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quinta-feira, 7 de julho de 2016

Seção Relações Internacionais em Destaque: A Crise da Crimeia de 2014 analisada segundo a Teoria da Interdependência

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.

* Por: KAMILA MURBACH PIERIN





A Crise:
A Crimeia é uma península localizada ao norte do Mar Negro, e após o ano de 1783 foi totalmente anexada pela Rússia. Em 1954, o líder da União Soviética da época era Nikita Kruschev, cujas origens eram ucranianas, e ele doa as terras da Crimeia para a Ucrânia, num gesto de amizade. Apesar de ser ucraniana, a maior parte da população crimeana manteve suas raízes russas, inclusive a língua. Em 2014, mais da metade dos habitantes da península tinham o russo como idioma nativo.
Em 2004 foi eleito como presidente da Ucrânia Viktor Yushchenko, pró-União Europeia e seus interesses visavam uma aproximação do país com o bloco econômico, o que exegiria muito cuidado para não causar um distanciamento com a Rússia. Apesar disso, suas ações levaram o Ocidente acreditar que ele estava agindo em favor da Rússia, e a Rússia, por sua vez, considerou que suas atitudes eram pró-Uniião Europeia. Atrelado a isso, sua base política interna se desintrega e um escândalo de corrupção é revelado, o que leva a popularidade de Viktor Yuschenko despencar.
Nas eleições de 2010 a vitória foi de Viktor Yanukóvytch, cujas ações eram claramente pró-Rússia. Seu mandato durou 4 anos, uma vez que em 2014 houve o estopim de uma crise na Ucrânia, envolvendo principalmente a Crimeia. As atitudes do presidente abrangiam mudanças na Constituição e intensa corrupção, o que foi deixando a população atenta e insatisfeita. Após rejeitar um acordo de aproximação com a União Europeia, os cidadãos ucranianos decidiram protestar, o motivo principal sendo a aproximação do país com a Rússia. Entretanto, a população da Crimeia não estava tão insatisfeita como o restante da população, o que é explicado pelo fato de seus residentes terem relações tão intensas com a Rússia.
Assim, as pessoas da Crimeia, principalmente aqueles cujas origens eram russas, protestavam contra os protestos do restante da população, para demonstrar o seu apoio ao governo. Porém, os tártaros da Crimeia, um grupo de minorias étnicas, estavam contra às ações do governo, assim como a grande maioria dos habitantes da Ucrânia.
Os protestos iniciaram em novembro de 2013, e em meio aos protestos o presidente Yanukóvytch deixou Kiev e foi para a cidade de Kharkiv, porém essa ação foi interpretada como abandono do cargo, e o parlamento ucraniano o destituiu e passou a cuidar dos assuntos presidenciais. O parlamento revoga a lei que garantia que as línguas co-oficiais, usadas principalmente pelas minorias étnicas, fossem usadas livremente. A revogação causou grande desconforto na população russófona. Esses eventos ocorreram em fevereiro de 2014.
Em 24 de fevereiro, em Sevastopol (uma das principais cidades da Crimeia), milhares de manifestantes derrubam o prefeito, que era favorável as causas ucranianas, e nomearam um representante russo como novo prefeito.
Vale lembrar que na Crimeia está localizada a principal base naval russa com saída para o Mar Negro, e com as todas as tensões acontecendo na Ucrânia, presidente russo Vladmir Putin decide colocar as forças armadas da Rússia na fronteira com a Ucrânia em estado de alerta.
Na capital da Crimeia, Simferopol, grupos pró-Rússia e pró-Europa se enfrentavam nas ruas, e no dia 27 de fevereiro grupos de guerrilha em favor da Rússia tomam os principais edifícios da Crimeia, e hasteiam a bandeira russa nos prédios da Presidência e do Parlamento da República Autônoma da Crimeia, o que faz com que o parlamento ucraniano agisse imediatamente, escolhendo um novo primeiro-ministro, realizando uma moção de censura, e anunciando um referendo referente ao futuro da região. No dia seguinte, guerrilhas russas tomam dois aeroportos crimeanos. Considerando os acontecimentos, o parlamento ucraniano decidiu solicitar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU.
Na reunião, os países ocidentais defenderam a integridade territorial da Ucrânia, e condenaram as ações russas a retirando do G8. A Rússia se defendeu alegando que o presidente ucraniano deposto, Yanukóvytch, solicitou a intervenção russa na Ucrânia para garantir segurança para "as pessoas que estão sendo perseguidas por razões linguísticas e políticas".
