Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
* Por: KAMILA MURBACH PIERIN
A Crise:
A Crimeia é uma península localizada ao norte do Mar Negro, e após o ano
de 1783 foi totalmente anexada pela Rússia. Em 1954, o líder da União Soviética
da época era Nikita Kruschev, cujas origens eram ucranianas, e ele doa as
terras da Crimeia para a Ucrânia, num gesto de amizade. Apesar de ser
ucraniana, a maior parte da população crimeana manteve suas raízes russas,
inclusive a língua. Em 2014, mais da metade dos habitantes da península tinham
o russo como idioma nativo.
Em 2004 foi eleito como presidente da Ucrânia Viktor Yushchenko, pró-União Europeia e seus interesses visavam
uma aproximação do país com o bloco econômico, o que exegiria muito cuidado
para não causar um distanciamento com a Rússia. Apesar disso, suas ações
levaram o Ocidente acreditar que ele estava agindo em favor da Rússia, e a
Rússia, por sua vez, considerou que suas atitudes eram pró-Uniião Europeia.
Atrelado a isso, sua base política interna se desintrega e um escândalo de
corrupção é revelado, o que leva a popularidade de Viktor Yuschenko despencar.
Nas eleições de 2010 a vitória foi de Viktor Yanukóvytch, cujas ações eram claramente pró-Rússia. Seu mandato durou 4
anos, uma vez que em 2014 houve o estopim de uma crise na Ucrânia, envolvendo
principalmente a Crimeia. As atitudes do presidente abrangiam mudanças na
Constituição e intensa corrupção, o que foi deixando a população atenta e
insatisfeita. Após rejeitar um acordo de aproximação com a União Europeia, os
cidadãos ucranianos decidiram protestar, o motivo principal sendo a aproximação
do país com a Rússia. Entretanto, a população da Crimeia não estava tão
insatisfeita como o restante da população, o que é explicado pelo fato de seus
residentes terem relações tão intensas com a Rússia.
Assim, as pessoas da Crimeia, principalmente aqueles cujas origens eram
russas, protestavam contra os protestos do restante da população, para
demonstrar o seu apoio ao governo. Porém, os tártaros da Crimeia, um grupo de
minorias étnicas, estavam contra às ações do governo, assim como a grande maioria
dos habitantes da Ucrânia.
Os protestos iniciaram em novembro de 2013, e em meio aos protestos o
presidente Yanukóvytch deixou Kiev e foi para a cidade de Kharkiv, porém essa
ação foi interpretada como abandono do cargo, e o parlamento ucraniano o
destituiu e passou a cuidar dos assuntos presidenciais. O parlamento revoga a
lei que garantia que as línguas co-oficiais, usadas principalmente pelas
minorias étnicas, fossem usadas livremente. A revogação causou grande
desconforto na população russófona. Esses eventos ocorreram em fevereiro de
2014.
Em 24 de fevereiro, em Sevastopol (uma das principais cidades
da Crimeia), milhares de manifestantes derrubam o prefeito, que era favorável
as causas ucranianas, e nomearam um representante russo como novo prefeito.
Vale
lembrar que na Crimeia está localizada a principal base naval russa com saída
para o Mar Negro, e com as todas as tensões acontecendo na Ucrânia, presidente
russo Vladmir Putin decide colocar as forças armadas da Rússia na fronteira com
a Ucrânia em estado de alerta.
Na
capital da Crimeia, Simferopol, grupos pró-Rússia e pró-Europa se enfrentavam
nas ruas, e no dia 27 de fevereiro grupos de guerrilha em favor da Rússia tomam
os principais edifícios da Crimeia, e hasteiam a bandeira russa nos prédios da
Presidência e do Parlamento da República Autônoma da Crimeia, o que faz com que
o parlamento ucraniano agisse imediatamente, escolhendo um novo
primeiro-ministro, realizando uma moção de censura, e anunciando um referendo
referente ao futuro da região. No dia seguinte, guerrilhas russas tomam dois
aeroportos crimeanos. Considerando os acontecimentos, o parlamento ucraniano
decidiu solicitar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU.
Na
reunião, os países ocidentais defenderam a integridade territorial da Ucrânia,
e condenaram as ações russas a retirando do G8. A Rússia se defendeu alegando
que o presidente ucraniano deposto, Yanukóvytch,
solicitou a intervenção russa na Ucrânia para garantir segurança para "as pessoas que estão sendo perseguidas por razões
linguísticas e políticas".
