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domingo, 21 de julho de 2013

Dirceu – A Biografia: uma resenha





Por Carlos-Magno Esteves Vasconcellos

Publicada recentemente no Brasil, pelo jornalista Otávio Cabral, a biografia de José Dirceu é uma obra que merece ser lida por todos os brasileiros e, em particular, pelos intelectuais, trabalhadores e militantes políticos comprometidos com uma transformação radical da vida socioeconômica de nosso país. No livro, o autor se propõe a redesenhar toda a trajetória política daquele que foi – depois de Lula – o mais importante líder político do Partido dos Trabalhadores (PT), desde sua criação, em 1980, até o ano de 2005, quando eclodiu o ‘escândalo do mensalão’. Para além desse propósito, o autor pretende também, de maneira absolutamente equivocada, que o estudo da trajetória política de José Dirceu possa resumir de alguma maneira “a história da esquerda latino-americana na segunda metade do século XX”. Quanto a este segundo propósito o livro não cumpre papel relevante, pois a história da “esquerda” latino-americana – mesmo que restrita à segunda metade do século XX – é muito mais rica que as experiências vivenciadas por Dirceu e o PT; porém, no que diz respeito à aventura política de Dirceu e do PT na gestão política e econômica de nosso país, a obra de Cabral é preciosa.

