Páginas

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

As eleições na América do Sul e os projetos de integração da região





Por Gustavo Glodes-Blum*

Os anos de 2013, 2014 e 2015 foram e serão decisivos para a estrutura política da América do Sul. Nestes três anos, definiram ou definirão seus governos para os próximos mandatos sete dos doze países que constituem a região: Chile, Venezuela, Colômbia, Brasil, Uruguai e Argentina. Os resultados destas eleições alteram de forma leve ou profunda a cartografia política desta região, dependendo do país e do movimento político que nele ocorre, sobretudo com relação aos dois principais blocos de poder da região: a Aliança do Pacífico e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A tabela abaixo apresenta o resultado das eleições já realizadas na região.

Ano
País
Turno
Candidato eleito
Candidato opositor
2013
Venezuela
Segundo
Nicolás Maduro (50,6%)
Henrique Capriles (49,1%)
Chile
Segundo
Michelle Bachelet (62,16%)
Evelyn Matthei (37,83%)
2014
Colômbia
Segundo
Juan Manuel Santos (50,95%)
Óscar Iván Zuluaga (45,00%)
Bolívia
Primeiro
Evo Morales (61,04%)
Samuel Doria (24,49%)
Brasil
Segundo
Dilma Rousseff (51,63%)
Aécio Neves (48,36%)
Uruguai
Segundo
A ser definido
2015
Argentina
A ser realizada

Estes seis países, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), representam 85% da economia da América do Sul, representando um forte desnível entre estes e os outros cinco países da região – Paraguai, Peru, Equador, Guiana e Suriname. Desta forma, os grupos políticos que ascenderam ou ascenderão aos governos serão responsáveis por determinar os rumos políticos e econômicos da América do Sul em razão de seus preceitos políticos. A tabela abaixo apresenta a produção de riquezas nos países da América do Sul em 2013, segundo o FMI:

País
Valor do PIB em Bilhões de Dólares
Porcentagem do PIB Regional
Argentina
488,213
12%
Bolívia
29,802
1%
Brasil
2242,854
54%
Chile
276,975
7%
Colômbia
381,822
9%
Equador
94,144
2%
Guiana
2,97
0%
Paraguai
28,333
1%
Peru
206,542
5%
Suriname
5,057
0%
Uruguai
56,345
1%
Venezuela
373,978
9%
América do Sul
4187,035
100%
Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI), Base de Dados da Perspectiva Econômica Mundial, Abril de 2014.

O que se apresenta, segundo os dados apresentados, é que a vitória política dentro de qualquer um destes países é muito relevante para compreender os projetos políticos que estão em andamento na região. Tanto a Aliança do Pacífico como o Mercosul encontram-se, atualmente, em um momento de revisão das suas estruturas. Enquanto a vitória de Michelle Bachelet no Chile representa uma possível estagnação do avanço da Aliança, diversos setores – sobretudo aqueles ligados à indústria e ao agronegócio – no Brasil e na Argentina questionam a continuidade do Mercado Comum.
O Mercosul, que foi criado em 1994 mas que ganhou força a partir do fim da década de 1990, se tornou, dentro da estratégia de integração regional, uma das forças motrizes da integração regional. Foi a partir do Mercosul que, em 2008, o ex-presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva criou, utilizando-o como plataforma para tal, a União das Nações Sul-Americanas, a UNASUL.
Esta estrutura, que previa uma profunda integração entre os países da América do Sul nos quesitos de energia, educação, saúde, ambiente, infraestrutura, segurança e democracia, segundo a própria instituição, conseguiu, pela primeira vez, reunir sob um mesmo espectro todos os países da região – inclusive países como a Guiana e o Suriname, tradicionalmente afastados de iniciativas regionais. Porém, com a entrada da Venezuela no Mercosul aceita pelo Parlamento paraguaio ao fim de 2013, finalizando um processo que se iniciara ainda em 2006, ambas as iniciativas foram enxergadas como pertencentes ao “Giro à Esquerda”, ou seja, aos governos populares de tendência de centro-esquerda que assumiram o poder nestes países.
Geopoliticamente, o Mercosul conta com um claro viés de aumento da integração tendo como base o apoio ao consumo interno, o aumento dos fluxos comerciais e industriais dentro do próprio bloco. Para isso, as estratégias de distribuição de renda e de desenvolvimento do mercado consumidor interno são fundamentais, tendo sido estas algumas das principais políticas perseguidas pelos governos de seus países-membros. A figura abaixo, criada pela Secretaria Geral do Mercosul, apresenta alguns dados a respeito dos Estados-membros do bloco.

Figura 1.  Estados-membros do Mercosul e dados internos ao Bloco.



Como contraposição ao “Giro à Esquerda”, os governos do México, do Peru, da Colômbia e do Chile criaram, em 2011, a Aliança do Pacífico. Esta estrutura tem uma intenção completamente diversa daquela do Mercosul. De acordo com sua Secretaria Geral, a Aliança busca, ao tentar criar uma Área de Livre Comércio, “converter-se em uma plataforma de articulação política, integração econômica e comercial, e projeção ao mundo, com ênfase na região da Ásia-Pacífico”.
Desta forma, fica clara a intenção dos governos destes países, que têm um nível maior de comunicação com o Oceano Pacífico que com as economias para além da Cordilheira dos Andes, de se inserir numa grande estratégia global de acesso ao mercado chinês e asiático em Geral. Criado no âmbito de governos com características neoliberais e mais voltadas às estratégias de inserção na lógica global da cadeia de produção, a Aliança se apresentou como uma contraposição ao Mercosul e à Unasul, já que seus preceitos ideológicos diferem destes últimos, sobretudo num forte apoio às estratégias dos Estados Unidos da América na região. A figura abaixo, produzida pela Secretaria Geral da Aliança, demonstra a intenção em perseguir este tipo de política.

Figura 2. Estados-membros da Aliança do Pacífico e sua inserção geográfica na zona costeira do Oceano Pacífico.
Fonte: Secretaria Geral da Aliança do Pacífico, 2014.



O quê demonstram as recentes eleições nos sete principais países da região é que, de certa forma, o projeto da Aliança do Pacífico é aquele que pode ser prejudicado em razão da recente cartografia política da região. A candidata de centro-esquerda Michelle Bachelet, que assume o seu segundo mandato como Presidente do Chile após derrotar a candidata de centro-direita Evelyn Mattheis no segundo turno, pode representar uma quebra na continuidade da Aliança e uma guinada tanto no Mercosul como na Unasul, instituição da qual, entre 2008 e 2009, Presidente pro tempore.

Dos países que já terminaram seu processo eleitoral, apenas a Colômbia apresenta a continuidade de um processo político que apoia fortemente a Aliança do Pacífico. Porém, devido a pressões externas e internas, haverá que se aguardar para perceber quais os reais impactos destas eleições nos processos de integração da região.


Gustavo Glodes Blum é Professor de Geografia Política do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA

Nenhum comentário:

Postar um comentário