Neste último fim de
semana (13 a 15 de março/2015) o Brasil vivenciou dias de agitação social em
muitas de suas cidades. Nas capitais e nas cidades do interior do país centenas
de milhares de pessoas foram às ruas manifestar seu descontentamento com a
desordem social, econômica e política que os aflige. No domingo, as
manifestações ganharam contornos mais radicais e até insanos, quando clamores
de impeachment e intervenção militar ecoaram pelos ares. Os ‘militaristas’
poderiam aproveitar a oportunidade para aprender, de uma vez por todas, que a
liberdade que usufruíram para ir às ruas manifestar suas diatribes em relação
ao governo federal somente foi possível porque vivemos em um regime
democrático. Caso vigorasse hoje um regime militar no Brasil, fosse ele de
direita ou de esquerda, o direito à manifestação seria zero!
Mas, ao observar
essas manifestações o que podemos aprender? Estarão os brasileiros vivenciando
um verdadeiro processo de amadurecimento político? São perguntas importantes,
sobretudo, porque neste ano de 2015 completamos 30 anos da redemocratização do
Brasil.
As manifestações de
março de 2015, bem como aquelas de junho de 2013, são muito bem-vindas! Elas
ainda apresentam uma configuração muito híbrida, disforme. Abrigam em seu âmago
forças progressistas, mas alinham também grupos oportunistas e retrógrados que
necessariamente precisarão ser expurgados de seu interior. Os ‘militaristas’ e
os defensores do impeachment da presidenta Dilma, por exemplo, são verdadeiras
excrecências sociais. Os primeiros, porque desejam fazer a história andar para
trás, enquanto os defensores do impeachment, charlatões inveterados, pretendem
curar a ferida trocando o curativo. Haja paciência!
Mas as manifestações
podem educar o povo brasileiro a viver mais intensamente a democracia. Em si
mesmo, as manifestações populares são um exercício de poder direto do povo.
Democracia é exatamente isso: regime político fundado sobre a soberania
popular. Às vezes (ou quase sempre), a democracia burguesa parlamentar foge ao
controle popular e torna-se um mero instrumento de dominação do capital e de
seus capatazes, civis e militares, sobre a sociedade. Para recoloca-la nos
trilhos somente a intervenção do poder popular.
É certo que as
manifestações populares ainda estão engatinhando entre nós, brasileiros. É
compreensível, também, sua natureza amorfa. Mas elas podem se tornar o embrião
de um furacão social que venha revitalizar a vida política nacional,
recolocando em seu horizonte as questões de ordem econômica e política mais
prementes para a sociedade. Claro, isso pode levar algum tempo. Mas as
condições objetivas ao amadurecimento das forças sociais progressistas nunca foram
tão favoráveis. Porém, é preciso cautela! O fundo do poço, lugar em que nos
encontramos hoje, é um campo minado e traiçoeiro. Por um lado, representa o fim
do movimento de queda e pode se converter no ponto de partida para um movimento
de renascimento; por outro, dependendo de sua profundidade, pode ser o
prenúncio da morte.
Há razões para temer,
em relação ao futuro próximo das manifestações populares, principalmente em
razão do estado de degenerescência em que se encontra a vida político-partidária
brasileira. Isso é sério, porque a democracia burguesa, tal como a conhecemos,
tem nos partidos políticos seu mais importante canal de diálogo social. Se a
vida político-partidária se degenera, os canais de diálogo social são
obstruídos. É aí que as manifestações populares, como essa do último domingo,
encontrarão seu mais duro obstáculo.
O que acontece com o
mundo político-partidário no Brasil e o que é que ele tem a ver com as
manifestações de domingo último? Ele se tornou um antro de hipócritas e oportunistas
de terceira categoria. Senão, vejamos as reações de algumas das mais
importantes autoridades políticas do país em relação às manifestações deste
último fim de semana.
