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segunda-feira, 9 de julho de 2018

Bolsa de Mestrado do Governo Sul-Coreano: informações sobre o programa e dicas para o processo seletivo


O aluno Gabriel Thomas Dotta está concluindo o curso de Relações Internacionais neste ano e acaba de ter sido selecionado em um Programa do governo da Coreia do Sul que arcará com todos os custos (passagens aéreas, custos acadêmicos, mesada pra habitação, alimentação etc) para que ele faça seu mestrado naquele país. Ao Blog Internacionalize-se, o acadêmico compartilha informações sobre o programa e dicas para o processo seletivo. 

Parabenizamos o Gabriel por esta incrível conquista e agradecemos por compartilhar sua experiência conosco!

Confira! 


"O Korean Government Scholarship Program (KGSP) é uma bolsa do governo sul-coreano. Tendo sido um dos brasileiros selecionados neste ano (Mestrado em Ciência Política, Kyung Hee University, 2018-2021), e ciente do interesse de muitos acadêmicos na bolsa, além da necessidade de estimular outros mais a buscarem oportunidades similares, esse texto tem por objetivo explicar um pouco mais sobre o programa, seu processo seletivo e, acima de tudo, trazer dicas aos acadêmicos interessados.

            Por meio do KGSP, o governo da República da Coreia (Coreia do Sul) leva estudantes de mais de 150 países para realizarem seu mestrado ou doutorado no país. Ao Brasil são reservadas, anualmente, cerca de doze vagas: seis para a chamada Embassy Track, e seis para a University Track, que serão explicadas em seguida. Por meio da bolsa, o governo provê: passagens aéreas de ida e volta, custos acadêmicos (como matrícula, mensalidade e custos para a impressão da dissertação), um auxílio de cerca de mil dólares por mês (que deve cobrir habitação, alimentação e despesas pessoais), e seguros.

            Para o programa de mestrado, a bolsa dura três anos. No primeiro deles, o acadêmico deve dedicar-se integralmente ao estudo da língua coreana, com aulas diárias custeadas pelo governo. Para o estudo da língua, o governo coreano designa uma cidade no interior. Ao fim dele, o acadêmico deve comprovar sua proficiência no idioma para, então, nos anos seguintes, realizar o mestrado escolhido, seja ele onde for. 

            Os critérios de elegibilidade dos candidatos são que sejam nacionais de um país contemplado (como o Brasil), que dominem a língua inglesa, que tenham terminado a graduação ou estejam em seu último semestre, e que tenham o GPA (média de notas de todas as disciplinas da graduação, ponderada por créditos) acima de 80%. Podem participar do programa acadêmicos de qualquer área do conhecimento, contanto que encontrem um mestrado compatível em alguma universidade coreana.

            Segundo o edital, são priorizados estudantes de ciências materiais e naturais. No entanto, neste ano a grande maioria dos estudantes escolhidos foram das ciências sociais (Relações Internacionais, Comunicação, Psicologia, Design e outros). Por isso, a priorização de algumas ciências não exclui bons candidatos das demais áreas.

            O processo seletivo inicia-se, tradicionalmente, ao fim do mês de fevereiro ou início do mês de março, sendo o resultado final divulgado em junho e o embarque para a Coreia ocorrendo ao fim de agosto, para início dos estudos em setembro.

            Existem duas formas de se inscrever para o programa, sendo que metade das vagas é reservada para cada uma das formas. A primeira é a chamada University Track. Nesse sistema, o aluno escolhe uma (e somente uma) instituição e curso que pretende cursar na Coreia e submete sua inscrição diretamente a esta universidade. Se o estudante for aprovado pela universidade, passa para uma segunda e última etapa: a análise pelo NIIED (Instituto Nacional para Estudos Internacionais, departamento do Ministério da Educação da Coreia). Sendo aprovado nessa segunda etapa, recebe a bolsa e estudará na universidade a que submeteu a inscrição na primeira etapa.

            A segunda forma é a Embassy Track (a que escolhi), em que o processo seletivo tem três etapas. O maior diferencial é que o acadêmico pode escolher três opções de instituições. A primeira etapa é feita pela Embaixada da Coreia no Brasil, a segunda pelo NIIED e a terceira pelas três universidades escolhidas. Se for aprovado em ao menos uma universidade, recebe a bolsa e deve estudar naquela instituição; se for aprovado em duas ou mais, recebe a bolsa e pode escolher em qual delas quer estudar.

            Assim, a principal diferença está na primeira etapa, que costuma ser a mais criteriosa. No University Track, o principal crivo é feito por uma universidade escolhida; no Embassy Track, é feito pela Embaixada. Em ambos os casos, depois disso é que se passa pelo NIIED. Não existe um sistema mais fácil ou mais difícil. Em linhas gerais, o University Track é mais recomendado aos estudantes que já tenham conhecimento suficiente sobre o departamento da instituição a que querem se inscrever (por exemplo, Departamento de Relações Internacionais da Universidade X, seus professores, principais linhas de pesquisa, critérios de seleção etc.) e estejam seguros de que seu perfil esteja adequado àquela universidade específica, que será sua única opção.

