A seção "Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática" é produzida por alunos do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Teoria das Relações Internacionais, Dra. Janiffer Zarpelon. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.
MINUSTAH e suas consequências para a política externa brasileira no
âmbito da ONU: análise a partir da Teoria da Interdependência Complexa
Por: * Ana Carolina Zanette da Silva
Introdução
Em 2004, Organização das Nações Unidas (ONU), através de seu Conselho de Segurança (CS), criou a Operação de Paz (OpPaz) denominada Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), através da resolução 1542.
O Haiti, desde a sua independência em 1791, vive em instabilidade
política, com marcas de ditaduras e corrupção que levam o país a ocupar índices
extremos de pobreza e desigualdade social. A MINUSTAH é uma missão importante
tanto para o Haiti, que já havia passado por outras quatro malsucedidas operações de paz da ONU, quanto para o Brasil, pela
primeira vez no comando de uma Operação de Paz (OpPaz), com o maior contingente
militar da operação e um force commander
brasileiro.
Em janeiro de 2010, quando a missão se preparava para encerrar suas
atividades de estabilização e deixar o país, um terremoto atingiu o Haiti, matando
centenas de milhares de pessoas e estendendo a missão até outubro deste ano. Devido
a identificação dos haitianos com as tropas brasileiras, muitos deles migraram
para o Brasil com pedidos de refúgio. Como o desastre natural não os enquadra
na situação de refugiados pela lei de refúgio brasileira, o Brasil resolveu
conceder aos haitianos um visto humanitário especial.
Essa atitude demonstra uma preocupação humanitária brasileira que vai
além da doutrina da Responsabilidade de Proteger (R2P) para uma nova doutrina
apresentada pela Presidente Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU: a
Responsabilidade ao Proteger (RwP). Essa nova doutrina defende que as missões
de paz e intervenções humanitárias devem sempre priorizar a proteção à
população civil, a força deve ser utilizada apenas como último recurso, e acima
de tudo, deve-se prevenir conflitos através dos meios diplomáticos.
Ao mesmo tempo em que se admira o trabalho feito pelo Brasil na ONU ao
defender os direitos humanos e se colocar a frente de uma OpPaz, é impossível
não se perguntar porque o Brasil aceitaria colocar tantos esforços em uma causa
que acontece tão longe de suas fronteiras, num país falido.
Contribuição Teórica
A Teoria da Interdependência Complexa parte de uma crítica ao realismo, porque
admite que os Estados não são os únicos atores do Sistema Internacional, já que
sua relevância compete com organizações internacionais, empresas, ONGs e outras
instituições.
Além disso, todos esses atores
dependem uns dos outros e interagem entre si, o que determina a complexidade da
interdependência no sistema, porque passam a existir muitas variáveis e muitos
resultados possíveis.
Dentro dessa teoria, a organizações internacionais têm um papel
significativo. Por serem criadas para lidar com um tema ou nicho específico,
elas facilitam a cooperação entre os Estados, ao reduzir custos e prover informações.
Essa é a visão do teórico Robert Keohane, que acredita na cooperação e na
institucionalização do Sistema Internacional.
Ao definir cooperação, Keohane faz questão de distingui-la da harmonia.
A harmonia ocorre quando as políticas dos atores internacionais automaticamente
facilitam as ações de outros atores. Onde existe a harmonia, não é necessário
que haja cooperação, já que os benefícios ocorrem de forma natural. Keohane
afirma que a cooperação exige um processo de negociação entre os atores, que
deve ser feito a partir da coordenação de políticas. Assim, os atores ajustam
seus interesses e objetivos para chegar a um senso comum que gere ganhos relativos
às partes. É importante salientar que a cooperação não significa ausência de
conflito, pelo contrário, normalmente está ligada a um conflito e reflete as
tentativas de resolve-lo da forma mais positiva possível. Sem a iminência de um
conflito, a cooperação não seria necessária.
Os atores internacionais costumam cooperar através de um mecanismo
chamado regime internacional, que é um conjunto de normas, princípios, regras e
procedimentos de tomada de decisões implícitas ou explícitas. Cada regime internacional
é definido por um tema específico, o que permite verificar padrões na
cooperação internacional. A ONU, por exemplo, é uma organização internacional com
vários regimes, e entre eles, o Regime de Segurança Coletiva. É importante
deixar claro que as organizações internacionais são caracterizadas por conterem
regimes internacionais, mas nem todos os regimes internacionais evoluem para a
construção de organizações internacionais.
Ao defender a ideia de que a cooperação é vantajosa por agregar
interesses complementares, Keohane tem uma visão estruturalista modificada
quanto aos regimes internacionais. Ou seja, os atores criam regimes porque veem
que existem vantagens na cooperação, porque seus interesses serão ao menos
parcialmente satisfeitos, enquanto que sem regimes internacionais e sem
cooperação, provavelmente o Sistema Internacional seria caracterizado por
discórdia total.
