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domingo, 24 de maio de 2020

A reunião de 22/04/2020 do Presidente da República com seus ministros: uma interpretação independente.


Prof. Dr. Carlos Magno Esteves Vasconcellos*

Na última sexta-feira (22/05/2020), o Supremo Tribunal Federal autorizou (com cortes) a divulgação do vídeo de uma reunião que o Presidente da República (Jair Bolsonaro) manteve com seus ministros, no dia 22 de abril. O propósito maior dessa reunião era comprovar ou não uma denúncia do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, sobre o principal motivo que o teria levado à pedir exoneração do cargo que ocupava no governo, indicando que o Presidente da República vinha tentando interferir de modo recorrente na Polícia Federal (regional do Rio de Janeiro), com a finalidade de controlar as ações daquela instituição, de modo à proteger sua família e seus amigos. Vale lembrar que o Presidente da República vinha se defendendo da acusação, do ex-ministro Moro, alegando que sua intervenção na Polícia Federal é uma prerrogativa do cargo que ocupa.
Muito bem. O vídeo da reunião provou que o ex-ministro tinha razão e o Presidente da República, de fato, vinha tentando interferir na Polícia Federal (do Rio). O Presidente declarou na reunião (Serviço Público Federal: MJSP – Polícia Federal):

Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.

Essa questão é importante? Sim, muito. O que acontece é que, na acusação do ex-ministro Moro, a ingerência do Presidente da República na PF do Rio não era motivada por motivos técnicos, mas políticos: proteger familiares e amigos. Proteger do que? Só pode ser de crimes praticados por familiares e amigos (talvez Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz) e que poderiam ser expostos e investigados pela PF. A prerrogativa do Presidente da República para trocar o diretor geral da PF não inclui o direito à preservação de sua imagem pública ou defesa de parentes e amigos contra investigações criminais. Como explicou a advogada Maria de Lourdes Luizelli (https://luizellimaria.jusbrasil.com.br/ artigos/835923290/autoridade-deve-motivar-os-seus-atos-ainda-que-discricionarios?ref=feed, 27/04/2020):

Muitas dúvidas têm surgido nos últimos dias acerca da possibilidade de alteração, pelo Presidente da República, do Diretor-Geral da Polícia Federal. Mais do que a competência para a tomada de tal decisão, o cerne do debate deve ser a obrigatoriedade de exposição de motivação válida que a ampare.... A confusão entre Estado e quem o gere é típica dos governos absolutistas e autoritários. O Brasil é um Estado Democrático de Direito e, portanto, não está submetido a desejos e interesses pessoais de quaisquer de seus gestores, senão à sua própria conveniência e oportunidade, a ser concretamente aferida por meio dos fundamentos expostos quando da tomada de decisões.

Assim, o vídeo da reunião deu razão ao ex-ministro Moro, e mostrou que o ocupante da cadeira presidencial se utiliza de método arbitrário, e mesmo criminoso, para proteger seus familiares e amigos contra investigações criminosas.
Mas a tal reunião desnudou, também, outras verdades sobre o atual governo federal.
Primeiro, é um governo amorfo. Os ministros da Economia, Paulo Guedes, do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Cidadania, Onyx Lorenzoni são convictos liberais, enquanto os ministros da Casa Civil, General Walter Braga Netto, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho são, manifestamente, defensores do intervencionismo econômico estatal.
Segundo, é um governo caótico: a reunião foi convocada a pedido do Gen. Braga Netto (Casa Civil) para anunciar o Plano econômico “Pró-Brasil”. Mas, não é ao ministro Paulo Guedes (da Economia) que caberia a iniciativa de tal Plano? Além disso, o Plano apresenta um viés nitidamente intervencionista, portanto, contrário aos princípios liberais defendidos pelo comandante da Economia e apoiado (pelo menos publicamente) pelo Presidente da República. O ministro Rogério Marinho (intervencionista) fez questão de reforçar a importância dos gastos públicos no Plano (todas as citações que aparecerão no texto, daqui pra frente, foram extraídas da transcrição dos pronunciamentos da reunião ministerial, feita pelo MJSP – Polícia Federal):

E eu tenho visto governos extremamente liberais preparando programas de reconstrução, levando em consideração a necessidade de que o Estado nacional passa a ter um papel diferente como tomador de risco nesse momento em que há uma queda abrupta da liquidez. O ministro Onyx fala com muita propriedade da Arábia Saudita, dos dez bilhões de dólares. É bom lembrar, tá aqui o ministro Bento, que tá se pagando para se retirar petróleo do mundo. Os países vão utilizar as suas respectivas liquidez para resolver os seus problemas de infraestrutura e de retomada das suas economias. Nós temos que ter segurança jurídica, senhor presidente. Respeito a contrato, senhor presidente. Capacidade de alavancar recursos privados com a inversão de recursos públicos sim!   

