Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela profa Dra Janiffer Zarpelon.
Por: Tiago
Viesba Pini Inácio
Waltz
é o fundador da teoria Neorrealista ou Realismo Estrutural – onde faz uma
reinterpretação da teoria Realista – na qual, o enfoque do sistema
internacional permanece sendo o Estado (ator racional e unitário), são
desenvolvidas leis sobre as relações internacionais e chega se ao entendimento
do caráter peculiar e estrutural do sistema internacional. Em sua obra de doutorado, Waltz procura
examinar sistematicamente a pergunta fundamental das Relações Internacionais:
Qual a causa da guerra? A resposta é caracterizada em três níveis de análises
ou “imagens” e, dessa forma, o autor discute como podem ser classificadas as
teorias de política internacional. Para ele, as teorias que se concentram em
indivíduos (primeira imagem) ou nações (segunda imagem) como nível de análise
são reducionistas, enquanto as que focam o sistema internacional (terceira
imagem) são sistêmicas.
Levando
se em consideração as teorias reducionistas, Waltz em um primeiro momento
utiliza a primeira imagem para tentar explicar as guerras, assim, os conflitos
internacionais seriam causados pelo comportamento dos indivíduos. Com essa
relação entende se que as guerras são causadas pelo egoísmo e pelos impulsos
mal direcionados dos seres humanos, entretanto o autor, ainda em sua análise, propõe
uma solução para a questão: se estas são as causas primarias dos conflitos,
então, a sua eliminação, deve ser orientada pelo esclarecimento dos homens ou
por meio de reajustes morais e sociais com a inserção de valores culturais e da
religião para modificar o comportamento humano. Com essa primeira conclusão o
autor faz uma crítica à teoria do estado de natureza, entendendo que as ações
humanas não são as causas das guerras, pois, tais valores já estão inseridos
dentro das diversas sociedades e mesmo assim, os conflitos ainda são uma
realidade dentro do sistema internacional. Ainda dentro das teorias reducionistas,
mas já em um segundo momento, o autor pensa como explicação para as guerras a
segunda imagem, assim sendo, os Estados, mas, mais especificamente a sua
organização interna, seriam a chave para se compreender os conflitos, ou seja,
a ideia geral seria de que Estados com defeitos causariam guerras. A solução
apontada pelo autor é que bastaria à reforma dos Estados, ou seja,
transformá-los em democracias capitalistas para eliminação dos conflitos. Com
essa segunda conclusão o autor, mais uma vez, não chega a uma imagem que se
caracteriza pela causa das guerras, pois, mesmo Estados democráticos e
capitalistas entram em ações militares contra outros Estados.
Já
levando se em consideração as teorias sistêmicas e a terceira imagem, o sistema
internacional, Waltz conclui que a guerra é causada pela anarquia internacional
e pela guerra de todos contra todos, em que os Estados que sobrevivem dentro do
ambiente internacional são os que conseguem recursos para a manutenção do seu
status quo (um verdadeiro darwinismo político). Dessa forma, há um enfoque na
estrutura política, pois, o conflito ocorre simplesmente, segundo o autor,
porque não há um poder superior ao dos Estados e, deste modo, o uso da força
estaria sempre presente para a solução dos choques de interesses (ou seja, a
análise do sistema é o que impacta sobre os Estados como um todo). Mas o que significa uma visão sistêmica?
Segundo Waltz, é preciso olhar as propriedades e interações das partes, bem
como os elementos se organizam. Assim, a forma de organização dos elementos
altera o comportamento e as interações entre as unidades e, portanto, em
relações internacionais, haveria a necessidade de se usar uma visão sistêmica
para se compreender a estrutura internacional.
Entendidas
estas premissas iniciais, parte se para uma diferenciação do Realismo Clássico
do Neorrealismo de Waltz: o primeiro tem como principal variável do sistema
internacional o poder (representa um fim em si mesmo) e este, aliado à
orientação expansionista dos Estados, seriam os principais responsáveis pelas
rivalidades constantes dentro do ambiente internacional, outro ponto, é que os
Estados sempre buscam maximizar seu poder em busca do interesse nacional, a
partir de uma situação de soma-zero onde o acréscimo de poder de um Estado resulta
no decréscimo do poder dos demais; já o Neorrealismo tem como principal
variável a sobrevivência (o poder é um instrumento, um meio) e o Sistema de
Estados é definido como um conjunto de unidades em interação criando uma estrutura
.
Assim
sendo, um sistema pressupõe unidades (Estados Nacionais), uma interação
(comunicação entre os atores) e uma Estrutura (mecanismo de regras que guiam o
comportamento dos Estados). O que caracteriza cada uma dessas partes?