No dia 10 de março, o Parlamento da Crimeia aprovou uma
proposta para a região voltar a fazer parte da Federação Russa, que seria
formalmente decidida pela população num referendo 6 dias depois.
A Ucrânia considerou o fato inconstitucional, os Estados Unidos e a Europa
reprovaram a votação. No dia 16 de março o referendo foi realizado e 96% da
população crimeana votou a favor da restituição do território à Federação
Russa. Dois dias depois é assinado o Tratado de anexação da Crimeia e Sevastopol à Federação Russa, e nesse mesmo dia um soldado
das forças armadas ucranianas e um soldado das forças de defesa da Crimeia
foram mortos por tropas pró-Rússia, trazendo ainda mais tensão à região.
No fim de março de 2014 a Assembleia Geral da ONU
propôs uma resolução considerando o referendo realizado no dia 16 de março
ilegítimo. 100 membros votaram a favor da resolução, 11 contra, e
58 membros se abstiveram. Algumas semanas depois a Ucrânia reconheceu a região
como zona ocupada pela Rússia.
Atualmente,
apesar de o governo russo afirmar que a vida da população melhorou, diversos
grupos de defesa dos Direitos Humanos dizem que a violência ainda é grande na
região, inclusive com o acontecimento de sequestros e estupros. Integrantes de
grupos contrários à anexação russa da península foram presos. A região agora é chamada de República Autônoma da
Crimeia.
A
Teoria da Interdependência:
A teoria da
Interdependência foi desenvolvida por Joseph Nye e Robert Keohane, ao
analisarem o contexto no qual eles estavam vivendo, a década de 70, e
perceberem que as teorias existentes até então não eram suficientes para
explicar as relações internacionais da época.
Nye define
interdependência como “dependência mútua”, o que leva as nações a tomarem
decisões que nem sempre são boas, mas que não são más também. Ao contrário da
Teoria Realista, as ações dos países nem sempre resultam em “soma zero”. Na interdependência,
o resultado pode ser positivo ou negativo para todos os atores, e, às vezes
acontece um quociente zero nas relações entre os países.
Alguns analistas
econômicos cometem o erro de apenas considerar os aspectos da economia segundo
a interdependência e deixando de lado a perspectiva política. Duas nações podem
se juntar para potencializar o comércio de um determinado produto, e mesmo que
os lucros sejam repartidos equitativamente, alguém sempre desejará receber a
parte maior desse lucro. É comum que seja pensado que a interdependência prega
que os conflitos um dia não existirão mais e que o mundo será regido por
cooperação, porém, esse é um raciocínio equivocado, já que a interdependência
pode causar uma dependência excessiva, o que se torna uma arma e/ou um
mecanismo de poder para o Estado que provém o que quer que seja que um outro
Estado necessite.
A interdependência
não deixa claro se uma certa ação se trata de política externa ou interna.
Joseph Nye usa como exemplo a Revolução no Irã de 1979, que restringiu o uso de
petróleo por parte dos EUA, então o governo entrou com medidas cuja finalidade
era diminuir o uso de energia, como diminuir os termostatos e a velocidade
máxima nas rodovias. Questão interna ou externa? Esta questão só reforça como
as relações após a década de 1970 são complexas, elas misturam as questões de
interior com as de exterior, formando padrões entrelaçados e uma distribuição
de benefícios diferente do que a que existia no passado. Nye explica a
complexidade das relações ao falar da Alemanha e da França: como elas pertencem
ao mesmo bloco econômico e compartilham a mesma moeda, é de interesse de ambos
os Estados que suas economias estejam boas, uma vez que se um começa a falhar
economicamente, o outro também passa a correr esse risco.
Os custos da
interdependência envolvem sensibilidade e vulnerabilidade. Sensibilidade é a
velocidade com que efeitos de uma mudança atingem uma outra parte;
vulnerabilidade são os custos relativos que uma parte sofrerá ao mudar a
estrutura do Sistema Internacional.
O Sistema
Internacional interdependente não é necessariamente simétrico, suponhamos: a
economia de um certo país A depende basicamente do comércio com um país B.