            A inscrição é feita por meio do envio de um conjunto de documentos discriminados em edital publicado pelo NIIED (no caso do University Track, envio diretamente à universidade na Coreia, e no caso do Embassy Track, envio à Embaixada em Brasília). Em ambos os casos, o envio é feito uma única vez, para a primeira avaliadora. Para as etapas seguintes, o mesmo conjunto de documentos é repassado entre as instituições avaliadoras. No University Track, depois da análise de documentos, é feita uma entrevista (por Skype ou telefone) com a universidade. No Embassy Track, é feita uma entrevista (por telefone) com a Embaixada na primeira fase, e, normalmente, novas entrevistas na terceira fase com as universidades escolhidas.

            Os documentos para a inscrição são: documentos “burocráticos” gerais (diploma ou certificado de futura conclusão do curso, comprovante de nacionalidade do candidato etc.); uma carta falando sobre si e seu interesse no programa; uma carta com o projeto de pesquisa; uma carta discorrendo sobre “planos futuros após o término do programa”; duas cartas de recomendação de fontes acadêmicas; histórico acadêmico; e outros documentos opcionais (mas altamente recomendáveis): certificado de proficiência em língua inglesa, publicações científicas, e prêmios ou certificados em geral que o candidato julgue pertinentes. No caso do Embassy Track, cada documento deve ser enviado em quatro vias: uma para a Embaixada e NIIED, sendo as outras distribuídas pelo NIIED às três universidades de interesse.

            Todas essas informações, e muitas outras, encontram-se devidamente expostas no edital publicado anualmente (em inglês), normalmente em fevereiro, pelo NIIED. Ao fim do texto consta o link do edital, FAQ e formulários do processo seletivo de 2018 (raramente há qualquer alteração entre um ano e outro).

            Antes de partir para dicas a respeito do KGSP, é importante mencionar que o governo coreano não é o único que possui bolsas desse caráter. Infelizmente, costumamos olhar apenas para o eixo Europa-América do Norte, mas a Ásia e também outras regiões costumam oferecer bolsas muito atraentes (normalmente, mais que as dos governos ocidentais) para acadêmicos do mundo todo, além de serem regiões com contribuições inestimáveis tanto em conhecimento científico quanto cultura, e serem crescentes polos internacionais. O governo japonês, por meio da bolsa MEXT, e o governo chinês, com a bolsa CSC, ambos têm abordagens similares a do KGSP: cobertura integral de custos, para mestrado ou doutorado, incluindo um período para o estudo da língua. Ao fim do texto constam links para essas duas bolsas, também. 

            As dicas que dou aos interessados no KGSP são de dois tipos. O primeiro é pensado no longo prazo: atividades a serem feitas no tempo hábil anterior ao período de inscrição da bolsa e que devem ter grande efeito na avaliação durante o processo seletivo. O segundo diz respeito à inscrição em si: documentação, entrevistas etc.

            Aos que ainda têm tempo na graduação, a principal dica que dou é atenção aos estudos e às notas. Bem sabemos que o sistema de avaliação universitária é bastante débil e injusto. Porém, o GPA ainda é visto como um dos principais critérios de seleção na bolsa. Isso não quer dizer que aqueles que tenham o IRA entre 8 e 9 não tenham chance no programa (especialmente se se destacarem em áreas como atividades extracurriculares), mas sim que, quanto maiores suas notas, maiores suas chances com a bolsa. Por isso, é primordial tentar manter notas altas ao longo da graduação.

            Outra dica é que se dediquem a atividades extracurriculares ao longo ou após a graduação. Minha principal recomendação é que tentem publicações em revistas. Embora o envio de publicações não seja obrigatório, é muito bem visto. O mesmo se aplica a apresentação de pesquisas em eventos acadêmicos. Outras atividades também são importantes: centro acadêmico, voluntariado em ONGs, monitoria e também estágio – tudo isso pode entrar na seção “awards” da inscrição e é muito bem visto. Essas atividades indicam o potencial do candidato de “aplicar” o conhecimento adquirido durante seus estudos, além de provar sua capacidade de engajamento acadêmico.

            Também recomendo que os interessados busquem, de alguma forma, se engajar em atividades relacionadas à Coreia (ou Japão ou China, no caso das outras bolsas), como eventos promovidos pela Embaixada ou mesmo pesquisa acadêmica que se relacione ao país. Isso mostra que sua decisão em se inscrever no programa foi pensada com antecedência e que você tem conhecimento acerca do país.

