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terça-feira, 13 de setembro de 2016

Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática: MINUSTAH e suas consequências para a política externa brasileira no âmbito da ONU: análise a partir da Teoria da Interdependência Complexa.


A seção "Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática" é produzida por alunos do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Teoria das Relações Internacionais, Dra. Janiffer Zarpelon. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.



MINUSTAH e suas consequências para a política externa brasileira no âmbito da ONU: análise a partir da Teoria da Interdependência Complexa


                                                                                         Por: * Ana Carolina Zanette da Silva
 
Introdução

Em 2004, Organização das Nações Unidas (ONU), através de seu Conselho de Segurança (CS), criou a Operação de Paz (OpPaz) denominada Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), através da resolução 1542.
O Haiti, desde a sua independência em 1791, vive em instabilidade política, com marcas de ditaduras e corrupção que levam o país a ocupar índices extremos de pobreza e desigualdade social. A MINUSTAH é uma missão importante tanto para o Haiti, que já havia passado por outras quatro malsucedidas operações de paz da ONU, quanto para o Brasil, pela primeira vez no comando de uma Operação de Paz (OpPaz), com o maior contingente militar da operação e um force commander brasileiro.
Em janeiro de 2010, quando a missão se preparava para encerrar suas atividades de estabilização e deixar o país, um terremoto atingiu o Haiti, matando centenas de milhares de pessoas e estendendo a missão até outubro deste ano. Devido a identificação dos haitianos com as tropas brasileiras, muitos deles migraram para o Brasil com pedidos de refúgio. Como o desastre natural não os enquadra na situação de refugiados pela lei de refúgio brasileira, o Brasil resolveu conceder aos haitianos um visto humanitário especial.
Essa atitude demonstra uma preocupação humanitária brasileira que vai além da doutrina da Responsabilidade de Proteger (R2P) para uma nova doutrina apresentada pela Presidente Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU: a Responsabilidade ao Proteger (RwP). Essa nova doutrina defende que as missões de paz e intervenções humanitárias devem sempre priorizar a proteção à população civil, a força deve ser utilizada apenas como último recurso, e acima de tudo, deve-se prevenir conflitos através dos meios diplomáticos.
Ao mesmo tempo em que se admira o trabalho feito pelo Brasil na ONU ao defender os direitos humanos e se colocar a frente de uma OpPaz, é impossível não se perguntar porque o Brasil aceitaria colocar tantos esforços em uma causa que acontece tão longe de suas fronteiras, num país falido.

Contribuição Teórica

A Teoria da Interdependência Complexa parte de uma crítica ao realismo, porque admite que os Estados não são os únicos atores do Sistema Internacional, já que sua relevância compete com organizações internacionais, empresas, ONGs e outras instituições.
 Além disso, todos esses atores dependem uns dos outros e interagem entre si, o que determina a complexidade da interdependência no sistema, porque passam a existir muitas variáveis e muitos resultados possíveis.
Dentro dessa teoria, a organizações internacionais têm um papel significativo. Por serem criadas para lidar com um tema ou nicho específico, elas facilitam a cooperação entre os Estados, ao reduzir custos e prover informações. Essa é a visão do teórico Robert Keohane, que acredita na cooperação e na institucionalização do Sistema Internacional.
Ao definir cooperação, Keohane faz questão de distingui-la da harmonia. A harmonia ocorre quando as políticas dos atores internacionais automaticamente facilitam as ações de outros atores. Onde existe a harmonia, não é necessário que haja cooperação, já que os benefícios ocorrem de forma natural. Keohane afirma que a cooperação exige um processo de negociação entre os atores, que deve ser feito a partir da coordenação de políticas. Assim, os atores ajustam seus interesses e objetivos para chegar a um senso comum que gere ganhos relativos às partes. É importante salientar que a cooperação não significa ausência de conflito, pelo contrário, normalmente está ligada a um conflito e reflete as tentativas de resolve-lo da forma mais positiva possível. Sem a iminência de um conflito, a cooperação não seria necessária.
Os atores internacionais costumam cooperar através de um mecanismo chamado regime internacional, que é um conjunto de normas, princípios, regras e procedimentos de tomada de decisões implícitas ou explícitas. Cada regime internacional é definido por um tema específico, o que permite verificar padrões na cooperação internacional. A ONU, por exemplo, é uma organização internacional com vários regimes, e entre eles, o Regime de Segurança Coletiva. É importante deixar claro que as organizações internacionais são caracterizadas por conterem regimes internacionais, mas nem todos os regimes internacionais evoluem para a construção de organizações internacionais.
Ao defender a ideia de que a cooperação é vantajosa por agregar interesses complementares, Keohane tem uma visão estruturalista modificada quanto aos regimes internacionais. Ou seja, os atores criam regimes porque veem que existem vantagens na cooperação, porque seus interesses serão ao menos parcialmente satisfeitos, enquanto que sem regimes internacionais e sem cooperação, provavelmente o Sistema Internacional seria caracterizado por discórdia total.
Outro teórico da interdependência complexa, Joseph Nye, trata do poder dentro do Sistema Internacional, e foi capaz de estabelecer alguns conceitos que podem ser úteis ao se discutir como os atores podem exercer esse poder de forma mais satisfatória no sistema.
Nye criou três conceitos: hard power, o soft power, e o smart power. O hard power é o poder duro, o poder coercitivo que é baseado nas capacidades militares de determinado ator. O soft power é o poder brando, a capacidade de atingir os objetivos através da atração. O soft power pode ser desenvolvido através da diplomacia, de assistência econômica, e intercâmbios culturais. Um bom uso do soft power também pode ser capaz de desconstruir estereótipos. O smart power é a combinação do hard power com o soft power, o que produziria um poder ideal, ou seja, uma combinação indissolúvel de coerção e atração, que traria resultados muito mais positivos para os atores no Sistema Internacional.

