Páginas

quarta-feira, 18 de março de 2015

Trinta Anos de Democracia. E daí?

Por. Carlos-Magno Esteves Vasconcellos[1]
Neste último fim de semana (13 a 15 de março/2015) o Brasil vivenciou dias de agitação social em muitas de suas cidades. Nas capitais e nas cidades do interior do país centenas de milhares de pessoas foram às ruas manifestar seu descontentamento com a desordem social, econômica e política que os aflige. No domingo, as manifestações ganharam contornos mais radicais e até insanos, quando clamores de impeachment e intervenção militar ecoaram pelos ares. Os ‘militaristas’ poderiam aproveitar a oportunidade para aprender, de uma vez por todas, que a liberdade que usufruíram para ir às ruas manifestar suas diatribes em relação ao governo federal somente foi possível porque vivemos em um regime democrático. Caso vigorasse hoje um regime militar no Brasil, fosse ele de direita ou de esquerda, o direito à manifestação seria zero!
Mas, ao observar essas manifestações o que podemos aprender? Estarão os brasileiros vivenciando um verdadeiro processo de amadurecimento político? São perguntas importantes, sobretudo, porque neste ano de 2015 completamos 30 anos da redemocratização do Brasil.
As manifestações de março de 2015, bem como aquelas de junho de 2013, são muito bem-vindas! Elas ainda apresentam uma configuração muito híbrida, disforme. Abrigam em seu âmago forças progressistas, mas alinham também grupos oportunistas e retrógrados que necessariamente precisarão ser expurgados de seu interior. Os ‘militaristas’ e os defensores do impeachment da presidenta Dilma, por exemplo, são verdadeiras excrecências sociais. Os primeiros, porque desejam fazer a história andar para trás, enquanto os defensores do impeachment, charlatões inveterados, pretendem curar a ferida trocando o curativo. Haja paciência!
Mas as manifestações podem educar o povo brasileiro a viver mais intensamente a democracia. Em si mesmo, as manifestações populares são um exercício de poder direto do povo. Democracia é exatamente isso: regime político fundado sobre a soberania popular. Às vezes (ou quase sempre), a democracia burguesa parlamentar foge ao controle popular e torna-se um mero instrumento de dominação do capital e de seus capatazes, civis e militares, sobre a sociedade. Para recoloca-la nos trilhos somente a intervenção do poder popular.
É certo que as manifestações populares ainda estão engatinhando entre nós, brasileiros. É compreensível, também, sua natureza amorfa. Mas elas podem se tornar o embrião de um furacão social que venha revitalizar a vida política nacional, recolocando em seu horizonte as questões de ordem econômica e política mais prementes para a sociedade. Claro, isso pode levar algum tempo. Mas as condições objetivas ao amadurecimento das forças sociais progressistas nunca foram tão favoráveis. Porém, é preciso cautela! O fundo do poço, lugar em que nos encontramos hoje, é um campo minado e traiçoeiro. Por um lado, representa o fim do movimento de queda e pode se converter no ponto de partida para um movimento de renascimento; por outro, dependendo de sua profundidade, pode ser o prenúncio da morte.
Há razões para temer, em relação ao futuro próximo das manifestações populares, principalmente em razão do estado de degenerescência em que se encontra a vida político-partidária brasileira. Isso é sério, porque a democracia burguesa, tal como a conhecemos, tem nos partidos políticos seu mais importante canal de diálogo social. Se a vida político-partidária se degenera, os canais de diálogo social são obstruídos. É aí que as manifestações populares, como essa do último domingo, encontrarão seu mais duro obstáculo.
O que acontece com o mundo político-partidário no Brasil e o que é que ele tem a ver com as manifestações de domingo último? Ele se tornou um antro de hipócritas e oportunistas de terceira categoria. Senão, vejamos as reações de algumas das mais importantes autoridades políticas do país em relação às manifestações deste último fim de semana.
