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sexta-feira, 8 de maio de 2020

Opinião: A globalização é a culpada pela pandemia?


Diante da crise em que vivemos, é natural que muitas perguntas cresçam em nossa mente, mas a questão que tem levantado debates acalorados nas redes sociais é a da responsabilidade pela pandemia. Em busca do agente responsável pela expansão do novo coronavírus, a globalização tem sido um dos bodes-expiatórios culpabilizados pelo ocorrido. Diante disso, é pertinente fazer uma análise sobre a globalização, seus efeitos e consequências para a atualidade, de modo que seja possível constatar com maior assertividade o papel da globalização no contexto atual. 

Primeiramente, é necessário entender que a globalização enquanto conceito é multi-definida, ou seja, não possui apenas uma definição, podendo apresentar diversas facetas. Segundo Boaventura de Souza Santos (2002), a globalização é um processo não-linear e não-consensual, sendo caracterizada por conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos e subalternos. Por outro lado, Anthony Giddens define a globalização como “a intensificação de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a muitas milhas de distância e vice-versa”. Assim sendo, podemos apontar que a globalização é um processo que tem facilitado os fluxos de comércio, capital e pessoas ao redor do mundo, além de exprimir “a aceleração e o aprofundamento do impacto dos fluxos e padrões inter-regionais de interação social”, como apontado por Held e McGrew (2001).

Diante disso, a globalização pode ser vista como um processo positivo de aproximação das sociedades globais, ou como um ponto negativo na interdependência entre os Estados e sistemas dentro do ambiente internacional. Dessa forma, a culpabilização deste processo no caso do novo coronavírus é um caminho possível, mas que apresenta contradições — se por um lado, pode-se apontar que os processos facilitados de movimentação contribuíram para a expansão do vírus ao redor do globo, por outro, a globalização permite uma ação conjunta entre os Estados de forma a conter o vírus, assistir às populações em risco e fortalecer as economias. Se tomarmos por exemplo os sistemas de saúde, a globalização tem dois sentidos: o primeiro é a entrega do setor de saúde às forças do mercado, que diante dos problemas de desigualdade social e segregação social de populações de um mesmo país, ocasiona a falta de acesso ao devido tratamento de saúde. Em contrapartida, os vetores de movimentação que levaram ao espalhamento da doença podem ser utilizados para enviar recursos necessários ao redor do mundo para ajudar quem realmente está precisando — como aponta o professor Me. Gustavo Glodes Blum em contribuição à discussão aqui proposta. 

O professor fala ainda sobre os desafios e contribuições da globalização para a emergência global pela qual passamos: “De fato, a possibilidade de interação entre os governos, da atuação conjunta de grupos de pesquisa ou de instituições em busca de soluções unindo esforços técnicos, científicos ou logísticos ao redor do mundo é um lado altamente positivo. Em que pese não sabermos o futuro e ser difícil de prever o que pode ocorrer, a ideia da criação de uma vacina ou de estudos científicos a respeito da COVID-19 é uma realidade palpável. Ao mesmo tempo, a existência de instituições internacionais de diversas naturezas — da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao Fundo Monetário Internacional (FMI) — permite uma coordenação conjunta e o debate de ações harmonizadas entre os países que topam participar de um esforço conjunto de combate ao novo coronavírus. A globalização, porém, também apresenta alguns desafios. E, talvez, acredito que o principal seja, mesmo, a questão de que a pandemia funciona numa lógica global, fluida, enquanto os sistemas de saúde ou de resposta a essa questão são, essencialmente, muito territorializados e potencialmente concentrados em grandes ou médios centros dos países. Isso dificulta tanto a resposta, quanto a provisão dos devidos serviços médicos para toda a população. O estado moderno, territorial, encontra na fluidez um dos principais elementos de desagregação, e isso é verdade para a economia transnacionalizada, para as mudanças climáticas e também para as grandes pandemias”.

É a globalização, então, a culpada por esta pandemia? A resposta a este questionamento é técnica: enquanto um processo a globalização não pode ser avaliada moralmente, e por isso não pode ser culpabilizada. O professor Me. Gustavo Blum explica: “Concordo com o grande geógrafo brasileiro Milton Santos, quando ele afirma que a globalização está perversa, mas pode ser outra(s). O que ele quer dizer com relação a isso? Ele quer apontar que objetos ou aparatos em específico, como os aviões que transportaram durante esses meses, pessoas por todos os continentes e que, desta forma, acabaram se infectando, não são essencialmente maus ou bons. Afinal de contas, é sensacional pensarmos em nossos sistemas de circulação na atualidade. Ao mesmo tempo, são sistemas desiguais — caríssimos, em termos mais simples — e que tem uma altíssima taxa de poluição na atmosfera. Neste sentido, talvez seja difícil falar que o processo de globalização é culpado pelo aparecimento da pandemia. Porém, se lembrarmos da gripe espanhola, da cólera ou de outras pandemias já esquecidas pelas nossas cabeças, podemos perceber uma tendência: trata-se de momentos muito significativos no mundo por serem momentos de grande circulação de pessoas, talvez até mesmo globalizações a seu próprio modo. A peste-negra na Europa medieval e moderna surge e avança na esteira de uma globalização, assim como a gripe espanhola (ou estadunidense, mais rigorosamente falando) aparece e se espalha num momento de intensa imigração entre a Europa e a América, de imperialismo e grande circulação de oficiais dos exércitos e governos entre o Velho continente, a África e a Ásia. Então, sim, podemos dizer que estas pandemias ocorrem em momentos de expansão e facilitação da circulação de pessoas no mundo, mas não necessariamente que a nossa globalização ou outras anteriores sejam ‘culpadas’ pela existência destas doenças altamente mortíferas.”

A questão essencial não é, portanto, se a globalização é ou não culpada pela pandemia da COVID-19, mas de que forma ela pode contribuir para a luta contra a doença. Se ela é um processo que permite a circulação de bens, capitais e pessoas, deve ser utilizada primariamente para o combate da pandemia, de modo que as necessidades ao redor do globo possam ser atendidas de forma eficiente e cooperativa, e a doença vencida.

Referências:
DE SOUSA SANTOS, Boaventura. A globalização e as ciências sociais. Cortez Editora, 2002.
HELD, David; MCGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Zahar, 2001.
WOODWARD, David et al. Globalization and health: a framework for analysis and action. Bulletin of the World Health Organization, v. 79, p. 875-881, 2001.

*As opiniões contidas no texto pertencem ao(à) autor(a) e não refletem, necessariamente, a posição do UNICURITIBA.

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