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sexta-feira, 8 de março de 2019

Opinião: “FELIZ DIA DA MULHER!” disseram eles, sem refletir.




Por Michele Hastreiter*
 
“FELIZ DIA DA MULHER!” disseram eles, sem refletir.

Mas o Dia da Mulher (ou, talvez possamos dizer, o dia-a-dia de uma mulher) tem muito pouco de feliz. 

O Dia da Mulher não é um dia de celebração da feminilidade, mas sim um dia de conscientização sobre o longo caminho de lutas feministas travadas até hoje, e sobre as mazelas que ainda enfrentamos e contra as quais ainda precisamos lutar. É exatamente com este objetivo que o dia 08 de março foi conclamado, em 1975, pela Organização das Nações Unidas como o Dia Internacional da Mulher.

A origem da data está ligada às lutas operárias contra as péssimas condições de trabalho no período da Revolução Industrial. Neste contexto, teve destaque um incêndio ocorrido em uma fábrica em Nova York em 25 de março de 1911, no qual 146 trabalhadores morreram, sendo 125 mulheres.  Em 08 de março de 1917, um grupo de operárias russas foi às ruas para se manifestar contra a fome e a I Guerra Mundial – em um movimento de protestos que ajudou a impulsionar a Revolução Russa. 

De fato, as conquistas feministas do Século XX foram muitas: o direito ao voto (conquistado no Brasil em 1932), o desenvolvimento da pílula anticoncepcional, a ideia de igualdade perante a lei (cujo marco mais emblemático é o do Estatuto da Mulher Casada, que – apenas em 1962 - aboliu a ideia de incapacidade civil feminina e  retirou do marido o status de chefe absoluto da sociedade conjugal), a proteção a vida e a integridade física (com a Lei Maria da Penha, de 2006 e, mais recentemente, a Lei do Feminicídio de 2015), são alguns dos exemplos mais emblemáticos.



Muitas dessas mulheres mortas e violentadas são culpabilizadas pela violência que sofreram: porque beberam demais, porque foram livres, porque não deram ouvidos ao ciúme doentio alheio, porque esqueceram de se vestir conforme o dress code recomendado por quem pensa que meninas devem vestir rosa e meninos azul.

Além disto, no que diz respeito ao mercado de trabalho, embora tenhamos conseguido uma maior inserção, as mulheres continuam ganhando menos do que os homens – em uma desvantagem que independe da profissão.  Conforme dados divulgados hoje pelo IBGE, em 2018, trabalhadoras de 25 a 29 anos recebiam 87% do rendimento médio dos homens. Na faixa de 30 a 39 anos, elas ganhavam 81,6%. Entre as mulheres de 40 a 49 anos, o percentual baixava para 75%.

Uma das explicações para a menor remuneração – especialmente de mulheres acima dos 40 anos – decorre da percepção, por parte de alguns empregadores, de que as tarefas relacionadas a família e a maternidade podem comprometer a eficiência, a assiduidade e a disposição da mulher em seu trabalho. Seja verdadeiro ou não este argumento, fato é que a desigualdade no mercado de trabalho reflete, também, uma divisão não equitativa do trabalho doméstico. Uma pesquisa divulgada em 2018 pelo IBGE demonstrou que a taxa de homens que lavam a louça só passa de 90% quando estes moram sozinhos.  Quando há uma mulher em casa, menos de 60% dos homens realizam a mais trivial e corriqueira das atividades domésticas. 

Além disto, mesmo quando os homens dividem as tarefas com suas companheiras, a divisão da chamada “carga mental” ainda é desigual. Um célebre quadrinho criado pela cartunista francesaEmma descreveu com perfeição a questão

As mulheres em geral são vistas como responsáveis por gerenciar o lar – incumbindo a elas todo o trabalho de organização mental das tarefas (“Precisamos comprar legumes!”/”Hoje vence o boleto da escola”/”As calças da Mariazinha estão curtas”/”Está na hora de tomar a vacina!” – lhe soa familiar?).  Embora invisível, a organização de tarefas, por si só, é um trabalho exaustivo – que nos obriga a estarmos o tempo todo ligadas e muitas vezes nos impede de relaxar. 

Isso, sem falar, no trabalho emocional: lembrar das datas comemorativas, comprar presentes de aniversários, planejar os encontros com a família... e outras tantas atribuições que geram um dispêndio de energia e seguem sendo atribuições majoritariamente femininas, mesmo em famílias em que as mulheres são responsáveis por uma mesma carga horária de trabalho externo e por 50% ou mais da renda familiar.

E se o debate é família, porque não falar sobre maternidade? A maternidade é, de fato, uma das dádivas de se ser mulher. Gerar um ser em seu ventre, poder amamentá-lo, sem dúvida, é uma experiência intensa e incrível que os homens são biologicamente impedidos de vivenciar. Porém, é preciso lembrar que a maternidade só é uma dádiva quando desejada. Mulheres que não desejam ser mães não deveriam ser obrigadas a sê-lo. Embora a pílula anticoncepcional tenha sido um enorme avanço na consagração dos direitos reprodutivos da mulher, ela não é acessível a todas e tampouco é infalível. Mais do que isto, os efeitos colaterais do uso da pílula são enormes, sentidos por quase todas as mulheres que as utilizam, e afetam diretamente a saúde e a qualidade de vida da usuária. O fardo da contracepção hormonal recai apenas e tão somente sobre a mulher, muito embora não haja registro algum de uma que tenha conseguido engravidar sozinha.

Além disto, a maternidade, por si só, também traz consigo desafios inúmeros: a violência obstétrica e intervenções médicas desnecessárias no parto são a regra  e não a exceção em nosso país; a licença maternidade é curta demais até para se cumprir com o período mínimo recomendado para o aleitamento materno pela Organização Mundial de Saúde, mas longa o suficiente para que percamos oportunidades de ascensão profissional; o aleitamento materno é recomendado, mas não há apoio algum para que as mulheres consigam amamentar quando as dificuldades aparecem; aquelas que conseguem, são obrigadas a se cobrir, se esconder, pois o seio que alimenta é também alvo dos olhares lascivos e de recriminação; a criança é muitas vezes vista como responsabilidade materna exclusiva e a mãe solteira é condenada ao isolamento afetivo e social, e por aí vai...

Todas estas questões evidenciam que há um longo caminho a percorrer e infelizmente, o contexto político recente não nos é favorável. Precisamos, mais do que nunca, estar atentas ao perigo que vem na esquina: basta uma fraquejada para que percamos as conquistas recentes e vejamos a desigualdade se aprofundar.

Assim, embora nossas trajetórias individuais possam ser,  sim, repletas de dias com muita felicidade - no contexto da luta pela igualdade de gênero ainda falta muito para que possamos afirmar ser este, ou qualquer outro, um “Feliz” dia da mulher.

Eu aceito e agradeço os parabéns, os presentes e os chocolates - quem não gosta, afinal?! - mas prefiro respeito, igualdade, segurança e empatia. 

Por isto, antes de desejar feliz dia da mulher a uma mulher hoje, reflita sobre o real significado desta data e sobre o que você pode fazer para melhorar a situação das mulheres ao seu redor.

Às irmãs mulheres que me leram até aqui, vocês são incríveis. Estamos juntas. Resistiremos. 


*Michele Hastreiter é Professora de Direito Internacional Público no Curso de Relações Internacionais. Também é mulher, mãe, feminista e Doutoranda em Direito pela UFPR.
 
As opiniões relatadas no texto pertencem a sua autora e não refletem o posicionamento da instituição.


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