Uma das principais políticas que marcou as relações internacionais do governo Bolsonaro foi o que muitos analistas entendem como um alinhamento automático ao governo de Donald Trump, isto é, uma forte aproximação entre ambos os executivos dos Estados no âmbito internacional. Bolsonaro buscava o apoio norte-americano para facilitar a entrada do país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conhecido como o “clube dos países ricos”.
Dessa forma, o governo brasileiro realizou algumas medidas pró-estadunidenses não somente na esfera doméstica, como a decisão da eliminação de vistos para visitantes norte-americanos, rompendo com uma tradição de reciprocidade do Itamaraty; mas também no campo externo, com a renúncia ao tratamento diferenciado na OMC como país em desenvolvimento, impactando diretamente na relação do país com o Brics e outros Estados emergentes, além de ter aumentado a importação de trigo e etanol norte-americanos.
Não obstante, essas decisões não receberam resposta à altura por parte do governo trumpista, revelando uma amizade assimétrica que não gerou grandes frutos para o Estado brasileiro. Inclusive, Trump foi o primeiro presidente norte-americano desde Jimmy Carter, no final da década de 70, que não visitou o Brasil durante seu mandato. Agora, o governo Bolsonaro presenciará um adiamento indesejado na entrada do país na OCDE com a perda do que considerava ser seu principal aliado internacional devido à eleição de Joe Biden.
O governo democrata, em um primeiro momento, enfrentará um contexto doméstico muito conturbado, um país fragmentado graças a um “resiliente nacionalismo religioso” deixado por Trump, como aponta o cientista político e professor Guilherme Casarões. Sendo assim, as pautas do democrata provavelmente encontrarão muitas resistências dentro da sociedade norte-americana, que agora conta com um grupo religioso cristão organizado empoderado pelo ex-presidente. Além disso, o país passa por uma crise sanitária avassaladora que o coloca como um dos Estados com mais óbitos por coronavírus no mundo, ultrapassando a marca de 400 mil mortes e trazendo dados alarmantes como no condado de Los Angeles, onde a doença faz uma vítima a cada seis minutos.
Na esfera comercial, o democrata Joe Biden, assim como seu antecessor, de maneira igualmente nacionalista, porém menos populista, continuará adotando medidas econômicas protecionistas agora com o nome de “Buy American”, substituindo o “America First” intitulado pelo ex-presidente republicano, porém com a mesma estratégia de valorização da indústria nacional, injetando dinheiro público na economia e aumentando investimentos em tecnologia.
Em termos de política externa, Joe Biden, nos seus discursos na época das eleições, manifestou seu interesse no resgate dos EUA às instituições internacionais, adotando políticas voltadas para o multilateralismo, com o objetivo de retornar o protagonismo ocidental norte-americano no sistema internacional em esferas como meio ambiente, mudanças climáticas, saúde e direitos humanos. O democrata buscará valorizar a OMC e a própria ONU além de recolocar os Estados Unidos na OMS e no Acordo de Paris, o qual foi abandonado pelo governo Trump, que justificava que o pacto prejudicava a economia do país.
Durante os debates presidenciais, Biden deixou clara sua crítica ao governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente, prometendo a criação de um fundo global para a preservação da Amazônia, o que acabou provocando uma reação imediata do presidente brasileiro que sugeriu o uso da pólvora para resolver a questão. Apesar das críticas e ameaças de sanção e de barreiras comerciais ao Brasil, analistas acreditam que o democrata conduzirá os interesses nacionais norte-americanos de maneira pragmática em sua diplomacia, tanto no âmbito interno em sua articulação com o Senado quanto no campo internacional.
O governo brasileiro vai buscar se adequar à situação em que se colocou, também com uma política pragmática característica tanto brasileira quanto norte-americana. Bolsonaro chegou até a afirmar que Trump não era “a pessoa mais importante do mundo”, passando a adotar discurso mais moderado com a impossibilidade do retorno do republicano ao poder, já que Biden foi eleito o 46° presidente legítimo dos EUA.
Na carta enviada ao novo presidente norte-americano, congratulando o democrata por sua posse, apesar de ter considerado anteriormente a eleição de Biden como uma “ameaça à liberdade do Brasil”, Bolsonaro ressaltou o histórico de fraternidade entre os países. Ademais, classificou o “desenvolvimento sustentável e proteção do meio ambiente, em especial, da Amazônia", como áreas de interesse comum, além de ter reforçado o pedido de apoio para a entrada na OCDE.
É importante ressaltar que o Brasil não é prioridade para os assuntos externos dos EUA no momento (que tem a China como ator mais preponderante, por exemplo), porém é interessante lembrar que Joe Biden já visitou o país em três oportunidades durante sua carreira como vice-presidente de Barack Obama. É de se esperar então que o democrata realize mais alguma visita para assegurar uma boa relação de cooperação entre ambos os Estados, aproximando-se também da América Latina como um todo.
*Leonardo Guebert é acadêmico do 7º Período do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
Referências
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