Terceiro, é um governo sectário e místico que se alimenta de fantasias, alucinações, e demagogia barata. Dividem o Brasil em duas partes: uma parte boa, formada por pessoas que pensam e se comportam como eles; e uma parte ruim, composta de todos que se opõem às suas alucinações. A parte ruim é também chamada de “esquerda”.  Em determinado momento da reunião o Presidente da República disse:

Eu tô me lixando com a reeleição. Eu quero mais que alguém seja re ... seja eleito, se eu vier candidato, tá? Pra eu ter. .. eu quero ter paz no Brasil, mais nada. Porque se for a esquerda, eu e uma porrada de vocês aqui tem que sair do Brasil, porque vão ser presos. E eu tenho certeza que vão me condenar por homofobia, oito anos por homofobia.

Quanta baixaria e invencionice insana! Recentemente, o país assistiu eufórico ao golpe de estado contra a ex-Presidenta da República, Dilma Rousseff, e a condenação, sem provas, do ex-Presidente Lula. Ambos da chamada “esquerda”. Jair Bolsonaro inverte a realidade e os fatos a bel prazer. É fruto de alucinação afirmar que se o Brasil eleger um Presidente de esquerda “eu e uma porrada de vocês aqui tem que sair do Brasil, porque vão ser presos”. Todos estavam no Brasil durante os 14 anos das gestões petistas e ninguém foi preso!
Em sua demagogia desvairada, o Presidente faz apologia dos pobres e acusa os líderes políticos do país de não saber qual o “cheiro do povo”. Então diz que deseja levar seus ministros para passear em Taguatinga (cidade-satélite de Brasília) para conhecerem a triste realidade em que vive o povo. E eu pergunto: para que? Só para ver? Que ninguém se engane com esse discurso fantasioso do Presidente da República: ele e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, estão fazendo enorme pressão sobre os parlamentares para congelarem os salários dos funcionários públicos por dois anos!
Em determinado momento da reunião, o semianalfabeto ministro da Educação, Abraham Weintraub, resolveu dar o ar de sua graça no recinto, tomou a palavra e continuou na mesma toada do Presidente:

E o que me fez, naquele momento [aderir a candidatura de Bolsonaro], embarcar junto era a luta pela ... pela liberdade. Eu não quero ser escravo nesse país. E acabar com essa porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio. Eu tinha uma visão extremamente negativa de Brasília. Brasília é muito pior do que eu podia imaginar... Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF.

O STF pode ter muitos problemas, mas é uma instituição indispensável à democracia, cujo objetivo é, entre outras coisas, coibir as arbitrariedades do governo federal, seja ele qual for. Ninguém que “luta pela liberdade” pode defender a prisão arbitrária dos ministros do STF. Só a mente pueril de Weintraub concebe essa alucinação. Além disso, não custa lembrar que a capital federal, ou seja, o “cancro de corrupção”, como disse o ministro semianalfabeto, foi o habitat de seu chefe durante os últimos 30 anos!
Os embusteiros arautos palacianos da liberdade também demonstraram inusitado desprezo por outras instituições democráticas nacionais, tais como o Congresso Nacional (ministro Ricardo Salles) e o Tribunal de Contas da União (ministro Paulo Guedes).
Quarto, é um governo avassalado, submisso, típico representante da elite econômica brasileira. Apesar das diferenças ideológicas entre liberais e intervencionistas há algo com o qual os dois concordam: a incontornável necessidade do Brasil se desenvolver com capitais estrangeiros. Guedes e Braga Netto se mostram muito mais preocupados com o juízo dos estrangeiros sobre o ambiente de negócios no Brasil do que com a situação do povo brasileiro.
O vídeo da reunião entre o Presidente da República e seus ministros, que foi tornado público para esclarecer o conflito entre o ex-ministro Sérgio Moro e o Presidente Bolsonaro, acabou por revelar para o público brasileiro um perfil do atual governo federal: amorfo, caótico, sectário, místico e avassalado. Na chefia do governo, ao que tudo indica, um criminoso.


* Professor titular das disciplinas de História Econômica Mundial e Economia Política Internacional do Bacharelado em Relações Internacionais do UniCuritiba.

Referências.
LUIZELLI, Maria de Lourdes. Autoridade deve motivar os seus atos, ainda que discricionários. Disponível em: https://luizellimaria.jusbrasil.com.br/artigos/835923290/autoridade-deve-motivar-os-seus-atos-ainda-que-discricionarios?ref=feed

Serviço Público Federal: MJSP – Polícia Federal. Transcrição da Reunião ministerial do Governo Federal, realizada em 22/04/2020. Disponível em: https://abrilveja.files. wordpress.com/2020/05/laudo-digitalizado_220520201218.pdf




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