* Flávia
Lantmann Roman
“Aonde leva
essa loucura?
Qual é a lógica do sistema?
Onde estavam as armas químicas?
O que diziam os poemas?”
Qual é a lógica do sistema?
Onde estavam as armas químicas?
O que diziam os poemas?”
Engenheiros
do Hawaii
“Nós devemos nos levantar pela nossa
segurança e pelos direitos e esperanças permanentes da humanidade”. Que bela
frase, lindas palavras! Ouso perguntar a quem o leitor atribuiria a autoria do
enunciado. Seriam as palavras de Nelson Mandela? Hitler? Mao Tsé Tung? Fidel
Castro? O discurso com certeza pode pender para vários lados, mas foi usado no
dia 12 de setembro de 2002, por George W. Bush em seu discurso à Assembleia
Geral da ONU, em que instava uma invasão ao Iraque[1].
“Nosso compromisso com a dignidade humana é desafiado por fome persistente e
doenças avassaladoras. O sofrimento é grande. E Nossas responsabilidades são
claras”, disse ele. E esse foi o começo o começo da ruína.
Ó, Estados Unidos da América, defensor
dos fracos e oprimidos! O berço da democracia! Deitado eternamente em berço
esplendido! A responsabilidade de libertar o povo iraquiano era clara, tirar o
ditador que por si mesmos colocaram no topo, passando por cima dos
transgressores dos direitos humanos. E o resto? Mera causalidade. Civis, sejam
homens, mulheres crianças ou idosos, são apenas causalidade na busca pela tão
necessária liberdade. Liberdade provida pela própria terra dos livres – the land of the free –, assim não é
preciso tentar atravessar a fronteira norte americana para desfrutar das
benesses. Não que isso fosse possível, é claro. “Mas as intenções dos Estados
Unidas não devem ser duvidadas”, garante o rei da democracia. Tudo tem um
motivo, afinal...
É preciso acabar com a barbárie.
“Dezenas de milhares de opositores políticos e cidadãos comuns foram sujeitos a
detenções e prisões arbitrárias, execução sumária e tortura por espancamentos,
queimaduras, choques, fome, mutilação e estupro”, revelou Bush filho. Mas a
dívida estadounidense deve ser certamente histórica, já que tal discrição
poderia ser atribuída a tantos regimes ditatoriais apoiados pelos EUA durante a
Guerra Fria. Então é preciso se redimir. Mas de que importam os direitos
humanos na realidade se podemos protegê-los em abstrato? Mais vale um pássaro
na mão do que dois voando, um líder muçulmano deposto do que uma dezena de
latinos.
De tal discurso inferimos ainda
informação chocante: além de exímio político, Bush filho é também vidente. “Irá
Organização das Nações Unidas servir seu propósito fundador ou se será
irrelevante?”, disse Pai Jorge anos antes do descumprimento da resolução do
Conselho de Segurança que optava pela não invasão do Iraque.
-- Mas isso tudo é culpa do governo, que
desrespeita os direitos humanos! – comenta Average
Joe no facebook em seu iPhone produzido em regime de escravidão na China, vestido em suas roupas fabricadas por
crianças cambojanas, após consumir sua dose diária de café plantado por uma
família brasileira de seis membros que recebe um salário mínimo por mês.
-- Esses absurdos só acontecem fora do
país – conclui Plain Jane, enquanto
mais um latino é deportado e morre mais um jovem negro por brutalidade policial
nos Estados Unidos.
“Essa organização [das Nações Unidas]
foi reformada, e a América irá participar completamente em sua missão para
avançar os direitos humanos, e tolerância, e aprendizado”. Isso porque a
educação começa em casa. Então talvez os EUA devessem começar assinando e
ratificando tratados de direitos humanos. Em casa de ferreiro, espeto de pau.
Essa parece ser a base dos detentores do destino
manifesto: faça o que digo, mas não faça o que faço.
Mas apesar de suas habilidades incríveis
de previsão, nem o vidente Bush poderia ser perfeito. “Onde estavam as armas
químicas?”, já disseram os Engenheiros[2].
O presidente ainda errou feio em seu
discurso sobre o Iraque dizendo que: “eles podem um dia se unir a um
Afeganistão democrático e uma Palestina democrática, inspirando reformas
através do mundo mulçumano”. E este discurso, caro leitor, é uma sátira em si
mesmo.
[1]
Discurso divulgado pelo The Guardian, disponível na íntegra em
<http://www.theguardian.com/world/2002/sep/12/iraq.usa3>. Tradução livre.
[2]
Referência à música “Armas químicas e poemas” da banda Engenheiros do Hawaii.
** FONTE da imagem: Adam Zyglis - 2008
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