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sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: Os Jogos de Poder e a Crise do Catar



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Os Jogos de Poder e a Crise do Catar

Nemésio X. de França Neto *

O presidente estadunidense Donald J. Trump fez da Arábia Saudita a sua primeira parada em uma recente viagem ao Oriente Médio. Não muito depois de sua partida de Riad, teve início uma das tensões mais duras do Golfo Pérsico se espalhasse por uma desordenada e perigosa fronteira. 

No começo de junho deste ano de 2017, vários estados árabes – incluindo a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein, o Egito e o Iêmen – cortaram todos os laços diplomáticos e econômicos com um pequeno estado do Golfo, o Catar. Esses países acusaram o Catar de canalizar dinheiro para grupos terroristas islâmicos, no conjunto em que inseriram grupos como a Irmandade Muçulmana, e de manter laços inadequados com o Irã. O próprio presidente Trump estava “apimentando” a rivalidade, por meio do Twitter, apoiando o bloco liderado pela Arábia Saudita - apesar do papel indispensável do Catar nas operações militares dos Estados Unidos na região. Os aviões que bombardeavam os alvos do Estado Islâmico, também conhecido como DAESH, na Síria decolavam da Base Aérea Al Udeid no Catar, que é a sede do Comando Central dos Estados Unidos na região.

O colapso diplomático pode parecer estranhamente familiar em seu elenco de personagens.

O conflito está enraizado na Primavera Árabe, movimento de grande turbulência social e política no Oriente Médio. Naquela ocasião, entre os anos de 2011 e 2013, o Catar apoiou grupos islâmicos no Egito e na Síria, que se posicionaram muito mais solidários em geral com as revoltas. Com o contragolpe no Egito em 2013 que derrubou o governo eleito após a Primavera, e as guerras civis na Líbia e na própria Síria, os governos da Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (que temeram muito que as revoltas poderiam se espalhar para o Golfo) querem que o Catar nunca esqueça que chegou a apoiar o “cavalo errado” de uma certa forma. 

Essa sanção não é nova. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (EAU) e o Bahrein fizeram o mesmo com o Catar em março de 2014, e as relações permaneceram interrompidas por nove meses. O que é diferente agora é que vários outros países se juntaram. Eles também fecharam ligações aéreas, terrestres e marítimas com o Catar e ordenaram que seus próprios nacionais deixassem o Catar e ordenaram que os catarianos deixassem seus países também. Então, pode-se afirmar que desta vez eles foram muito mais além que 2014. 

O Catar depende das importações por terra e mar para as necessidades básicas de sua população de 2,7 milhões de habitantes, já que cerca de 40% da sua comida entra pela fronteira terrestre com a Arábia Saudita. No primeiro momento da aplicação das sanções, as prateleiras de supermercados em Doha, capital do país, foram esvaziadas de suprimentos básicos, mas o apuro rapidamente terminou depois que a Turquia e o Irã começaram a enviar comida por via aérea e marítima. O Qatar possui uma das mais pequenas forças armadas da região. Seu orçamento de defesa de US$ 1,9 bilhão representa 3,4% da Arábia Saudita (US$ 56,7 bilhões) e têm menos soldados, tanques e aeronaves do que Bahrein ou Emirados Árabes Unidos.

O Catar também é sede da rede de comunicações árabe Al Jazeera, o que lhes deu um perfil global de alcance e de comunicação, e acabaram de ganhar os direitos de hospedagem da Copa do Mundo de Futebol do ano de 2022. 

Em 22 de junho deste ano, a Arábia Saudita e os EAU apresentaram 13 pontos ao Catar em troca de finalizar as restrições. Entre eles, estão questões como encerrar os laços diplomáticos com o Irã e fechar as suas missões diplomáticas naquele país; parar todo o financiamento para pessoas ou organizações designadas como terroristas pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Bahrein, Estados Unidos e outros países; desligar a Al Jazeera e outros mercados de notícias financiados pelo Catar; e alinhar com outros países árabes de forma militar, política, social e econômica.

Em entrevista ao “Programa Plural – Terrorismo na História” do dia 16/06/2017 da UFPR TV, o Prof. Dr. Andrew Traumann explica “que existe um grupo, um bloco econômico chamado Conselho de Cooperação do Golfo que estava agindo junto para pressionar o Irã. Quando Donald Trump foi a Arábia Saudita onde fez um negócio com o rei saudita de US$ 110 bi, disse que esses países têm que controlar os terroristas e pressionar o Irã. O Catar era o único país do bloco que teve uma postura mais ponderada, pois o Catar têm relações comerciais com o Irã que sempre foi seu parceiro no comércio de petróleo e gás”.

“Dentro do Catar”, continua o professor, “fica a Al Jazeera, uma das principais redes de TV do mundo e a principal rede de TV árabe, que é odiada por todos esses governos da região, pois a Al Jazeera crítica todo esses governos. A Al Jazeera critica de uma forma independente tanto o governo da Arábia Saudita tanto quanto o governo egípcio. (...) Tem toda aquela questão também da Síria que o Irã apoia o Bashar al-Assad e a Arábia Saudita estar apoiando o Estado Islâmico; os grupos rebeldes ao governo Bashar al-Assad e você tem outro confronto por enquanto somente por pressões econômicas mas que pode progredir para outros âmbitos.”

Em suma, é possível dizer que outro grande jogo de xadrez no Oriente Médio brotou. Muitos interesses estão envolvidos, sejam eles econômicos, políticos ou até mesmo religiosos. 

O Catar está muito mais próximo do Irã e, ao mesmo tempo, é o anfitrião do Comando Central dos EUA. A riqueza do país vem da sua posse do maior campo de gás do mundo, que não está associado a um campo petrolífero. Mas esse campo de gás está no meio do Golfo Pérsico; ele se encaixa na fronteira Catar-Irã, e o Irã detém a posse de uma parte desta jazida. Eles não fariam nada que pusesse em perigo os campos petrolíferos que construíram. Por outro lado, se o bloqueio da Arábia Saudita continuar por semanas e meses, isso causará danos reais à economia catariana. O Catar possui um limite de terra com a Arábia Saudita e além da importação de alimentos que passa por esta fronteira, assim como todos os materiais de construção para os megaprojetos da Copa do Mundo. Então, os catarianos terão de pensar sobre o tipo de concessões que poderiam oferecer.

Sendo assim, usando os conceitos estudados no Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional e toda essa questão do Catar, podemos fazer uma conexão de como toda essa pauta tange na esfera da sua rede de conflitos, seja elas de uma maneira por sanções ou até mesmo no futuro dependendo do desenrolar, um possível conflito armado. A questão em foco é refletir principalmente sobre a posição da Arábia Saudita que financia grupos terroristas de ideologia wahabita e sempre foi uma grande parceira dos interesses dos EUA na região, além da disputa de influência com o Irã, que é o maior país xiita da região e historicamente detém laços com a Rússia. Assim, os pontos das redes e o poder do Sistema Internacional novamente são colocadas em conflito.


* Nemésio Neto é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membros dos Grupos de Pesquisa "Conflitos no Oriente Médio e Norte da África" e "Redes e Poder no Sistema Internacional".

Um comentário:

  1. Conteúdo bastante interessante e pode ficar ainda melhor se for submetido a uma rigorosa correção gramatical.

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