Fernando Marcelino
Com a retirada das guerras no Oriente Médio, agora o alvo estratégico dos Estados Unidos é a Ásia, em particular a China. Recentemente Obama afirmou que os cortes orçamentários do Pentágono não vão atingir a zona asiática: "Disse à minha equipe de segurança nacional que encerradas as guerras atuais, ou seja, a saída do Iraque e do Afeganistão, as missões na região Ásia Pacífico serão nossa prioridade". Hillary Clinton declarou que na seqüência do Iraque e do Afeganistão, "o centro de gravidade estratégico e econômico do mundo está se mudando para o leste, e que [os EUA] estão se focando mais na região da Ásia e Oceania". Um dos focos de tensão é o Mar da China Meridional que abriga as ilhas Spratly e Paracel que se acredita ser uma das maiores reservas mundiais de petróleo ainda não exploradas. Os EUA também deslocaram a maior parte de seus porta-aviões do Atlântico para Pacífico, que recentemente fortaleceram acordos militares com Cingapura e Austrália. Está mudança do alvo estratégico dos Estados Unidos provavelmente marcará profundamente os conflitos geopolíticos da próxima década representando não apenas uma enorme drenagem dos recursos imperialistas, mas também uma potencial carga explosiva extremamente instável para as relações internacionais contemporâneas.
Mesmo com o declínio da hegemonia dos Estados Unidos não se pode falar da perda de seu poder militar. A capacidade estadunidense de intervenção militar é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas pela extensão de suas bases pelos quatro cantos do mundo encorpando também seu poder ao ciberespaço, ao espaço sideral e utilizando novas formas de intervenção em conflitos com as empresas militares privadas. Esta capacidade bélica, entretanto, não assegurou a vitória incisiva dos Estados Unidos e de seus aliados no Oriente Médio. Pior, em meio a este processo, presenciou a acelerada e crescente ascensão da China como um dos centros econômicos, políticos e militares do mundo.
De qualquer forma, é certo que os Estados Unidos continuam sem uma política coerente com a China. Giovanni Arrighi listou três razões principais para isso. Primeiro que o governo Bush via a guerra do Iraque como a batalha decisiva para conter o poder crescente da China. Como o sonho de uma vitória fácil que permitiria aos Estados Unidos lidar com a China de uma posição vantajosa azedou, restou o objetivo de sair do Iraque com o mínimo de perda para a credibilidade norte-americana. A segunda razão para a constante inexistência de uma política norte-americana coerente para a China é a dificuldade para se definir o interesse nacional dos Estados Unidos e a terceira é a dificuldade de perceber as tendências atuais e futuras da economia política chinesa. Agora o primeiro ponto está sendo reformulando. O fracasso no Oriente Médio está obrigando o salto estratégico rumo a China, sem o acúmulo de poder que seria propiciado pela guerra do Iraque. Isso é: a mudança estratégica dos Estados Unidos agora acontece num contexto de enfraquecimento político e maior dependência econômica da China. A alternativa militar parece ser a única forma de conter o poder chinês diante do aprofundamento de sua crise – por mais irracional que seja.
Mas como e porque os Estados Unidos iriam aumentar seu engajamento militar na Ásia? Afinal, se a questão de Taiwan for deixado de lado, é difícil construir uma hipótese realista para um conflito entre China e Estados Unidos. Uma das justificativas dadas pelo Pentágono para o novo enfoque estratégico é o crescimento do poder militar chinês. Entende-se que a China já há algum tempo começa a se apresentar como a maior desafiadora em potencial da hegemonia norte-americana devido ao seu crescimento econômico e, principalmente, militar. Em 2011 o orçamento chinês de defesa chegou a US$ 93,5 bilhões, algo muito pequeno comparado ao orçamento de US$ 553 bilhões aprovados para o ano fiscal de 2012 dos Estados Unidos. É certo que a China tem uma base territorial e demográfica imensa, dispõe de armas nucleares, forças militares sofisticadas, diversos satélites de monitoração e relativa preparação para as ciberguerras. Possui tecnologia militar de ponta em vários setores e seu poder diplomático é grande, inclusive com assento no Conselho de Segurança da ONU. As forças armadas chinesas já são capazes de defender seu país de uma invasão do exterior e podem projetar poder na região, especialmente frente a Taiwan. Mesmo assim, elas não são uma ameaça à supremacia militar americana no mundo. Peng Guanggian, General do Exército Popular de Libertação, declarou que a menção freqüente da “ameaça militar da china” tem pelo menos três objetivos verdadeiros: uma desculpa para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos manter sua escalada militar e seus exorbitantes gastos, ajudar a venda de armas e ajudar os Estados Unidos a interferir na política regional da Ásia.