Outro teórico da interdependência complexa, Joseph Nye, trata do poder
dentro do Sistema Internacional, e foi capaz de estabelecer alguns conceitos
que podem ser úteis ao se discutir como os atores podem exercer esse poder de
forma mais satisfatória no sistema.
Nye criou três conceitos: hard
power, o soft power, e o smart power. O hard power é o poder duro, o poder coercitivo que é baseado nas
capacidades militares de determinado ator. O soft power é o poder brando, a capacidade de atingir os objetivos
através da atração. O soft power pode
ser desenvolvido através da diplomacia, de assistência econômica, e
intercâmbios culturais. Um bom uso do soft
power também pode ser capaz de desconstruir estereótipos. O smart power é a combinação do hard power com o soft power, o que produziria um poder ideal, ou seja, uma
combinação indissolúvel de coerção e atração, que traria resultados muito mais
positivos para os atores no Sistema Internacional.
Análise Crítica
Depois de visitar a teoria da interdependência complexa, é possível
analisar as pretensões brasileiras e suas relações com a MINUSTAH.
A missão de paz que o Brasil comanda é um mecanismo parte de uma
organização internacional de muita importância: a ONU. E o Brasil tem lutado
por uma reforma da organização, mais especificamente, por uma reforma do
Conselho de Segurança.
Com mais três países (Alemanha, Japão e Índia), formou o G-4 para gerar
discussões acerca da ampliação do número de cadeiras permanentes, além das
cadeiras rotativas. O Brasil almeja um assento permanente no Conselho de
Segurança, que é o órgão de maior poder na ONU por designado a discutir e votar
as resoluções de maior importância e urgência da organização. O Brasil acredita
que o Conselho de Segurança não representa mais a realidade internacional, por ter
o número membros que reflete uma realidade de fim da Segunda Guerra Mundial, quando
existiam apenas 51 Estados na ONU. Hoje, 193 Estados fazem parte da
organização, e apenas 15 deles integram o CS. Além disso, segundo o Itamaraty,
os membros permanentes do Conselho não expressam a realidade internacional
atual, visto que os países em desenvolvimento não são adequadamente
representados.
Todo esse discurso reflete os interesses brasileiros em termos de
projeção internacional, e explica o seu comprometimento com as causas
humanitárias, e mais especificamente, a MINUSTAH. Assim, a partir da
perspectiva institucionalista de Keohane, é visível que o Brasil valoriza a
cooperação internacional como forma de favorecer a sua política externa, e por
isso se utiliza do Regime Internacional de Segurança Coletiva para negociar e
exigir mudanças que o favoreçam. Para legitimar suas exigências a partir da
MINUSTAH, ele utiliza seu smart power
de forma exemplar. Essa OpPaz, além de significar uma demonstração do poderio
militar brasileiro em âmbito mundial (hard
power), também significou uma preocupação de caráter humanitário (tanto na
missão quanto na emissão de vistos humanitários para os haitianos no Brasil).
Além disso, ainda no aspecto de soft
power, durante a missão foi desenvolvida uma proximidade cultural com os
haitianos, através do futebol (com o Jogo da Paz em 2004, um amistoso entre as
seleções do Haiti e do Brasil), da identificação entre as favelas brasileiras e
os os bairros pobres de Porto Príncipe, além de muitas ações sociais,
culturais, educacionais e de saúde para estabelecer a paz e a ordem no país.
Desse modo, é possível afirmar que as ações de política externa do
Brasil no âmbito da ONU representam um reconhecimento da importância da
cooperação e dos regimes internacionais. Além disso, o uso da estratégia de smart power tem buscado desenvolver um
protagonismo brasileiro no Sistema Internacional, de modo a alcançar seus
objetivos. Ademais, esse objeto de estudo foi provou que a interdependência
complexa é capaz de explicar os eventos internacionais, seja por análises da
estrutura do sistema, ou de suas fontes de poder.
REFERÊNCIAS
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Luis Henrique Reis. Da Resposabilidade de Proteger à perspectiva brasileira: a
responsabilidade ao proteger. Instituto de Relações Internacionais,
PUC-Rio, jul./dez. 2012.
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NYE,
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QUAGLIA,
Laura De Castro; SILVEIRA, Isadora Loreto Da. MINUSTAH: O PAPEL DA MISSÃO NO
HAITI NO AVANÇO DAS PRETENSÕES INTERNACIONAIS BRASILEIRAS. 2º Seminário
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REFORMA DO CONSELHO DE
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<http://csnu.itamaraty.gov.br/o-brasil-e-a-reforma>. Acesso em: 04 jun.
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SILVA,
Daniele Dionisio da. Operações de paz à brasileira - uma reflexão teórica,
contextual e historiográfica: um estudo de caso da Minustah.. In: 3° ENCONTRO
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Brasileira de Relações Internacionais Instituto de Relações Internacionais -
USP, Available from:
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000122011000100060&lng=en&nrm=abn>.
Acess on: 05 June. 2016.
*Ana Carolina Zanette da Silva é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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