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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Filmografia em destaque: Análise do filme "Eu não sou um homem fácil" e o feminismo nas Relações Internacionais.

Artigo apresentado na disciplina de Análise em Política Externa e Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. As ideias contidas no artigo não expressam a opinião da instituição, mas somente dos seus autores. 

* Bruna Galani
    O que você acharia se existissem propagandas com homens seminus em poses sexualizadas? Se os cargos de liderança nas empresas fossem todos ocupados por mulheres? Se alguém te oferecesse a oportunidade que tanto quer em troca de “favores” sexuais? Se a pressão por um “corpo perfeito” fosse transferida para os homens? Se mulheres saíssem para correr sem camisa e sem a preocupação de serem assediadas?
       É exatamente isso que o filme francês “Je ne suis pas un Homme Facile” (Eu Não Sou Um Homem Fácil), de Eléonore Pourriat, nos mostra de maneira cômica e irônica. Damien, interpretado por Vincent Elbaz, é um machista clássico que carrega todas as características do arquétipo do patriarcado. Ele é um “conquistador” e trata as mulheres como objeto. Além de que acredita existir exclusividades de gênero, como roupas, formas de comportamento, tipos de bebidas para mulheres e dentre outras coisas.
      Porém, após bater a cabeça numa placa das ruas de Paris enquanto assobiava para duas adolescentes na rua, Damien acorda num mundo invertido em que homens e mulheres têm seus papéis trocados de todas as formas possíveis.
      Alexandra, a mulher por quem ele tinha ficado interessado antes da mudança, se tornou a versão feminina dele mesmo. A personagem, interpretada por Marie-Sophie Ferdane, faz com que Damien sinta na pele a consequência de seus atos. Afinal, o que é melhor do que perder os privilégios para captar que eles sempre existiram?
    No início, quando vai a pé para o trabalho e mulheres começam a olhar para suas pernas e bunda, Damien até acha engraçado. Mas, não demora muito para ele não aguentar mais viver no “mundo feminino”. Chega um momento em que procura e apoia os grupos "masculinistas" existentes. Tanto o "masculinismo” de “Je ne suis pas un Homme Facile”, quanto o Feminismo, são movimentos importantes e que carregam a bandeira da igualdade.
    Outro ponto interessante para notar é que a comunidade LGBT do mundo invertido é delineada como a “normalidade” do nosso mundo – existem mulheres de vestido e homens de blazer, além de festas reservadas aos olhos do público, por exemplo. Percebe-se que independente do mundo a sociedade marginaliza o diferente.
    A cena em que Damien está alcoolizado e é assediado física e verbalmente num bar escancara como o contrário choca. No mundo real, chovem notícias de mulheres que passam por situações iguais ou piores que, muitas vezes, passam, lamentavelmente, como algo comum.
     Existem situações mais sutis retratadas no longa que também merecem destaque, como por exemplo, nesse universo às avessas, a carta mais importante no jogo de pôquer é a Rainha e não o Rei.
   De uma forma geral, Eu Não Sou Um Homem Fácil usa dos clichês tradicionais do gênero para construir sua narrativa com o objetivo principal de criticar a sociedade patriarcal, o machismo, a misoginia e a desigualdade de gênero existente.
     O feminismo é um conjunto de movimentos políticos, sociais, ideologias e filosofias que têm como objetivo a igualdade política, econômica e social entre os sexos. Surgiu por volta do século XIX e a história do movimento é dividida em três "ondas".
     De uma maneira geral, pode-se dizer que a Primeira Onda (século XIX e início do XX) contempla principalmente as lutas pelo Sufrágio Universal – direito ao voto, direito à herança e à propriedade. A Segunda Onda (1960-1990) foi marcada pelas reivindicações ao direito reprodutivo e ao mercado de trabalho. Já a Terceira Onda, que se iniciou nos anos 90, tem foco na Ideologia de Gênero.
    Vale ressaltar que o movimento feminista não é homogêneo, pelo contrário, tem uma pluralidade de vozes e se desenvolveu em várias vertentes por diferentes países, uma vez que as realidades das mulheres são diferentes ao redor do mundo.
    Nas Relações internacionais o Feminismo chegou como uma crítica ao mainstream teórico. Promoveu a desconstrução do conhecimento sobre as RI com base no gênero (fez crítica ao realismo moderno; ao desenvolvimento de um debate teórico masculinizado e militarista); e trouxe a reconstrução/construção de teorias que levem em consideração a questão do gênero.
    O Feminismo Empírico trata o gênero ligado ao sexo biológico, ou seja, exploração de gênero seria a exploração da mulher. O Feminismo Analítico aborda o gênero como categoria teórica/analítica para refutar a distinção de gênero, além de compreender seus aspectos nas Relações Internacionais. O Feminismo Normativo traz o processo de teorização como parte da construção de uma agenda de transformação social e política (discurso como um campo de luta); tem o objetivo de mudar valores.
   Existem algumas autoras que merecem destaque, dentre elas Ann Tickner. No livro “Gender in International Relations: feminist perspective on achieving International security.” (1992), fala sobre o comportamento dos Estados estarem baseados em “identidades masculinas”; sobre o poder estar relacionado ao masculino (uma vez que se a mulher adquire poder também adquire comportamentos masculinos para se impor).
     A contribuição de Cynthia Enloe, no livro “Bananas, beaches and bases.” (1990), é sobre a relação entre violência sexual e violência internacional. Ela aborda as mulheres nos casos de estupro e conflitos étnicos.
    Já Christine Sylvester vem com uma teoria pós-moderna em que o objeto de estudo são os atos de linguagem. Traz a psicanálise ao falar que existe uma subconsciência masculina e o seu objetivo é mudar conceitos e sentidos; tentativa de quebra da estrutura falocêntrica.
O Feminismo forneceu novas perspectivas para o mundo acadêmico. Sua importância está justamente em promover questionamentos e mudanças para maior igualdade na sociedade em geral, seja na academia, nas relações entre os países ou no dia a dia de cada pessoa.
    O universo criado por Eléonore Pourriat no filme “Je ne suis pas un Homme Facile” mostra que uma sociedade matriarcal seria tão ruim quanto a patriarcal. A roteirista usa da comédia para abordar assuntos que muitos não levam a sério, como o Feminismo; ela constrói uma obra que promove a igualdade e salienta o fato o gênero ser uma construção imposta.
     É um filme que deveria ser assistido por todos; passado em escolas para os alunos do Ensino Médio e no ambiente acadêmico acompanhado de reflexões sobre suas mensagens. Com um elenco talentoso, Eu Não Sou Um Homem Fácil, é uma experiência de empatia; e entrega, ao mesmo tempo, boas risadas e alfinetadas em todos.


REFERÊNCIAS

SARFATI, G. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

Referências eletrônicas:



* Bruna Galani é monitora da disciplina de Instituições Internacionais e estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 

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