Talvez o que mais assuste aos Estados Unidos é a aproximação entre China e Rússia. Esta última herdou todo o poderio bélico da extinta União Soviética, recuperou-se beneficiada, em larga medida, pela alto dos preços de energia e matérias primas tornando-se uma das principais economias do mundo. Ambos os países não estão dispostos a permitir que os Estados Unidos ampliem sua presença na Ásia Central e no Cáucaso ameaçando sua segurança. Provavelmente a experiência mais intrigante neste processo seja Organização de Cooperação de Xangai, organização que não é dirigida contra nenhum país ou bloco e aparece como uma entidade institucionalmente flexível capaz de conjugar diversos interesses de seus participantes da Ásia Central. A OCX adentra numa área de mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, um contingente humano de cerca de 25% da população mundial – sem contar os membros observadores. Na parte econômica essa cooperação ganha dinamismo, impulsionada pela riqueza de hidrocarbonetos, recursos minerais e agrícolas. Em termos de “capital humano” das forças armadas, desenvolvimento tecnológico da área militar e máquina econômica capaz de sustentar conflitos, é possível que a OCX coloque em jogo, no médio prazo, a liderança dos Estados Unidos como a única superpotência militar do mundo. Como notou argutamente Pepe Escobar, “o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida, que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar”. A estratégia para dominar a China pode ser a mesma que procura conter a Rússia: cercar, cobrar explicações sobre gastos militares, oferecer “proteção” contra a China, apoio informal a disputas internas. Ao que parece esta estratégia se concentra em integrar os exércitos do Sudeste Asiático pela via da OTAN. Busca-se enquadrar as relações com a China nos marcos da Guerra Fria, por mais que a China não seja a União Soviética. Essa ambigüidade foi bem expressa por Obama: “A China não é nem nossa inimiga e nem nossa amiga”. Seria uma nova Guerra Fria?
No Brasil estas transformações caminham de maneira extremamente confusa. Muitos “nacionalistas” e órgãos de imprensa culpam hoje a China pela desindustrialização brasileira, falam que o gigante asiático é uma “ameaça a soberania” de nossos recursos naturais. Como bem salientou Wladmir Pomar, estes “nacionalistas” entendem que a China possui uma estratégia neocolonizadora que busca tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos. Com isso, a China passa a ser o inimigo principal para esses nacionalistas. Dócil e obediente aos interesses do império norte-americano, a elite brasileira incorpora a sinofobia para escamotear sua falta de compromisso com os interesses nacionais. Em meio às novas e turbulentas transformações geopolíticas mundiais, combater a sinofobia é urgente. Ela esconde o conservadorismo e a ignorância além de dar carta branca às novas estratégias imperialistas dos Estados Unidos e da OTAN.
Fernando Marcelino é internacionalista e mestrando em Ciência Política pela UFPR.
Não acredito em uma nova guerra fria, acredito que estas divergências entre os estados tanto políticas como do modelo de sistemas, são consequências do momento econômico em que se passa o mundo em cada época vivida.
ResponderExcluirApós o fim da guerra fria, com a derrubada do muro de Berlim e a dissolução da ex-URSS, Deng Xiaoping que foi o secretário-geral do Partido Comunista Chinês(PCC), sendo de fato, o líder político da República Popular da China entre 1978 e 1992 falou de uma “Guerra Fria” que estava surgindo entre os Estados Unidos e a China, justamente porque os EUA queriam naquela época conter o poderio chinês na Ásia, não só o da China como também do Japão, inclusive na época surgiram até pesquisas tanto nos EUA como na china e no Japão sobre qual era a possível ameaça destes países e vice-versa. Nos EUA simplesmente as pesquisas de opinião pública indicavam que era a china e depois o Japão e nestes países asiáticos os indicadores apontavam os americanos, devido a sua interferência em assuntos internos destes estados.
E não se engane com o poderio militar da China é bem maior que o imaginamos, os chineses não revelam de fato seus arsenais militares, pois os meios de comunicação são controlados fortemente pelo estado como já é de nosso conhecimento, e os segredos de estado são guardados a sete chaves, pois de bobos eles não tem é nada. Eu penso que a china não tem interesse em ter um conflito com os EUA, não esta em sua pauta, pois os americanos são um dos maiores parceiros comerciais dos chineses e um conflito nem que seje como o modelo de guerra fria não é bem-vindo para ambos os lados. Penso que o que vai acontecer é os EUA querer neutralizar o poder de influência tanto da china como da Rússia no continente asiático e africano e até mesmo no Ocidente. A aproximação dos chineses com os russos não agradam os americanos, porque além de serem duas potências militares são membros permanentes da ONU, e isto de qualquer maneira atrapalha os planos dos EUA perante os outros estados no que diz respeito às questões e conflitos dos países inseridos dentro da organização das nações unidas. Mas não somente isto e também os aspectos de decisões políticas, intervenção, sanções, embargos etc. Todas estas questões podem ter soluções que não são do agrado dos EUA, o que eles gostam mesmo é como disse o primeiro ministro da Rússia Vladimir Putin: os americanos não querem aliados, eles querem estados vassalos. Em relação ao Brasil o crescimento chinês é uma ameaça grande a nossa indústria, principalmente a indústria de automóvel, e nem estou falando da indústria têxtil, pois a China simplesmente quebrou a indústria têxtil, pois não tem como concorrer com as indústrias deles, muito barato para se produzir na China, e são vários os motivos: salários baixíssimos, escravização da população ativa da indústria, câmbio fixo com valor baixo, economia de exportação, milhares de fábricas de fundo de quintal com mão-de-obra autônoma etc.