No dia 10 de março, o Parlamento da Crimeia aprovou uma proposta para a região voltar a fazer parte da Federação Russa, que seria formalmente decidida pela população num referendo 6 dias depois. A Ucrânia considerou o fato inconstitucional, os Estados Unidos e a Europa reprovaram a votação. No dia 16 de março o referendo foi realizado e 96% da população crimeana votou a favor da restituição do território à Federação Russa. Dois dias depois é assinado o Tratado de anexação da Crimeia e Sevastopol à Federação Russa, e nesse mesmo dia um soldado das forças armadas ucranianas e um soldado das forças de defesa da Crimeia foram mortos por tropas pró-Rússia, trazendo ainda mais tensão à região.
No fim de março de 2014 a Assembleia Geral da ONU propôs uma resolução considerando o referendo realizado no dia 16 de março ilegítimo. 100 membros votaram a favor da resolução, 11 contra, e 58 membros se abstiveram. Algumas semanas depois a Ucrânia reconheceu a região como zona ocupada pela Rússia.
Atualmente, apesar de o governo russo afirmar que a vida da população melhorou, diversos grupos de defesa dos Direitos Humanos dizem que a violência ainda é grande na região, inclusive com o acontecimento de sequestros e estupros. Integrantes de grupos contrários à anexação russa da península foram presos. A região agora é chamada de República Autônoma da Crimeia.
A Teoria da Interdependência:
A teoria da Interdependência foi desenvolvida por Joseph Nye e Robert Keohane, ao analisarem o contexto no qual eles estavam vivendo, a década de 70, e perceberem que as teorias existentes até então não eram suficientes para explicar as relações internacionais da época.
Nye define interdependência como “dependência mútua”, o que leva as nações a tomarem decisões que nem sempre são boas, mas que não são más também. Ao contrário da Teoria Realista, as ações dos países nem sempre resultam em “soma zero”. Na interdependência, o resultado pode ser positivo ou negativo para todos os atores, e, às vezes acontece um quociente zero nas relações entre os países.
Alguns analistas econômicos cometem o erro de apenas considerar os aspectos da economia segundo a interdependência e deixando de lado a perspectiva política. Duas nações podem se juntar para potencializar o comércio de um determinado produto, e mesmo que os lucros sejam repartidos equitativamente, alguém sempre desejará receber a parte maior desse lucro. É comum que seja pensado que a interdependência prega que os conflitos um dia não existirão mais e que o mundo será regido por cooperação, porém, esse é um raciocínio equivocado, já que a interdependência pode causar uma dependência excessiva, o que se torna uma arma e/ou um mecanismo de poder para o Estado que provém o que quer que seja que um outro Estado necessite.
A interdependência não deixa claro se uma certa ação se trata de política externa ou interna. Joseph Nye usa como exemplo a Revolução no Irã de 1979, que restringiu o uso de petróleo por parte dos EUA, então o governo entrou com medidas cuja finalidade era diminuir o uso de energia, como diminuir os termostatos e a velocidade máxima nas rodovias. Questão interna ou externa? Esta questão só reforça como as relações após a década de 1970 são complexas, elas misturam as questões de interior com as de exterior, formando padrões entrelaçados e uma distribuição de benefícios diferente do que a que existia no passado. Nye explica a complexidade das relações ao falar da Alemanha e da França: como elas pertencem ao mesmo bloco econômico e compartilham a mesma moeda, é de interesse de ambos os Estados que suas economias estejam boas, uma vez que se um começa a falhar economicamente, o outro também passa a correr esse risco.
Os custos da interdependência envolvem sensibilidade e vulnerabilidade. Sensibilidade é a velocidade com que efeitos de uma mudança atingem uma outra parte; vulnerabilidade são os custos relativos que uma parte sofrerá ao mudar a estrutura do Sistema Internacional.
