suas esperanças em Mandela e seu discurso sobre um futuro ideal e mais igualitário, resultando em um fenômeno de abdicação de votos da população negra sul-africana especialmente por parte do eleitorado jovem, chamados de geração “Born Free”, isto é, que nasceram após o apartheid. 
    Entretanto, o especialista em finanças públicas da ONG sul-africana Oxfam, Thembinkosi Dlamini, aponta que apesar da África do Sul estar praticamente recomeçando do zero, existem pessoas no governo se esforçando para enfrentar os desafios vividos pelo país hoje começando pela corrupção, citando o atual presidente Cyril Ramaphosa como exemplo.
    As urnas, entretanto, mostraram uma realidade desanimadora para o país. Os 57,5% dos votos válidos representaram o pior resultado do partido Congresso Nacional Africano dos últimos anos, refletindo a insatisfação da população e uma desconfiança com o CNA. Vale lembrar que Ramaphosa, que era líder do partido, assumiu a presidência da África do Sul após a renúncia de Jacob Zuma em 2018, acusado de uma série de escândalos de corrupção.
    Dessa forma, é possível perceber que a realidade dos sul-africanos ainda é muito distante da prometida por Nelson Mandela mesmo depois de aproximadamente três décadas do fim do apartheid e do início de um governo democrático. Aquela que já foi imaginada como uma Nação Arco-Íris, um país que seria símbolo de diversidade étnica e cultural, ainda precisará de muito tempo para superar os obstáculos do passado e as manchas do presente para tentar colorir sua bandeira mais uma vez.

Referências
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FRÖHLICH, S. Nação Arco-Íris ainda é sonho distante na África do Sul. DW, 2019. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/na%C3%A7%C3%A3o-arco-%C3%ADris-ainda-%C3%A9-sonho-distante-na-%C3%A1frica-do-sul/a-48499271>. Acesso em: 12 Maio 2021.
GOODMAN, P. S. End of Apartheid in South Africa? Not in Economic Terms. The New York Times, 2017. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/10/24/business/south-africa-economy-apartheid.html >. Acesso em: 12 Maio 2021.
MALALA, J. Why are South African cities still so segregated 25 years after apartheid? The Guardian, 2019. Disponível em: <https://www.theguardian.com/cities/2019/oct/21/why-are-south-african-cities-still-seg regated-after-apartheid>. Acesso em: 13 Maio 2021.
REDAÇÃO, D. Partido de Mandela vence eleições na África do Sul com pior resultado em 25 anos. Brasil de Fato, 2019. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/05/13/partido-de-mandela-vence-eleicoes-na- africa-do-sul-com-pior-resultado-em-25-anos>. Acesso em: 24 Maio 2021.
SCOTT, K. South Africa is the world's most unequal country. 25 years of freedom have failed to bridge the divide. CNN, 2019. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2019/05/07/africa/south-africa-elections-inequality-intl/index. html>. Acesso em: 13 Maio 2021.
VOX. Why South Africa is still so segregated. Vox, 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NVH7JewfgJg>. Acesso em: 20 Abril 2021.

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