Estrutura: é definida
pela disposição das partes no sistema e pelos princípios dessa disposição. Para
a formação de um sistema que reduza a variedade de comportamentos dos atores e
resultados é necessário, em primeiro lugar, uma socialização, onde o que
importa é a interação das unidades entre si e não como estão dispostas, pois
isto é uma propriedade do sistema, e a partir dessa interação, estabelecem a
estrutura - sistema de regras e mecanismos que ditam as regras de conduta a
serem seguidas pelos próprios Estados dentro do sistema internacional – e, em
segundo lugar, a competição, aonde ocorre à manutenção dessa estrutura pela
disputa dos próprios Estados - os sistemas competitivos são regulados pela
racionalidade dos atores mais bem sucedidos, ou seja, os Estados não são livres
e a competição se da no nível da racionalidade dos polos do sistema; Unidades:
são os Estados que devem procurar promover sua própria segurança; e Interação:
definida pela distribuição dos poderes entre as unidades (das capacidades).
Quais seriam as características que criam essa
estrutura? Segundo o autor, a estrutura é definida por três características, em
primeiro lugar pelo principio da ordenação (ou seja, como essa estrutura é
ordenada) e em segundo lugar as especificações das funções das unidades do
sistema (a divisão do trabalho, esta é diretamente vinculada ao princípio da
ordenação). Pode haver dois possíveis Sistemas de ordenamento: o Hierárquico
(caracterizado pelo princípio da subordinação), em que há um Estado ou órgão
superior que dita às regras da estrutura, a qual irá apresentar um alto grau de
especialização do trabalho onde cada região se especializará em uma atividade,
essa divisão das tarefas é feita pelo órgão supremo com o intuito de reduzir os
custos das atividades; ou o Anárquico (caracterizado pelo princípio da
coordenação), representado pela atual estrutura do sistema internacional, em
que apesar dos Estados serem iguais juridicamente, existe hegemonias que
influenciam o sistema - para Waltz, existem atores não estatais na política
internacional, entretanto, eles não são relevantes para a sua compreensão
porque não podem alterar a estrutura internacional. Ou seja, a estrutura é
definida pelos grandes atores e não pelos pequenos. Dessa forma, a estrutura
apresenta um baixo grau de especialização, em um contexto de self-help, onde todos
os Estados procuram realizar as mesmas atividades o que gera um alto grau de
competição.
Segundo
Waltz, no Sistema Hierárquico, as unidades preferem maximizar seus ganhos
mediante a especialização e a cooperação. Especializam-se em atividades que
melhor executem a custos mais baixos, disponibilizando o excedente de recursos
e serviços para as outras; por haver uma entidade reguladora central há
garantia de cumprimento dos contratos, contudo esse alto grau de
interdependência gera uma maior vulnerabilidade, além disso, o custo de quebrar
a relação de interpendência seria muito alto. Os Estados dependeriam muito uns
dos outros devido as diferentes tarefas que desempenham e aos diferentes bens e
serviços que produziriam e trocariam. Outra critica feita pelo autor, principalmente
em relação a ONU, é que esse órgão não seria autônomo e tenderia a agir de
maneira arbitraria, principalmente, devido ao seu financiamento pelas potências.
Já em relação ao Sistema Anárquico, o contexto de self-help é baseado no
interesse próprio e garantiria a própria segurança, além disso, a não execução
de atividades imprescindíveis implicaria numa posição de vulnerabilidade da
unidade.
E
a última característica que define estrutura, segundo Waltz, é a distribuição
das capacidades: os estados são parecidos nas tarefas que enfrentam, apesar
disso, alguns têm maior capacidade de realiza-las devido ao tamanho de sua
população e de seu território, obtenção de recursos naturais, força militar,
economia, entre outras – características que dão maior possiblidade de realizar
suas atividades domésticas e que, por sua vez, dão maior poder no sistema
internacional. As capacidades em termos waltzianos equivalem ao poder nacional
descrito em outras teorias realistas. No entanto, o foco nas capacidades
relativas implica estudar quanto ‘poder’ um país tem em comparação ao outro. É
a capacidade relativa, essencialmente em termos de segurança o elemento central
das relações entre os Estados, em que diferenças são de capacidade, não de
funções – quanto mais polos no sistema, ou seja, quanto maior o número de potências
mais competição tende a ser generalizada, já o contrário também é valido,
quando um número restrito de unidades se destaca, a competição fica restrita as
maiores (gera mais estabilidade). As mudanças nas distribuições de capacidades
são consideradas aquelas feitas dentro do sistema, pois afetam a relação entre
as unidades, mas não as regras de relacionamentos entre as unidades, que
somente seriam modificadas em uma mudança estrutural, dada pelo princípio de
ordenamento, ou seja, uma mudança de anarquia para hierarquia ou vice-versa.