Porém, para esse país B, as trocas comerciais com o A não são tão fundamentais
assim, o que quer dizer que o país A dependa mais do país B do que o B depende
do A. Isso leva o país A à sensibilidade e à vulnerabilidade, e a longo prazo
significa mais poder para o país B. Contudo, essa não é uma regra geral. Se um
Estado dependente tem um envolvimento maior em determinada questão, podem se
sair bem. Nye usou o exemplo do Canadá e EUA. O comércio do Canadá é exercido
em 75% os EUA, esse, por sua vez, tem relações de comércio exterior com
diversos países, e não depende do comércio com o vizinho do Norte. Apesar
disso, os interesses canadenses sempre se prevaleceram em desentendimentos
entre as nações, uma vez que o Canadá ameaça os EUA com medidas retaliatórias,
como tarifas. Um blefe, já que o Canadá sofreria bem mais com a ausência dos
Estados Unidos de seu comércio exterior, porém um blefe que vem trazendo
resultados positivos para o país mais dependente.
A teoria da
Interdependência foi desenvolvida porque o Realismo não era mais suficiente
para explicar o que estava acontecendo no mundo, as relações internacionais.
Porém, seu próprio autor reconhece que as duas teorias são muito simples e
ideais e não podem ser aplicadas sozinhas, então é desenvolvida a
Interdependência Complexa. Ela pode ser considerada uma teoria interdependente
com aspectos realistas, uma vez que mesmo numa relação de dependência, os
países ainda querem a maior parte e manter o seu poder. E cada caso é um caso.
Por exemplo, não se pode explicar as relações da Índia com o Paquistão com a
mesma teoria que é explicada as relações da França com a Alemanha. A primeira
relação pede uma abordagem mais realista, disputa por poder e a busca do equilíbrio
dele; já a segunda é praticamente totalmente interdependente. Ou seja, é um
raciocínio errôneo pensar que todas as relações existentes no mundo podem ser
explicadas por um realismo hobbesiano ou pela interdependência de Kant.
Análise:
Mesmo sempre
demonstrando reprovação a o que estava acontecendo com a Crimeia, a União
Europeia nunca demonstrou interesse em entrar em um conflito armado com a
Rússia. E uma das razões é uma questão relativamente simples, mas de grande
importância para a Europa inteira. Gás natural e petróleo. O gás russo está presente
em 39 milhões de lares europeus. Cerca de 65% de todo o gás e 70% do petróleo
produzidos na Rússia são consumidos pelo restante do Velho Continente, o que
quer dizer que a Europa tem uma relação de vulnerabilidade com a Rússia. Para
se ter uma noção da dependência europeia do gás russo, uma análise dos
gasodutos na Europa é pertinente (figura 1).
Se os países da
Europa Ocidental fizessem alguma ameaça ao maior país do mundo, o polêmico
presidente Vladmir Putin teria uma resposta simples e indolor à Rússia. Para
intimidar seus vizinhos, com licença para a metáfora, bastaria apenas o
fechamento de uma válvula. Não que fosse totalmente indolor aos russos, uma vez
que o país recebe em torno de 61,8 bilhões de dólares por ano com a venda dos
combustíveis, mas é uma defesa muito mais acessível do que levar soldados ao
campo de batalha ou ter que acessar seu enorme arsenal bélico proveniente da
Guerra Fria.
Atualmente a Europa
busca alternativas ao gás russo para sustentar sua demanda por energia
elétrica, para que seu estado de vulnerabilidade se torne estado de
sensibilidade. Se houver algum conflito futuro entre a União Europeia e a
Rússia, a Europa não sofrerá tanto com a falta de energia proveniente do petróleo
e gás russos.
A interdependência
complexa também se aplica na relação, uma vez que a Crimeia é uma península no
Mar Negro, localização estratégica que interessava muito à Rússia, já que antes
da anexação do território todos os portos russos saíam em águas frias ao norte,
e agora, há uma saída russa para o mar numa região bem mais próxima e mais
acessível ao resto da Europa.
Na crise do petróleo de 1973, o poder
emanou de barris de petróleo. Na crise da Crimeia de 2014, o poder que impediu
uma intervenção europeia mais acirrada foi emanado de gasodutos e petróleo.
Fontes:
NYE, Joseph. Cooperação e Conflito nas
Relações Internacionais. Editora Gente. 2009. p. 245-272
*KAMILA MURBACH PIERIN: aluna do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Parabéns Kamila!
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