Comecemos com o candidato derrotado do PSDB à presidência da República, sr. Aécio Neves. No domingo das manifestações ele se pronunciou nos seguintes termos: “Depois de refletir muito, eu optei por não estar nas ruas neste domingo, para deixar muito claro quem é o grande protagonista destas manifestações. E ele é o povo brasileiro, o povo cansado de tantos desmandos, de tanta corrupção. Mas o caminho só está começando a ser trilhado. Por isso, não vamos nos dispersar![2]
Pode haver um pronunciamento mais oportunista que esse? Primeiro, bajula o povo chamando-o de ‘protagonista das manifestações’; esse mesmo povo, cujos anseios legítimos e soberania de direito, vêm sendo negligenciados há décadas pelos políticos do PSDB, inclusive o sr. Aécio Neves, assim como pelos políticos dos demais partidos brasileiros. Depois, alfineta a presidenta democraticamente eleita para um mandato de quatro anos, dizendo que o povo está cansado de tantos desmandos. É verdade, mas os desmandos vêm de longe, tendo sido esta, inclusive, uma das razões pelas quais o povo brasileiro jogou o PSDB, para escanteio nas eleições presidenciais há mais de doze anos! Essa foi também a razão pela qual o povo protagonista das Minas Gerais ajudou dona Dilma a vencer o sr. Aécio em 2014!
Agora, vejamos o que disse na segunda-feira, dia 09 de março de 2015, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre-RS: “Como todo brasileiro, (vejo a situação) com muita preocupação. Sem esperança, não vendo uma saída. É um momento bastante sombrio[3] É sombrio sim, sr. Cardoso! Mas, dito pelo senhor, isso soa também oportunismo e hipocrisia!
Não faz muito tempo, ao criticar a gestão do Partido dos Trabalhadores, o sr. Cardoso escreveu: “Já passou da hora de o governo do PT beijar a cruz. Afinal, muito do que ele renegou no passado e criticou no governo do PSDB passou a ser o pão nosso de cada dia da atual administração. A começar pelos leilões de concessão para os aeroportos e para a remodelação de umas poucas estradas. (...)Sem coragem para fazer autocrítica, o petismo foi pouco a pouco assumindo o programa do PSDB, e, agora, críticos do mais variado espectro cobram deste o suposto fato de não ter propostas para o Brasil...[4] Sombrio mesmo, hoje no Brasil, é a vida político-partidária brasileira. O sr. FHC não vê saída para o Brasil, nem mesmo com a adoção do programa do PSDB pelo Partido dos Trabalhadores!
Vamos para frente, ouvir as palavras do Ministro da Justiça do Governo Dilma, sr. José Eduardo Cardozo, em entrevista concedida no domingo, 15/03, à noite. Segundo o Ministro Cardozo: “a atual conjuntura aponta para uma necessária mudança no nosso sistema político-eleitoral (…) é um sistema anacrônico que constitui a porta de entrada principal para a corrupção no país. Então, é preciso mudá-la por meio de uma ampla reforma política[5]. Porque é que o senhor ministro, os governos petistas e seus aliados (12 anos completos no poder), o PSDB e seus aliados (8 anos de poder) ainda não fizeram nada para mudar esta situação? Descobriram isso agora? Não. É só hipocrisia! O senhor ministro da Justiça é um hóspede de honra nesse antro de hipocrisia e oportunismo rastejante em que se converteu o mundo político-partidário brasileiro.
Como se isto não bastasse, ouçamos o que disse o Ministro da Secretaria Geral da Presidência, outro militante histórico do PT, sr. Miguel Rossetto, também em entrevista na noite deste último domingo: “As manifestações ocorridas hoje são manifestações onde majoritariamente participaram setores críticos, setores da sociedade críticos ao governo, seguramente essa participação ela aparece nessas manifestações, seguramente, majoritariamente também, eleitores que não votaram na presidenta Dilma Rousseff[6].
É assustadora a capacidade desses homens de estado em usar a língua portuguesa em vão! Que tipo de pessoas o sr. Rossetto esperava nessas manifestações contra o Governo Dilma? Militantes petistas como ele? Insano!