Comecemos com o
candidato derrotado do PSDB à presidência da República, sr. Aécio Neves. No
domingo das manifestações ele se pronunciou nos seguintes termos: “Depois de refletir muito, eu optei por não estar nas
ruas neste domingo, para deixar muito claro quem é o grande protagonista destas
manifestações. E ele é o povo brasileiro, o povo cansado de tantos desmandos,
de tanta corrupção. Mas o caminho só está começando a ser trilhado. Por isso,
não vamos nos dispersar!”[2]
Pode
haver um pronunciamento mais oportunista que esse? Primeiro, bajula o povo
chamando-o de ‘protagonista das manifestações’; esse mesmo povo, cujos anseios
legítimos e soberania de direito, vêm sendo negligenciados há décadas pelos políticos
do PSDB, inclusive o sr. Aécio Neves, assim como pelos políticos dos demais
partidos brasileiros. Depois, alfineta a presidenta democraticamente eleita
para um mandato de quatro anos, dizendo que o povo está cansado de tantos
desmandos. É verdade, mas os desmandos vêm de longe, tendo sido esta,
inclusive, uma das razões pelas quais o povo brasileiro jogou o PSDB, para
escanteio nas eleições presidenciais há mais de doze anos! Essa foi também a
razão pela qual o povo protagonista das Minas Gerais ajudou dona Dilma a vencer
o sr. Aécio em 2014!
Agora,
vejamos o que disse na segunda-feira, dia 09 de março de 2015, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre-RS: “Como todo
brasileiro, (vejo a situação) com muita preocupação. Sem esperança, não vendo
uma saída. É um momento bastante sombrio”[3] É
sombrio sim, sr. Cardoso! Mas, dito pelo senhor, isso soa também oportunismo e
hipocrisia!
Não faz muito tempo,
ao criticar a gestão do Partido dos Trabalhadores, o sr. Cardoso escreveu: “Já passou da hora de o governo do PT beijar a cruz.
Afinal, muito do que ele renegou no passado e criticou no governo do PSDB passou
a ser o pão nosso de cada dia da atual administração. A começar pelos leilões
de concessão para os aeroportos e para a remodelação de umas poucas estradas.
(...)Sem coragem para fazer autocrítica, o petismo foi pouco a pouco assumindo
o programa do PSDB, e, agora, críticos do mais variado espectro cobram deste o
suposto fato de não ter propostas para o Brasil...”[4]
Sombrio mesmo, hoje no Brasil, é a vida político-partidária brasileira. O sr.
FHC não vê saída para o Brasil, nem mesmo com a adoção do programa do PSDB pelo
Partido dos Trabalhadores!
Vamos para frente,
ouvir as palavras do Ministro da Justiça do Governo Dilma, sr. José Eduardo
Cardozo, em entrevista concedida no domingo, 15/03, à noite. Segundo o Ministro
Cardozo: “a
atual conjuntura aponta para uma necessária mudança no nosso sistema
político-eleitoral (…) é um sistema anacrônico que constitui a porta de entrada
principal para a corrupção no país. Então, é preciso mudá-la por meio de uma
ampla reforma política”[5].
Porque é que o senhor ministro, os governos petistas e seus aliados (12 anos
completos no poder), o PSDB e seus aliados (8 anos de poder) ainda não fizeram
nada para mudar esta situação? Descobriram isso agora? Não. É só hipocrisia! O
senhor ministro da Justiça é um hóspede de honra nesse antro de hipocrisia e
oportunismo rastejante em que se converteu o mundo político-partidário
brasileiro.
Como se isto não bastasse, ouçamos o que disse o
Ministro da Secretaria Geral da Presidência, outro militante histórico do PT,
sr. Miguel Rossetto, também em entrevista na noite deste último domingo: “As manifestações ocorridas hoje são
manifestações onde majoritariamente participaram setores críticos, setores da
sociedade críticos ao governo, seguramente essa participação ela aparece nessas
manifestações, seguramente, majoritariamente também, eleitores que não votaram
na presidenta Dilma Rousseff”[6].
É assustadora a capacidade desses homens de estado
em usar a língua portuguesa em vão! Que tipo de pessoas o sr. Rossetto esperava
nessas manifestações contra o Governo Dilma? Militantes petistas como ele?
Insano!