O Sistema Internacional interdependente não é necessariamente simétrico, suponhamos: a economia de um certo país A depende basicamente do comércio com um país B. Porém, para esse país B, as trocas comerciais com o A não são tão fundamentais assim, o que quer dizer que o país A dependa mais do país B do que o B depende do A. Isso leva o país A à sensibilidade e à vulnerabilidade, e a longo prazo significa mais poder para o país B. Contudo, essa não é uma regra geral. Se um Estado dependente tem um envolvimento maior em determinada questão, podem se sair bem. Nye usou o exemplo do Canadá e EUA. O comércio do Canadá é exercido em 75% os EUA, esse, por sua vez, tem relações de comércio exterior com diversos países, e não depende do comércio com o vizinho do Norte. Apesar disso, os interesses canadenses sempre se prevaleceram em desentendimentos entre as nações, uma vez que o Canadá ameaça os EUA com medidas retaliatórias, como tarifas. Um blefe, já que o Canadá sofreria bem mais com a ausência dos Estados Unidos de seu comércio exterior, porém um blefe que vem trazendo resultados positivos para o país mais dependente.
A teoria da Interdependência foi desenvolvida porque o Realismo não era mais suficiente para explicar o que estava acontecendo no mundo, as relações internacionais. Porém, seu próprio autor reconhece que as duas teorias são muito simples e ideais e não podem ser aplicadas sozinhas, então é desenvolvida a Interdependência Complexa. Ela pode ser considerada uma teoria interdependente com aspectos realistas, uma vez que mesmo numa relação de dependência, os países ainda querem a maior parte e manter o seu poder. E cada caso é um caso. Por exemplo, não se pode explicar as relações da Índia com o Paquistão com a mesma teoria que é explicada as relações da França com a Alemanha. A primeira relação pede uma abordagem mais realista, disputa por poder e a busca do equilíbrio dele; já a segunda é praticamente totalmente interdependente. Ou seja, é um raciocínio errôneo pensar que todas as relações existentes no mundo podem ser explicadas por um realismo hobbesiano ou pela interdependência de Kant.
Análise:
Mesmo sempre demonstrando reprovação a o que estava acontecendo com a Crimeia, a União Europeia nunca demonstrou interesse em entrar em um conflito armado com a Rússia. E uma das razões é uma questão relativamente simples, mas de grande importância para a Europa inteira. Gás natural e petróleo. O gás russo está presente em 39 milhões de lares europeus. Cerca de 65% de todo o gás e 70% do petróleo produzidos na Rússia são consumidos pelo restante do Velho Continente, o que quer dizer que a Europa tem uma relação de vulnerabilidade com a Rússia. Para se ter uma noção da dependência europeia do gás russo, uma análise dos gasodutos na Europa é pertinente (figura 1). 
Se os países da Europa Ocidental fizessem alguma ameaça ao maior país do mundo, o polêmico presidente Vladmir Putin teria uma resposta simples e indolor à Rússia. Para intimidar seus vizinhos, com licença para a metáfora, bastaria apenas o fechamento de uma válvula. Não que fosse totalmente indolor aos russos, uma vez que o país recebe em torno de 61,8 bilhões de dólares por ano com a venda dos combustíveis, mas é uma defesa muito mais acessível do que levar soldados ao campo de batalha ou ter que acessar seu enorme arsenal bélico proveniente da Guerra Fria.
Atualmente a Europa busca alternativas ao gás russo para sustentar sua demanda por energia elétrica, para que seu estado de vulnerabilidade se torne estado de sensibilidade. Se houver algum conflito futuro entre a União Europeia e a Rússia, a Europa não sofrerá tanto com a falta de energia proveniente do petróleo e gás russos.
A interdependência complexa também se aplica na relação, uma vez que a Crimeia é uma península no Mar Negro, localização estratégica que interessava muito à Rússia, já que antes da anexação do território todos os portos russos saíam em águas frias ao norte, e agora, há uma saída russa para o mar numa região bem mais próxima e mais acessível ao resto da Europa.

    Na crise do petróleo de 1973, o poder emanou de barris de petróleo. Na crise da Crimeia de 2014, o poder que impediu uma intervenção europeia mais acirrada foi emanado de gasodutos e petróleo.

Fontes:
NYE, Joseph. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. Editora Gente. 2009. p. 245-272

*KAMILA MURBACH PIERIN: aluna do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 

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