Gisele Passaúra*
No decorrer da história, o entendimento da África à
margem dos principais eventos mundiais é perceptível, entretanto questionável:
por que esse imaginário sobre uma África marginalizada tem sido perpetuado?
Conforme Hugon (2009, p. 12), ao longo da história alguns
arquétipos foram atribuídos ao continente africano, a saber: o racista, o
paternalista, o exótico, o humanista, o relativista, o conscientizado e o
solidário.
O racista diz respeito à visão de que o africano
precisava ser civilizado; o paternalista no sentido de que o africano já fora
percebido como quem carecia ser educado; o exótico é aplicado quando o africano
é visualizado como o “bom selvagem”, ou seja, aquele que deve ser preservado; o
humanista, por sua vez, examina o africano como semelhante com o qual são necessários
laços cooperativos; o relativista vê a África como de difícil compreensão,
acarretando assim, certa indiferença; já o arquétipo do conscientizado observa
o africano como um ser aprisionado que necessita ser emancipado; finalmente, o solidário
percebe a África em cuja região é fundamental uma assistência internacional
para propiciar seu desenvolvimento.
Ao analisar as representações sociais africanas, como
escapar, então, da visão ultrapassada de uma África subdesenvolvida vinculada a
tradições pretéritas ou uma África explorada e adicionalmente posicionada à
margem no plano internacional?
Em todos os arquétipos o que se percebe é um
posicionamento africano em nível inferior e concomitantemente carente de um
auxílio externo. Como se a África fosse incapaz de “evoluir” sozinha e se
inserir de maneira igual às demais regiões do globo no cenário internacional.
Mas quais são os valores analisados ao se proferir tal posicionamento?
Certamente não estão incluídos nesse exame os valores
culturais africanos, porque se assim estivessem, a importância atribuída ao
continente seria outro. Tampouco foi levado em consideração o papel linguístico,
haja vista que com aproximadamente mil e quinhentas línguas distintas, a África
constitui-se no maior patrimônio linguístico do mundo (SELLIER, 2003).
Seguramente a análise também não inclui o campo
normativo, uma vez que a África possui um complexo sistema de regras
institucionais e jurídicas cuja eficácia não difere tão violentamente de outros
Estados semelhantes em nível de desenvolvimento.
Talvez o posicionamento marginal africano no cenário
internacional seja dado enfatizando-se demasiadamente o plano socioeconômico. À
própria noção de Estado moderno quando direcionada aos países africanos é
preciso ser feita com cautela, uma vez que a maioria apresenta uma história
recente de independência e consolidação das instituições internas.
Nesse contexto é primordial recordar que no caso
africano, de maneira geral, o Estado precedeu a Nação e a própria noção de
cidadania é deveras recente, já que os laços comunitários, entre clãs ou
regiões sempre predominara. Portanto é fundamental evitar generalizações.
Diversos são os estudos para entender a estagnação
africana no que concerne o desempenho econômico. As causas, notadamente, são
apontadas como sendo, a saber: fragmentação etnolinguística, fatores
geográficos, políticos e históricos, problemas infraestruturais e as
consequências do imperialismo europeu (HUGON, 2009, p.71).
A fragmentação etnolinguística, entretanto, é uma
característica intrínseca comum a vários Estados africanos. Ora, se é um
predicado de tamanha importância ao continente é preciso que seja atribuído o
devido destaque e logo, é primordial que o sistema econômico de cada país
africano leve em consideração o impacto de seus aspectos peculiares.
Tanto fatores geográficos e políticos quanto históricos devem
ser vistos com prudência, pois como já citado, para a maioria dos Estados
africanos esse processo de afirmação é recente, sendo preciso provavelmente
tempo e disposição política para a consolidação das instituições e quiçá da
democracia.
No que diz respeito aos problemas infraestruturais, novamente
a situação africana não difere drasticamente de outros países de
desenvolvimento semelhante. Portanto não é exclusividade africana carecer de
maiores investimentos em prol de melhor competitividade no âmbito
internacional.
Talvez o fator mais delicado na composição da construção
histórica marginal do continente africano seja os resquícios do imperialismo
europeu, uma vez que, em grande medida, esses são vistos como os principais
causadores da estagnação socioeconômica e consequente marginalização africana
no cenário internacional. Não obstante, fazem-se necessários questionamentos
acerca de tal assertiva. É possível afirmar de maneira categórica que apenas o imperialismo
e suas consequências sejam responsáveis por todos os danos normalmente associados
ao continente africano? Estaria a África, então, condenada à marginalidade?
Visentini (2010, p.95) examina como esse posicionamento
marginal africano está de fato em vias de transformação uma vez que a reafirmação
da África no âmbito internacional dá-se a partir da década de 1990 e adicionalmente
há um processo de aprofundamento no início do século XXI. Nesse contexto, o
autor cita como relevante observar a atuação da Organização da Unidade Africana
(OUA), assim como da União Africana (UA) e a Nova Parceria para o
Desenvolvimento de África (NEPAD).
A OUA foi estabelecida em 1963, e possuía como objetivos
a promoção da unidade e solidariedade entre os países africanos assim como a
intensificação dos laços cooperativos, da defesa da soberania, da integridade
territorial e da independência entre os Estados. Após ter atuado por quase
quatro décadas, e tendo que responder a diversos desafios ocorridos durante a
década de 1990, a OUA acabou sendo substituída pela UA.
Esse organismo (UA) tem atuado de maneira eficaz
promovendo especialmente ações no âmbito social, além de supervisionar a NEPAD
que se constitui, segundo Visentini (2010, p.88) “num plano de ação
multissetorial, que oferece uma barganha com o Ocidente: a promoção de práticas
políticas e econômicas em troca de ajuda internacional e investimento”. Assim
sendo, a África, por consequência, não estaria tão à margem do sistema internacional.
Historicamente à África foram atribuídos arquétipos que
precisam ser analisados como tal. É fundamental que a África seja compreendida
como um continente imerso em um período de afirmações ou reafirmações sejam
sociais, políticas ou econômicas. Portanto, seu posicionamento marginal no
cenário internacional deve ser feito com cautela para que essa visão estrangeira
concernente à África não esteja apenas imersa aos arquétipos historicamente
construídos, mas sim, seja reflexo verossímil da postura examinada nos países africanos.
*Gisele Passaúra é Internacionalista pelo
Centro Universitário Curitiba e pós-graduanda em Antropologia Cultural pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Referências bibliográficas
HUGON, Phillippe, (2009), Geopolítica da África. Série Entenda o
Mundo. Rio de Janeiro: Editora FGV.
SEKKUER, J. (2003), Atlas despeuples d’Afrique. Paris: La
Découverte.
VISENTINI, P. F. (2010), A África moderna. Série Temas do Novo
Século. Porto Alegre: Leitura XXI.