Análise Crítica
Depois de visitar a teoria da interdependência complexa, é possível analisar as pretensões brasileiras e suas relações com a MINUSTAH.
A missão de paz que o Brasil comanda é um mecanismo parte de uma organização internacional de muita importância: a ONU. E o Brasil tem lutado por uma reforma da organização, mais especificamente, por uma reforma do Conselho de Segurança.
Com mais três países (Alemanha, Japão e Índia), formou o G-4 para gerar discussões acerca da ampliação do número de cadeiras permanentes, além das cadeiras rotativas. O Brasil almeja um assento permanente no Conselho de Segurança, que é o órgão de maior poder na ONU por designado a discutir e votar as resoluções de maior importância e urgência da organização. O Brasil acredita que o Conselho de Segurança não representa mais a realidade internacional, por ter o número membros que reflete uma realidade de fim da Segunda Guerra Mundial, quando existiam apenas 51 Estados na ONU. Hoje, 193 Estados fazem parte da organização, e apenas 15 deles integram o CS. Além disso, segundo o Itamaraty, os membros permanentes do Conselho não expressam a realidade internacional atual, visto que os países em desenvolvimento não são adequadamente representados.
Todo esse discurso reflete os interesses brasileiros em termos de projeção internacional, e explica o seu comprometimento com as causas humanitárias, e mais especificamente, a MINUSTAH. Assim, a partir da perspectiva institucionalista de Keohane, é visível que o Brasil valoriza a cooperação internacional como forma de favorecer a sua política externa, e por isso se utiliza do Regime Internacional de Segurança Coletiva para negociar e exigir mudanças que o favoreçam. Para legitimar suas exigências a partir da MINUSTAH, ele utiliza seu smart power de forma exemplar. Essa OpPaz, além de significar uma demonstração do poderio militar brasileiro em âmbito mundial (hard power), também significou uma preocupação de caráter humanitário (tanto na missão quanto na emissão de vistos humanitários para os haitianos no Brasil). Além disso, ainda no aspecto de soft power, durante a missão foi desenvolvida uma proximidade cultural com os haitianos, através do futebol (com o Jogo da Paz em 2004, um amistoso entre as seleções do Haiti e do Brasil), da identificação entre as favelas brasileiras e os os bairros pobres de Porto Príncipe, além de muitas ações sociais, culturais, educacionais e de saúde para estabelecer a paz e a ordem no país.
Desse modo, é possível afirmar que as ações de política externa do Brasil no âmbito da ONU representam um reconhecimento da importância da cooperação e dos regimes internacionais. Além disso, o uso da estratégia de smart power tem buscado desenvolver um protagonismo brasileiro no Sistema Internacional, de modo a alcançar seus objetivos. Ademais, esse objeto de estudo foi provou que a interdependência complexa é capaz de explicar os eventos internacionais, seja por análises da estrutura do sistema, ou de suas fontes de poder.

REFERÊNCIAS

DIAS, Luis Henrique Reis. Da Resposabilidade de Proteger à perspectiva brasileira: a responsabilidade ao proteger. Instituto de Relações Internacionais, PUC-Rio, jul./dez. 2012.
KEOHANE, Robert O.. After hegemony: Cooperation and discord in the world political economy. 1 ed. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1984. 303 p.
NYE, Joseph S.. Cooperação e conflito nas relações internacionais. 1 ed. São Paulo: Editora Gente, 2009. 73 p.
QUAGLIA, Laura De Castro; SILVEIRA, Isadora Loreto Da. MINUSTAH: O PAPEL DA MISSÃO NO HAITI NO AVANÇO DAS PRETENSÕES INTERNACIONAIS BRASILEIRAS. 2º Seminário Nacional de Pós Graduação, João Pessoa - PB, ago. 2014.
REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS. O brasil e a reforma. Disponível em: <http://csnu.itamaraty.gov.br/o-brasil-e-a-reforma>. Acesso em: 04 jun. 2016.

SILVA, Daniele Dionisio da. Operações de paz à brasileira - uma reflexão teórica, contextual e historiográfica: um estudo de caso da Minustah.. In: 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2001, 3., 2011, São Paulo. Proceedings online... Assosciação Brasileira de Relações Internacionais Instituto de Relações Internacionais - USP, Available from: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000122011000100060&lng=en&nrm=abn>. Acess on: 05 June. 2016.


*Ana Carolina Zanette da Silva é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.

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