Páginas

terça-feira, 13 de junho de 2017

Análise em Relações Internacionais e Política Externa: A luta de Warris Dirie (ex-modelo e embaixadora da ONU) pela erradicação da mutilação genital.

Artigo apresentado na disciplina de Análise das Relações Internacionais e Política Externa no curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon.

 Por: * Bianca Bartholo Fabbri


O INICIO DA HISTÓRIA

O artigo conta de forma breve a vida de Waris Dirie, ex modelo, e hoje embaixadora da ONU na luta pela erradicação da mutilação genital, e mostra como a teoria construtivista é aplicada na sua vida e história.
Waris Dirie nasceu em 1965 em  Galkayo, Somália. Em relatos de sua história, ela discorre sobre a sua infância, na vila aonde vivia, cercada de animais e natureza. Desfrutava de uma vida, segundo ela, de liberdade e felicidade. 
            Não demorou muito para que ela percebesse a difícil vida que teria que enfrentar, a vida que era e ainda é destinada a maioria das meninas que vivem inseridas naquela realidade. Em grande parte dos países africanos as mulheres fazem a maioria do trabalho, e de forma inversamente proporcional, tem pouco poder na hora da tomada de decisões, não tem voz nem na hora de tomar decisões que impactem sua própria vida, como a escolha  de um marrido.
Questões, como por exemplo, mutilação genital[1], era algo corriqueiro para Waris, pois se tratava de uma prática extremamente comum. Não se sabia exatamente em que consistia, apenas que o ritual da mutilação era algo mágico, quando as meninas finalmente se tornariam mulheres, e que seria responsável pela remoção de partes sujas e indesejadas do seu corpo, que as deixariam mais desejaveis na hora de encontrar um marido. As despesas relacionadas e esta prática eram muito altas, mas consideradas um bom invetimento, que tornaria suas filhas aptas a conseguirem bons casamentos, algo considerado de extrema importância.
Para Waris, o ritual não demorou a se tornar realidade. Com apenas cinco anos, com o aval dos pais, ela foi mutilada, na sua própria casa. A dor foi tanta que não demorou que ela desmaiasse, o que não impediu que as lembranças ficassem, como ela mesma conta nos relatos de sua vida[2]:

A próxima coisa que eu senti foi minha carne sendo cortada. Eu ouvi e senti a lâmina indo e vindo pela minha pele. O sentimento foi indescritível. Eu não me mexi, dizendo para mim mesma que quanto mais eu o fizesse, mais tempo duraria aquela tortura. Infelizmente minhas pernas começaram a se mexer de forma descontrolada, e eu orei, por favor, Deus, permita que isso acabe rápido. Logo aconteceu, porque eu desmaiei.

Por conta de sua mutilação, Waris acabou sofrendo muito. Porém ela mesma reconhece que teve muita sorte, pois foi uma sobrevivente. Grande parte das meninas acabam morrendo de sangramentos, infecções e tétano, por conta das condições precárias e da forma que o procedimento é feito.

O CASAMENTO

 Casamentos arranjados são muito comuns em comunidades africanas, e constituem ai um grande problema. Meninas que não chegam nem a atingir a adolescência são entregues a homens muito mais velhos, que tem muitas vezes, idade para serem seu avôs. Com Waris não foi diferente. Quando completou treze anos, seu pai anunciou que finalmente tinha encontrado um marido para ela, um homem com mais de sessenta anos e que lhe daria cinco camelos em troca da filha. Nesse momento, ela percebeu que teria que fugir, caso quisesse sair da vida que lhe tinha sido imposta e previamente determinada. Foi então que naquela mesma noite, com ajuda de sua mãe, ela fugiu.  