Agora, será que os participantes das manifestações eram apenas ‘eleitores que não votaram na presidenta Dilma’? Improvável. A bandidagem está hoje disseminada em todos os espectros da política brasileira, independentemente da sigla partidária. Ainda que o senhor Rossetto pense diferente, a nação brasileira não é uma nação de meretrizes: não vai se vender por um prato de comida e uma vaga na escola para o filho. A manifestação desse domingo teria sido muito maior, não tivesse sido emporcalhada pela intromissão de políticos oportunistas. É provável que não haja hoje no país – a exceção dos políticos profissionais – um único brasileiro que não deseje estar nas ruas bradando pelo fim do gangsterismo institucionalizado, inclusive os militantes de boa-fé do PT.
Mais um tempinho para entendermos o que está acontecendo com o mundo político-partidário brasileiro. Deixemos falar o presidente da Câmara Federal, sr. Eduardo Cunha, que, em conversa com empresários na segunda-feira (16/03), na FIESP, ao tratar do gangsterismo institucional brasileiro, afirmou: “Isso que vai ser comprovado e, quem o fez, vai responder por isso. Mas a corrupção não existiu pelo Poder Legislativo. Alguns parlamentares até podem ter apoiado sem saber que era corrupção, pela natureza política. Outros, podem ter compartilhado. Essa crise é do Poder Executivo, não é daqui. Há uma nítida tentativa de transferir ela para cá[7].  
Ao mesmo tempo, passemos a palavra ao ex-Governador do Ceará, ex-filiado e militante do PMDB (Partido do sr. Eduardo Cunha) e atual Ministro da Educação do Governo Dilma, sr. Cid Gomes. Em entrevista concedida no dia 27/02/2015, a professores e reitores de Universidades Federais paraenses, afirmou: “A presidenta Dilma, ela é só presidente da República. Não ache que um presidente da República tem o poder de tudo, não. Tu acha que essa eleição para a presidência da Câmara aconteceu segundo a vontade dela (Dilma)? (...) Não foi não, querido, não foi não. Tudo o que é força política mais realmente comprometida, mais identificada com esse esforço que ampliou a oferta de ensino superior no Brasil e que tem compromissos sociais, que reduziu a miséria ou extinguiu a miséria, todas essas pessoas estiveram contra a eleição de quem foi eleito lá (o Ministro está se referindo a Eduardo Cunha). (...) Agora, as coisas são assim, tá certo? As coisas são assim. Tem lá uns 400 deputados, 300 deputados que quanto pior melhor para eles. Eles querem é que o governo esteja frágil porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais, aprovarem as emendas impositivas, para quem possa… Com todo respeito também, porque às vezes os caras querem mandar dinheiro para algum lugar, mas é uma guerra, é uma guerra…”[8].
Simples e cristalino: o mundo político-partidário brasileiro se tornou um antro de hipócritas e oportunistas de terceira categoria. Essa gente vai tentar frustrar de todas as maneiras possíveis e através de todas as artimanhas imagináveis os objetivos das manifestações populares. É, inquestionavelmente, o maior estorvo ao amadurecimento político do povo brasileiro e à nossa frágil democracia.







[1] Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia, e professor titular das cadeiras de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais no Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
[3] Cf: http://m.zerohora.com.br/284/noticias/4715315/impeachment-e-como-bomba-atomica-diz-fernando-henrique-cardoso
[5] Cf: http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/03/15/governo-errou-antes-e-depois-dos-protestos/ O sr. Cardozo é militante histórico do PT e um dos mais destacados ministros desse governo atual.

[7] Cf: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/10/politica/1426017808_445573.html; http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/fala-de-ministros-apos-manifestacoes-foi-um-desastre-diz-eduardo-cunha.html

[8] http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2015/03/04/camara­tem­uns­400­300­deputados­achacadores­diz­ministro­cid­gomes/