Por Victoria A. Karam*
As “comfort women” foram mulheres e garotas –
vindas do próprio Japão, Coreia, China, Filipinas, Burma, Tailândia, Taiwan,
entre outros países - forçadas, pelo Império Japonês, a serem escravas sexuais,
antes e durante a Segunda Guerra Mundial. O termo “comfort women” deriva de uma
interpretação da palavra japonesa “ianfu”
que significa prostituta.
Durante a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente,
200.000 mulheres foram levadas as “comfort stations” pelo Exército Imperial
Japonês e abusadas sexualmente, ficando conhecidas como as “Comfort Women”, assim,
configurando o maior caso de tráfico humano durante todo o século XX.
A
situação das “comfort women” consistiu em uma grande violação aos direitos
humanos que é pouco conhecida no Ocidente, fazendo com que essas mulheres ficassem
presas em meio a todo o tabu que permeia as vidas dos asiáticos nos últimos
sessenta e nove anos.
As
“comfort stations” foram criadas a pedido das autoridades do Exército Imperial
como parte de sua presença na China. Tinham como objetivo diminuir o sentimento
anti-japonês que crescia, conforme os oficiais do exército estupravam e
violentavam mulheres por onde passavam – sentimento que apenas evoluiu com o
Massacre de Nanquim, quando oficiais japoneses mataram e estupraram milhares de
vítimas. Dessa forma, os segredos militares japoneses eram protegidos, uma vez
que a cúpula militar acreditava que dentre as mulheres que se relacionavam com
o contingente poderia haver alguma espiã, afinal, a maior parte das “comfort
women” não dominava a língua japonesa.
Segundo conta a história, os primeiros sinais
desses prostibulos podem ser encontrados por volta de 1931, ou seja, desde o
Incidente da Manchúria. Com o transcorrer dos conflitos esses estabelecimentos se
espalharam e em 1937, com o começo da Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945),
sua presença no território asiático tornou-se ainda mais forte. As mulheres e jovens eram recrutadas em colônias
– como Taiwan e Coréia – e outros territórios dominados pelo Japão. Geralmente
eram enganadas com a ideia de que estavam sendo escolhidas como enfermeiras,
garçonetes, empregadas e tipógrafas, outras eram compradas de suas famílias,
dadas como pagamento de dívidas com a promessa que dentro de um ano retornariam
para suas casas. Porém, a volta ao lar nunca era fácil e, muitas vezes, não
chegava a acontecer, pois as mulheres não deixavam as “comfort stations” ou eram
sequestradas e consideradas suspeitas de terem envolvimento com a resistência.
Com
a expansão da Guerra, a presença japonesa continuava muito marcante e com isso
as mulheres “recrutadas” passaram a viajar com uma autorização e sob vigilância
militar, assim como novas mulheres passaram a integrar o grupo das “comfort
women”, como garantia de que viveriam, mesmo que sacrificando sua liberdade.
Entretanto, quando os japoneses começaram a perder sua força e a Guerra teve
seus papéis invertidos - em decorrência ao ataque japonês à base militar Pearl
Harbor, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França declararam guerra ao
Japão. Assim, a Guerra Sino-Japonesa, a Guerra do Pacífico e a Segunda Guerra
Mundial misturaram-se e Chiang Kai-Shek passou a ser apoiado e a receber
suprimentos e armamentos dos Estados Unidos. Nesse momento, o objetivo chinês
passou a ser a vitória, essas mulheres, muitas vezes distantes de suas casas
eram abandonadas ou deixadas para trás com militares que não tinham mais
condições de acompanhar o exército.
A
Segunda Guerra chegou ao fim em 1945, mas,
para essas mulheres, mesmo sem guerra, não existia mais a paz que conheceram
quando mais novas. Muitas delas deixaram de voltar para suas cidades natais e
as que retornaram sofriam com doenças (venéreas ou não), feridas, estavam estéreis
e viviam uma vida miserável, impedidas de esquecer tudo pelo que haviam
passado, sem poder casar, além de serem obrigadas a esconder seu passado.
Atualmente, existe
uma estimativa da Anistia Internacional sobre o número de mulheres que foram
levadas às “comfort stations”, mas, o que vale ressaltar é que mesmo sessenta e
nove anos depois, as sobreviventes vivem, todos os dias, com as marcas deixadas
pelo tempo em que foram abusadas, mal tratadas e exploradas e com a sensação de
impunidade, uma vez que ninguém foi responsabilizado pelo que essas mulheres
passaram ao longo da Segunda Guerra Mundial.
Em 2000, o “The Women's International War Crimes Tribunal
on Japan's Military Sexual Slavery”,
foi criado por organizações não governamentais e entidades de proteção aos
direitos humanos, com apoio de ex-membros de tribunais especiais do Tribunal
Penal Internacional, para julgar os crimes cometidos contra as mulheres pelo
exército imperial japonês. Em questão de um ano, a sentença foi proferida – em
Haia, sede do TPI - e declarou culpados todos os indiciados. O Imperador Hirohito
não foi condenado como indivíduo e sim como superior, tendo o poder de impedir
que os crimes se perpetuassem. A sentença também exige um pedido de desculpas
publicamente; que o Japão assuma a responsabilidade pelo ocorrido; que haja
compensação por violar os Direitos Humanos e a reparação às vítimas. Esse
tribunal teve como objetivo dar voz à dor das vítimas e levar os crimes
japoneses ao conhecimento da comunidade internacional, focando-se em uma parte
da história pouco abordada.
Por fim, até hoje, o
Japão se recusa a ouvir os pedidos de reconhecimento e nega que tenha havido
crimes contra a humanidade e violação dos direitos humanos no caso das “comfort
women”. Alega que o veredito do “Women’s Tribunal” não deve ser considerado
válido e nega-se a dar margem ‘as especulações sobre os crimes ocorridos entre
1931 e 1945.
*Victoria A. Karam é graduanda dos Cursos
de Direito e Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba –
UNICURITIBA.
Referências:
STETZ, Margaret. Legacies
of the Comfort Women of World War II. Armonk, N.Y.: M.E. Sharpe,
2001.
TANAKA,
Yuki. Japan’s Comfort Women: Sexual Slavery and Prostitution
during World War II and the U.S. Occupation. London: Routledge,
2002.
THOMA,
Pamela. "Cultural
Autobiography, Testimonial, and Asian American Transnational Feminist Coalition
in the "Comfort Women of World War
II"Conference." Frontiers:
A Journal of Women Studies 21, no. 1/2 (2000):
29-54.
UENO,
Chizuko. "The Japanese
Responsibility for Military Rape During World War II." Asian Studies Review 17, no. 3
(1994): 102-107.
WATANABE,
Kazuko. "Militarism,
Colonialism, and the Trafficking of Women:'Comfort Women' Forced into
Sexual Labor for Japanese Soldiers." Bulletin of Concerned Asian Scholars 26, no. 4
(October-December 1994): 2-17.
Yoshimi,
Yoshiaki. Comfort Women: Sexual Slavery in the Japanese Military
during World War II. New York: Columbia University Press, 2000.
Imagem: As vitimas do Exército Imperial Japonês
durante a Segunda Guerra Mundial e seus apoiadores em uma manifestação durante
uma reunião entre o Primeiro Ministro Sinzo Abe e o Presidente Beingno Aquino
III, em 2013.http://static.rappler.com/images/comfort-women-rally-mendiola-epa-20130727-001.jpg