Assim,
o sistema internacional possui, segundo o autor, determinadas características:
os Estados são menos relevantes que a estrutura, pois, estão presos a ela; o
próprio sistema ignora questões de ética e avaliações subjetivas como a
natureza humana; ganhos relativos/ assimétricos da cooperação pode afetar sua
capacidade de sobrevivência (ganhos relativos se caracterizam por um ganhar e o
outro perder, já ganhos absolutos ocorrem quando todos ganham, ideia de
cooperação); e finalmente, a cooperação deve ser evita, utilizada somente
quando estritamente necessária.
Os
problemas gerados das interações no Sistema Hierárquico (existência de um órgão
superior) são traduzidos em: custos organizacionais altos; força bélica desse
órgão superior as grandes potências; disputa pelo controle dos recursos; e este
atuaria de forma arbitrária para manter a ordem (seria injusto). Por outro
lado, a interação das unidades no Sistema Anárquico geraria uma Balança de Poder
(para se manter a ordem), esta política prevalece onde quer que apenas dois requisitos
existam: que a ordem do sistema seja anárquica e seja povoado por unidades que
desejam sobreviver. Dentro desse contexto, a primeira preocupação dos estados
não é maximizar o poder, mas manter suas posições no sistema, contudo na maior
parte das vezes os estados equilibram seu poder, gerando uma paz armada ao
invés de maximiza-lo. Segundo Waltz, existem dois tipos de Equilíbrio de Poder:
o Sistema Multipolar (mais instável e inseguro), em que as unidades focam no
próprio sistema criando alianças (exemplo do Conserto Europeu do século XIX),
gerando um alto grau de dependência e agindo em prol da Balança esquecendo se
dos seus interesses nacionais; e o Sistema Bipolar (mais estável e seguro),
onde há um balanceamento através do fortalecimento interno de cada um, tornando
a guerra entre os mesmos menos provável, pois, Estados com força nuclear evitam
guerras entre si e existe uma maior previsibilidade dos comportamentos a partir
de uma coexistência pacífica.
Kenneth
Waltz, ao elaborar sua teoria foi um dos primeiros autores do realismo que de
fato analisou o sistema internacional a luz correta do nível de análise. Sua
contribuição da teoria sistêmica fez uma feliz abordagem da estrutura que rege
e conduz o ambiente internacional e as interações entre os Estados, como bem
observável no contexto da Guerra Fria as disputas entre EUA e a URSS levaram a
construção de uma balança de poder bipolar por um lado, e um bandwagon do
outro, em que os Estados mais fracos seguiam as grandes potências. Exemplos que
comprovam isso são as relações no Oriente Médio, principalmente entre Israel e
o Egito que nesse contexto, houve uma polarização das unidades mais fracas em
torno dos polos do sistema. Outra questão são os comportamentos dos polos do
sistema atualmente, apesar de um contexto de Sistema Unimultipolar, os polos do
sistema atuam de forma orientada em manter seu status quo, baseados na busca
pela sobrevivência dentro do sistema internacional; e a própria estrutura
anárquica do sistema impede o surgimento de um órgão superior pela ideia de
self-help, em que as unidades buscam atender seus próprios interesses em
detrimento de uma cooperação, questão muito bem compreendida no discurso do
Brexit, em que o Reino Unido procura salvaguardar suas capacidades e seus interesses
nacionais frente às pressões da UE por uma maior cooperação e imposição de
normas.
Ao
final da Guerra Fria em 1991, alguns aspectos da teoria de Waltz são revisados
em razão do abrupto rompimento da rivalidade bipolar por meio de brechas de
cooperação ainda maiores durante o final da gestão Gorbachev. Contudo, Waltz é
um autor múltiplo e impactante, ele continua contribuindo para a renovação e a
ampliação do neorrealismo em várias correntes. Suas visões, mesmo após a Guerra
Fria, ainda são debatidas como forma de adaptar seus pilares para além das
meras lógicas bipolares de “soma zero”. Ou seja, sua perspectiva pode ser
aplicada, com coerência, aos novos desafios da agenda externa e, além disso,
pode se observar a apropriação de suas conclusões principalmente no que diz
respeito sobre a estrutura do sistema internacional na teoria de outros autores
mais contemporâneos, como na de Mearshein, demonstrando a relevância da teoria
de Waltz.
*Tiago Viesba Pini Inácio: estudante de Relações Internacionais do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente texto!
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