DESERT FLOWER FOUNDATION 

Após fugir de casa, Waris foi parar em Mogadishu, capital da Somália e também cidade onde morava sua irmã e alguns familiares. Surgiu então a oportunidade de ela ir para Londres, trabalhar cuidando e limpando a casa de seus tios. Foi ali porém que a sua vida começou a mudar, e depois de alguns anos trabalhando naquela casa, ela foi descoberta como modelo. Não demorou para que sua carreira decolasse e ela ficasse conhecida, aparecendo em diversos comerciais e revistas.
            Mal sabia Waris que não demoraria para que outra mudança radical acontecesse em sua vida, mudança que começaria graças a uma entrevista concedida a uma revista de moda[3], onde segredos mais profundos de sua vida, como a mutilação que ela sofrera aos cinco anos, seriam revelados. No dia seguinte à sua entrevista, o sentimento era de alívio e embaraço. Agora as pessoas sabiam aspectos pessoais da sua vida, que lhe traziam dor e lembranças. Foi neste momento que ela percebeu que deveria falar mais abertamente sobre sua circuncisão; Primeiramente este era um aspecto que a incomodava profundamente. Além disso existiam vários problemas de saúde que ela ainda enfrentava por consequência, ela nunca tinha conhecido os prazeres da vida sexual, além de se sentir incompleta. Milhares de meninas ainda sofrem com esta prática nos dias de hoje, e ela passou a se sentir no dever de fazer algo sobre.Logo começaram a vir mais entrevistas, palestras em comunidades, escolas, organizações, e qualquer outro lugar onde ela pudesse ser ouvida, onde o problema pudesse vir a tona.
            Em 1997, uma fundação vinculada a ONU convidou Waris a se juntar a luta contra a mutilação genital feminina (FGM). Este tipo de mutilação é praticada em 28 países africanos. Esta prática já atingiu mais de 130 milhões de meninas e mulheres ao redor do mundo.A estimativa é que, por ano, 2 milhões de meninas venham a ser vítimas da prática.Estes dados alarmantes publicados pela organização mundial da saúde, fizeram com que ela entendesse que este não era apenas um problema dela. Foi então que orgulhosamente o convite feito pela ONU foi aceito, e ela se tornou embaixadora para a abolição do FGM, e lutar contra algo, que nas palavras dela, seria um crime, se tornando uma importante ativista dos Direitos Humanos. Além disso, um filme e um livro contando a sua história forma publicados, alcançando milhares de mulheres[4].
            Com o passar dos anos, o trabalho de Waris obteve reconhecimento mundial, sendo inclusive reconhecido por presidentes de países europeus e africanos (Premios como “Bischof Oscar Romero Preis” pela Igreja Católica 2005 em e “Chévalier de la Légion d’Honneur” entregue pelo ex presidente francês Nicolas Sarkozy,em 2007) Em 2002 ela cria a sua própria organização, a Desert Flower Foundation, com sede em Viena. O objetivo da fundação é o lançamento de campanhas públicas de conscientização  contra a mutilação genital, e apoiar campanhas existentes. Além do apoio direto que é oferecido ás vítimas, e um completo serviço de informações que é oferecido através de plataformas. Até o momento, mais de 60.000 pessoas foram beneficiadas e alcançadas pela fundação. Outro projeto criado um pouco mais tarde, o “The Africa Found- Invest in Africa” é um fundo que investe em empresas africanas que promovem o crescimento sustentável da África, e também em empresas na sua fase inicial. Desta forma o fundo procura proporcionar as mulheres empregos e renda , lhes dando mais independência e melhorando seus status social, para que a mentalidade dessas mulheres mude, e elas não submetam suas filhas e as futuras gerações a práticas como o FGM e casamentos forçados.

A HISTORIA DE WARIS, E A TEORIA CONSTRUTIVISTA

            Apesar de ter o nome de teoria, o construtivismo dentro da Relações Internacionais, deve ser pensado como forma de raciocínio, já que ele salienta dimensões culturais e de  identidade, ignoradas pelas perspectivas tradicionais.
            Como o nome nos mostra, o construtivismo se baseia na ideia de que a realidade é socialmente construída, e as estruturas internacionais se definem por ideias compartilhadas, o os interesses dos atores, no âmbito internacional ou não, são construídos de acordo com tais ideias. Isso significa dizer que as ideias tem um papel fundamental na constituição da realidade, interesses e identidade.
            O construtivismo vem para se contrapor a todas as teorias vigentes na época, que considerava apenas questões materiais e normas dos estados, mas que excluíam fatores imateriais como os valores das sociedades, suas interações, cultura, religião, que são a base dos indivíduos e nações, e que portanto, influenciam diretamente nas ações deles e na forma como fazem política .
       Em resumo, segundo Nicholas Onuf, grande teórico construtivista, as próprias pessoas, sendo policy makers ou não, possuem uma enorme relevância como agentes de mudança e manutenção da estrutura, o que acontece muitas vezes através de discursos, que representam as verdades existentes no mundo.
            Este é exatamente o caso da vida de Waris Dirie, e o papel que ela representa na comunidade internacional. Através de seu discurso e do fato de sua história ter sido contada abertamente, questões como mutilação genital, e a cultura imposta pelo patriarcado, na África, passaram a ser melhor conhecidas e ouvidas, e puderam ser a porta de entrada para o inicio de uma ação, algo mais concreto. Aos poucos, a vida de meninas e mulheres vem sendo impactada, e outra realidade pode ser apresentada a elas. O início de uma mudança gradual, de um sistema e de uma realidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




[1] Prática ocorrida principalmente no Oriente Médio e África, onde acredita-se que meninas que tem seus lábios vaginais e clitóris removidos, se tornam mais bonitas, sexulamente desejáveis, além de terem questões morais e de virgindade garantidas.
[2] The Female Genital Cutting Education and Networking Project, Testimonies, The Waris Dirie Story
[3] Entrevista conceida a Laura Ziv, da revista Marie Claire, em 1999.
[4] O livro “Flor do Deserto” foi publicado em 1997, e em 2010 foi lançado um filme, com o mesmo nome.

Bianca Bartholo Fabbri: estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário