Ana Caroline Moreno*
O Sistema Mundo Moderno é
analisado a partir da distribuição internacional do trabalho, produzida pela
estrutura capitalista mundial. Essa distribuição divide os Estados em três
níveis - centro, periferia e semiperiferia - sendo o centro o grande produtor de
bens de alto valor agregado/tecnológico e os periféricos, responsáveis pela
produção de commodities. Enquanto
isso, os Estados semiperiféricos - por estarem em um ponto intermediário -
aliviam o congestionamento de capital do centro e redistribuem os conflitos
entre potências e países periféricos (LIMA, 2010). Para Sarfati (2005, p. 140),
o mundo foi dominado por Impérios Mundiais até a consolidação da ordem dos
Estados, onde cria-se um padrão necessário para o desenvolvimento capitalista.
Segundo ele, constata-se que o balanço de poder na Europa pós-Segunda Guerra
foi a origem para a criação do Sistema Mundo Moderno tal qual conhecemos.
Voltando-se à Europa, dados
do Fundo Monetário Internacional concluem que três dos seis maiores PIBs
mundiais são europeus - Alemanha, França e Reino Unido, 4º, 5º e 6º lugar
respectivamente - e segundo dados do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, o continente possui um Índice de Desenvolvimento Humano
classificado como alto (entre países do leste europeu) ou muito alto (França,
Reino Unido, Áustria, Alemanha, entre outros). Juntando isso ao fato de que a economia da União Europeia, medida em PIB é atualmente
superior à dos Estados Unidos (totalizando 12.945.402 milhões de euros) e
ao fato de que movimenta cerca de 20% do volume de importação e exportação do
mundo (embora só possua 7% da população mundial), parece seguro concluir que a
União Europeia - senão o continente Europeu - figuraria dentre os
países-centro, segundo a análise clássica do SMM.
Entretanto,
viu-se que a crise financeira mundial que iniciou-se nos Estados Unidos e
atingiu o auge em setembro de 2008, agravou os problemas financeiros de forma
especial em alguns países da Europa como Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e
Espanha. E que tentando diminuir os impactos desta crise sobre suas economias,
a União Europeia passou a ajudar os setores mais prejudicados com pacotes
bilionários, que evitariam desemprego e amorteceriam as turbulências no setor
financeiro. Porém, com tantos pacotes de ajuda, a arrecadação destes governos
diminuiu, deixando-os mais endividados. Então, o que está acontecendo com o
atual sistema em que vivemos, onde um dos maiores polos de poder (lembrando que
os EUA também não vivem exatamente o auge de seu American Dream) passa pela maior crise em 70 anos? Por que a União
Europeia tem dificuldade em manter seu índice - já no vermelho - de desemprego
e a crise parece atingir endemicamente a sociedade (PETROFF, 2013)?
Wallerstein
(2013) previa, desde a década de 1970, que “nos próximos 50 anos o mundo vai mergulhar em uma
turbulência econômica séria e, mais tarde, o capitalismo vai enfrentar uma
crise tremenda, como a da Grande Depressão”. Além disso, pondera que o caso dos
europeus é especialmente vulnerável pois possuem ao menos nove moedas e 17
países compartilham o euro - mas não têm um governo federal propriamente dito.
O que complica ainda mais, pois “os governos não podem intervir em sua própria
moeda. Um dos instrumentos que os governos utilizam tradicionalmente para lidar
com suas dificuldades [...] Os países da zona do euro não têm essa opção [...]
e estão enfrentando os mesmos problemas de todos os outros [países em crise]”.
Além disso, Wallestein ressalta que os governos europeus enfrentam exigências
crescentes devido ao aumento do desemprego ao mesmo tempo em que observam sua
receita minguar, justamente porque não há empregos.
Os analistas financeiros,
economistas e credores dos países europeus em crise ressaltam o dever de cortar
benefícios sociais para reduzir despesas - quantas vezes não foi dito, por
exemplo, que a Grécia se metera aonde está devido aos excessos de seu Wellfare State? Já Wallerstein defende
não ser esta a questão-chave, pois o corte de benefícios não só reduziria o
poder de compra, como não contemplaria o “efeito de contágio”, este sim grande
dano à situação europeia. O efeito seria o seguinte: os países precisam de crédito.
As pessoas e empresas emprestam à medida que sentem que serão reembolsadas. As
maiores agências de risco (como as norte-americanas Moody´s, Standard&Poor´s e Fitch) não são exatamente
imparciais. Quanto mais inseguros os donos do capital se sentem, menos se
sentirão tentados a emprestar para determinado país. E mais alto serão os juros
– que se fossem menos abusivos, poderiam ser melhor alocados em saúde ou
educação, por exemplo.
Além disso, os países
europeus que mais gastam com benefícios sociais – os países escandinavos – são
justamente aqueles que não se encontram em crise. Embora sejam muito diferentes
entre si, até no que tange à adoção do Euro, Noruega, Dinamarca, Finlândia,
Islândia e Suécia estão em situação relativamente confortável. Wallerstein
comenta que grande parte do problema fiscal europeu é comum à realidade fiscal
e política de grande parte do mundo: resultados da corrupção, que caracteriza
como “arma etnocêntrica”. O autor reflete que embora os países do Norte tenham
a tendência de atribuir a corrupção apenas aos do Sul, é um fenômeno geral do
sistema. E vai mais longe: “É geral porque, se você tem um sistema em que o
principal objetivo é a acumulação de capital, a corrupção é simplesmente um
aluguel que as pessoas que estão no lugar certo cobram, da acumulação sem fim
do capital”.
Em novembro de 2013, a
Comissão Europeia anunciou que o continente inicia um “ponto de virada”,
afirmando que o segundo semestre de 2013 teria previsões de crescimento de 0,5%
(CHADE, 2013). Apesar disso, admitiu
que a recuperação será “gradual e lenta”, pois a estabilização dos mercados
financeiros e das taxas de juros ainda não se traduziram em ganhos para a
economia real. Esta análise vai diametralmente contra a ordem de concepção do
SMM, que prega que insuficiência de investimento da economia real (que não
acompanha a velocidade da acumulação) é quem gera a expansão da economia financeira-especulativa.
Independente dos rumos que a crise irá tomar - e se a economia real irá de fato
emergir das cinzas da crise, como prega a Comissão Europeia – analisa-la sob a
perspectiva do SMM, dentro de um mundo globalizado, faz cada vez mais sentido
já que, citando Braudel (1979, III, p. 35, apud LIMA, 2010): “toda economia-mundo
é uma incrustação, uma justaposição de zonas ligadas conjuntamente, mas em
níveis diferentes.” Marola ou tsunami, acidente de percurso ou desestabilizador
do Status Quo capitalista, deve-se
prestar atenção tanto na Crise Europeia como nas reflexões de Wallerstein.
*Ana
Caroline Moreno é graduanda do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
REFERÊNCIAS:
1 - LIMA, Pedro G. C., “Posicionamento no Sistema Mundial e
Semiperiferia”, disponível em: http://www.gpepsm.ufsc.br/html/index_arquivos/10.pdf
2 – PETROFF, Alana, “Financial Crisis Caused 5.000 Suicides”,
disponível em: http://money.cnn.com/2013/09/18/news/economy/financial-crisis-suicide/
3 - WALLESTEIN, Immanuel, “Nenhum Sistema É Para Sempre” (entrevista
concedida à Lee
Su-hoon), disponível em: http://outraspalavras.net/posts/wallerstein-nenhum-sistema-e-para-sempre/
4 - CHADE, Jamil, “O Estado de São Paulo”, 05/11/2013, disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-internacional,europa-vive-ponto-de-virada-em-crise-mas-crescimento-sera-fraco,169324,0.htm
Fontes Complementares:
SARFATI, Gilberto, “Teorias de Relações Internacionais”, capítulo 11.
UNIÃO EUROPEIA (Website Oficial), “A Economia”, disponível em: http://europa.eu/about-eu/facts-figures/economy/index_pt.htm