Agora, será que os participantes das manifestações
eram apenas ‘eleitores que não votaram na presidenta Dilma’? Improvável. A
bandidagem está hoje disseminada em todos os espectros da política brasileira,
independentemente da sigla partidária. Ainda que o senhor Rossetto pense
diferente, a nação brasileira não é uma nação de meretrizes: não vai se vender
por um prato de comida e uma vaga na escola para o filho. A manifestação desse
domingo teria sido muito maior, não tivesse sido emporcalhada pela intromissão
de políticos oportunistas. É provável que não haja hoje no país – a exceção dos
políticos profissionais – um único brasileiro que não deseje estar nas ruas
bradando pelo fim do gangsterismo institucionalizado, inclusive os militantes
de boa-fé do PT.
Mais um tempinho para entendermos o que está
acontecendo com o mundo político-partidário brasileiro. Deixemos falar o presidente
da Câmara Federal, sr. Eduardo Cunha, que, em conversa com empresários na
segunda-feira (16/03), na FIESP, ao tratar do gangsterismo institucional
brasileiro, afirmou: “Isso que
vai ser comprovado e, quem o fez, vai responder por isso. Mas a corrupção não existiu pelo Poder Legislativo. Alguns
parlamentares até podem ter apoiado sem saber que era corrupção, pela natureza
política. Outros, podem ter compartilhado. Essa
crise é do Poder Executivo, não é daqui. Há uma nítida tentativa de
transferir ela para cá”[7].
Ao mesmo tempo, passemos a palavra ao ex-Governador
do Ceará, ex-filiado e militante do PMDB (Partido do sr. Eduardo Cunha) e atual
Ministro da Educação do Governo Dilma, sr. Cid Gomes. Em entrevista concedida
no dia 27/02/2015, a professores e reitores de Universidades Federais
paraenses, afirmou: “A
presidenta Dilma, ela é só presidente da República. Não ache que um presidente
da República tem o poder de tudo, não. Tu acha que essa eleição para a
presidência da Câmara aconteceu segundo a vontade dela (Dilma)? (...) Não foi
não, querido, não foi não. Tudo o que é força política mais realmente
comprometida, mais identificada com esse esforço que ampliou a oferta de ensino
superior no Brasil e que tem compromissos sociais, que reduziu a miséria ou
extinguiu a miséria, todas essas pessoas estiveram contra a eleição de quem foi
eleito lá (o Ministro está se referindo a Eduardo Cunha). (...) Agora, as
coisas são assim, tá certo? As coisas são assim. Tem lá uns 400 deputados, 300 deputados que quanto pior melhor para
eles. Eles querem é que o governo
esteja frágil porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem
mais, aprovarem as emendas impositivas, para quem possa… Com todo respeito
também, porque às vezes os caras querem mandar dinheiro para algum lugar, mas é
uma guerra, é uma guerra…”[8].
Simples e cristalino:
o mundo político-partidário brasileiro se tornou um antro de hipócritas e oportunistas
de terceira categoria. Essa gente vai tentar frustrar de todas as maneiras
possíveis e através de todas as artimanhas imagináveis os objetivos das
manifestações populares. É, inquestionavelmente, o maior estorvo ao
amadurecimento político do povo brasileiro e à nossa frágil democracia.
[1] Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é
doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia, e
professor titular das cadeiras de Economia Política Internacional e Empresas
Transnacionais no Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
[3] Cf:
http://m.zerohora.com.br/284/noticias/4715315/impeachment-e-como-bomba-atomica-diz-fernando-henrique-cardoso
[4] Cf: http://noblat.oglobo.globo.com/noticias/noticia/2013/06/beijar-cruz-por-fernando-henrique-cardoso-498720.html
Artigo publicado no jornal O Globo em junho de 2013
[5] Cf: http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/03/15/governo-errou-antes-e-depois-dos-protestos/
O sr. Cardozo é militante histórico do PT e um dos mais destacados ministros
desse governo atual.
[7] Cf: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/10/politica/1426017808_445573.html;
http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/fala-de-ministros-apos-manifestacoes-foi-um-desastre-diz-eduardo-cunha.html
[8] http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2015/03/04/camaratemuns400300deputadosachacadoresdizministrocidgomes/