Redigida através de uma narrativa simples, direta, e cronologicamente organizada, a biografia de Dirceu organizada por Cabral tem início na adolescência do mineirinho de Passa Quatro, filho de seu Castorino e dona Olga. Desde tenra idade, Dirceu já manifestava alguns dos traços de personalidade que iriam acompanha-lo pelo resto da vida: ambição, ousadia, arrogância e liderança. Impulsionado por essa forte personalidade o jovem Dirceu abandonou Passa Quatro no ano de 1961, aos 14 anos de idade, rumo à cidade de São Paulo. Em 1966, já cursando Direito na PUC, tornara-se presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto e, em outubro de 1967, elegia-se a presidente da União Estadual dos Estudantes (Estado de São Paulo). Em 1968, liderou a ocupação da Faculdade de Filosofia da USP, de onde comandou a rebelião dos estudantes de São Paulo contra a Ditadura que se instalara no Brasil em 1964. Em sete míseros anos Dirceu saia do mais absoluto anonimato no interior de Minas Gerais para a condição de renomado líder estudantil em um dos mais pulsantes núcleos intelectuais do Brasil. Uma ascensão meteórica!
Em seu engajamento político inicial, Dirceu se tornaria um dos pilares da resistência democrática contra o opressivo regime político implantado no Brasil pela burguesia nacional em aliança com as elites burguesas do capitalismo internacional. Nesta condição, viveu exilado em Cuba entre outubro de 1969 e fevereiro de 1971, onde recebeu treinamento e qualificação especial para a luta armada no Brasil, e de onde retornaria ao país para participar de um frustrado movimento de guerrilha urbana e rural (Molipo).
Em 1975 (após novo estágio preparatório de cerca de 3 anos em Cuba), metamorfoseado e com a identidade de Carlos Henrique Gouveia de Melo, José Dirceu voltaria ao Brasil para “reorganizar o movimento guerrilheiro contra a ditadura brasileira”. Em 1979, beneficiado pela Lei da Anistia, Dirceu deixa a clandestinidade e volta a se articular politicamente com grupos “de esquerda”. Em 1980, ao lado de Luiz Inácio da Silva, Vladimir Palmeira, Frei Betto, Olívio Dutra e outros companheiros, participaria da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Estranhamente, e quase num passe de mágica, no novo Partido o político José Dirceu vai se afastar dos companheiros mais radicais do PT (inclusive dos ex-guerrilheiros) e se alinhar ao grupo de esquerdistas moderados, através da tendência Articulação, que ele mesmo cria. Aqui se inicia uma nova etapa da trajetória política de José Dirceu: a militância e a liderança política num contexto de legalidade institucional.
Em 1986, Dirceu foi eleito para seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa paulista (Deputado Estadual); em 1989, assumiu a coordenação da primeira campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva; e, em 1990, foi eleito para seu primeiro mandato na Câmara Federal, durante o qual participaria intensamente da cruzada ética que culminaria no impeachment de Fernando Collor de Mello. Em 1994, no comando da campanha presidencial de Lula pela segunda vez, Dirceu e o PT sofreriam a segunda derrota consecutiva para aquele pleito: foram derrotados em 1989, por Collor de Mello, e em 1994, por Fernando Henrique Cardoso. Na campanha de 1994, entretanto, confrontado com a carência de recursos do Partido, Dirceu romperia com os padrões éticos tradicionais do PT e aceitaria doações de empreiteiras contratadas pelo governo federal para financiar a campanha presidencial de Lula. Tal conduta política geraria uma crise existencial no PT que, somente em agosto de 1995, no congresso nacional do Partido seria resolvida, graças ao apoio de Lula e o sufocamento das críticas a José Dirceu. Este episódio, assim como o perfil moderado-reformista, imposto ao PT pela tendência majoritária Articulação, liderada por Dirceu desde o início da existência institucional do Partido, seriam decisivos na conformação política do PT e prenúncio de seu futuro na gestão do governo brasileiro.
Em 1997, preparando-se para sua terceira campanha à presidência da república contra o candidato da situação – Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula confessou a Chico Alencar (candidato derrotado do PT ao governo do Rio de Janeiro): “Cansei de rodar minha bolsinha esfarrapada por aí. Para ganhar eleição, vou precisar de aliança e de grana. Dei todo poder para o Zé Dirceu arrumar isso. Falei: Zé, articula e faz. Pode até contratar o Duda Mendonça. Não quero saber como você fez, só quero que a gente ganhe a Presidência”. (p. 149)  Ainda em 1997, Paulo de Tarso Venceslau (partícipe do sequestro do embaixador norte-americano que seria usado como poder de barganha para a libertação de Dirceu em 1969 e membro fundador do PT) denunciou, sem sucesso, um esquema de fraude e corrupção liderado por Lula e Dirceu no interior do Estado de São Paulo para financiar a campanha de Lula à presidência da república.
Em 2002, após mais uma derrota no pleito presidencial de 1998 diante de FHC, Lula e o PT se preparavam para mais uma eleição ao Planalto sob a liderança absoluta de seu fiel escudeiro José Dirceu. Naquele ano, confirmaram o caráter moderado-reformista do PT com a divulgação da famigerada Carta ao Povo Brasileiro, através da qual o Partido se comprometia a não provocar rupturas com o modelo econômico vigente. A nova campanha do PT às eleições presidenciais seria pautada no slogan Lulinha, Paz e Amor e na luta contra a corrupção, muito embora o Partido se encontrasse envolto por especulações de desvio de dinheiro público e criminalidade por conta dos recentes assassinatos dos prefeitos petistas de Campinas e Santo André, Toninho e Celso Daniel. Ainda em 2002, graças à morte de Celso Daniel, uma nova estrela começaria a brilhar no PT: o prefeito petista de Ribeirão Preto, Antônio Palocci Filho, novo coordenador do programa de governo do PT.
Como homem forte da articulação política da candidatura Lula à presidência da república, Dirceu passou a se concentrar na formação de alianças de apoio ao candidato petista. Para assessorá-lo, cercou-se de amigos e correligionários de sua inteira confiança: Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Waldomiro Diniz.  Em busca das alianças que viabilizassem a eleição de Lula, José Dirceu costurou importantes apoios com partidos e lideranças políticas minimamente estranhos: o PMDB de José Sarney, o PFL de Antônio Carlos Magalhães, o PTB de Roberto Jefferson e o PL de Valdemar Costa Neto.
Mas, o que teria tornado exequível tais alianças? Na opinião de Otávio Cabral a resposta deve ser buscada em uma nova amizade de Dirceu: o mineiríssimo Marcos Valério que lhe foi apresentado pelo bom amigo João Paulo Cunha. Valério parecia o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Era uma espécie de mago das finanças, que fazia aparecer dinheiro onde antes nada existia. E o dinheiro, como é sabido desde tempos imemoráveis, sempre foi um produto de excelente qualidade para dar liga à alianças políticas, especialmente às mais esdrúxulas.
Eleito Presidente da República em 2002, Lula entregaria a chefia da Casa Civil e a articulação política do governo federal nas mãos de José Dirceu. Sua principal missão: gerir o condomínio do poder onde o PT coabitaria com seus aliados. Missão impossível, viabilizada pelo mago Valério.
A segunda metade do livro de Cabral relata a epopeia de Dirceu à frente da Casa Civil. É sem dúvida um dos períodos mais negros da história do Brasil que culmina no horroroso julgamento do mensalão. É um livro indispensável à todos que desejam conhecer o Brasil de hoje. Um país inequivocamente burguês e decadente, malgrado a verborragia de seus governantes.
Para terminar, cabe ressaltar algumas importantes deficiências da obra de Cabral. Primeiro, o autor traz muitas revelações sem as devidas fontes. A força das revelações, entretanto, reside no conjunto da obra, onde tudo se encaixa linearmente. Segundo, o autor não revela em nenhum momento as idéias de Dirceu concernentes aos seus propósitos com a defesa da democracia. Terceiro, o autor-jornalista minimiza ou até mesmo negligencia a participação de jornalistas e da grande mídia privada no sistema de gestão política organizado por Dirceu (terá sido por motivações corporativistas?)

No balanço de acertos e tropeços, recomendo a leitura da obra.

Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia e Professor Titular das cadeiras de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba. 

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