            Passo agora a dicas para a inscrição em si. A dica, de longe, mais importante que dou é: seja “pragmático” – reflita sobre os objetivos, declarados ou não, do governo estrangeiro com aquele programa, que envolve vultuosos recursos, e adapte sua inscrição a isso. No KGSP, os objetivos declarados em edital são “promover as trocas internacionais no âmbito da educação” e “fortalecer os laços de amizade entre os países”. A isso se somam alguns objetivos tácitos que podemos presumir, como a propagação da boa imagem da Coreia do Sul no mundo e a promoção do desenvolvimento dos países parceiros. Tenha isso em mente em todo o processo seletivo – na seleção dos certificados, na decisão do objeto de pesquisa, na redação das cartas e nas entrevistas. 

            Nas cartas, encontre uma forma de demonstrar que sua participação é adequada aos interesses do governo sul-coreano: que, no futuro, você conseguirá contribuir para o alcance da academia coreana; que sua atuação terá um “efeito multiplicador” do aprendizado adquirido; e que de alguma forma contribuirá para as relações entre a Coreia e o Brasil. Suas experiências anteriores à inscrição são as melhores formas de se demonstrar tais potenciais. No âmbito do projeto de pesquisa, pense, por um lado, na expertise daquele país no tema, e, por outro, na relevância social desse tema para o Brasil. Pouco adianta um projeto cientificamente ótimo se o governo daquele país o considere de pouca relevância internacionalmente, ou se naquele país o tema tiver pouco espaço nos debates acadêmicos. No caso da Coreia, um (mas não o único) tema clássico nesse sentido, no âmbito das ciências sociais, é o desenvolvimento. 

            O segundo ponto de maior importância é: tenha todo o cuidado do mundo com a parte “burocrática” da inscrição. Quais documentos devem ser enviados, em quantas vias, validados de qual forma (tradução, autenticação etc.), separados de qual forma, dispostos em qual ordem etc. A organização dos documentos, conforme trazida pelo edital, é extremamente minuciosa e deve ser seguida de forma rígida. A Embaixada já se pronunciou em um comentário dizendo que há candidatos muito bons, mas que são preteridos por pequenos erros na organização da documentação.

            Outro ponto extremamente importante, e que está associado à dica acerca dos objetivos do programa, é demonstrar que você possui amplo conhecimento acerca do país. Isso pode ser feito de várias formas: por meio da exposição de experiências prévias relacionadas ao país, na sua justificativa do porquê de estar interessado no programa etc. Isso está associado tanto ao objetivo de contribuir para a projeção internacional do país no futuro quanto à garantia de que não haja a desistência na bolsa. A título de exemplo, em um comentário a Embaixada disse uma vez que “há candidatos academicamente muito aptos, mas para os quais falta o ‘elemento Coreia’”.

            No meu caso, pesou muito o fato de ter tido uma experiência passada no país, também em razão de bolsa de pesquisa do governo. No entanto, dos selecionados deste ano apenas eu e outra candidata já receberam alguma bolsa desse tipo, e vários dos candidatos nunca estiveram na Coreia – mas de alguma forma mostraram conhecimento acerca do país, por exemplo, por meio de suas pesquisas ou participação em eventos.

            Também é interessante mostrar que você não terá dificuldade excessiva no aprendizado da língua ou na adaptação à cultura. Caso tenha alguma experiência prévia no exterior – mesmo que apenas a turismo – ou mesmo de convivência em ambientes internacionais no Brasil, e/ou no aprendizado de alguma língua estrangeira além do inglês, estas são ótimas formas de se demonstrar isso.

            Além de, sempre que possível, enviar certificados relacionados às questões que coloquei, não hesite em trazê-las ao longo da redação das cartas – associando-as expressamente aos objetivos do programa e a questões que presumimos serem de interesse ou preocupação do governo coreano. Acredito que seja muito bem visto pelo governo o fato de o candidato estar ciente dessas questões “tácitas”, como a supremacia dos objetivos do programa, a adaptabilidade e o conhecimento sobre o país.

            Uma dica final é: pesquise bastante acerca do programa. Leia os posts passados da Embaixada sobre a inscrição, as interações da Embaixada com os candidatos no facebook e procure vídeos no youtube de pessoas que receberam a bolsa e dão dicas sobre a seleção. Embora cada caso seja sempre um caso, é bastante útil ter em consideração o máximo de experiências positivas passadas que se puder.

            Por fim, é importante colocar que essas dicas são baseadas em minha experiência com o processo seletivo. Não há uma “fórmula de ouro” para a inscrição, e entre os aprovados deste ano constam pessoas bastante diversas. Acima de tudo, é importante que cada um tenha ciência de seus pontos fortes e fracos, e a partir de uma leitura criteriosa do edital, molde sua inscrição com base nisso – tendo sempre em horizonte o objetivo de convencer os avaliadores de que se é “um bom investimento” no contexto do programa. Me coloco a inteira disposição para tirar dúvidas específicas dos interessados e espero que cada vez mais pessoas se interessem pela educação nesses países".

Gabriel Thomas Dotta - gabriel_dotta@hotmail.com

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