Cisne Negro - “Black Swan”, de Darren Aranofsky, estrelado por Natalie Portman e Winona Ryder, EUA, 2010.
Por Luiz Otávio Ribas*
Nina Sayers (Natalie Portman) é uma dedicada bailarina em Nova Iorque. Mora com sua mãe, Erica (Barbara Hershey), bailarina aposentada desde a gravidez. O diretor da companhia de balé, Thomaz Leroy (Vincent Cassel), decide substituir a bailarina principal, Beth MacIntyre (Winona Ryder), por Nina para a abertura da temporada com uma releitura do espetáculo “O lago dos cisnes”, de Tchaikovsky. Mas o papel não está garantido, pois ela tem dificuldades em representar o cisne negro, que é melhor interpretado por sua principal concorrente e amiga, a bailarina Lily (Mila Kunis). Enquanto o papel do cisne branco requer inocência e graça – características naturais em Nina -, o cisne negro requer malícia e sensualidade – características naturais em Lily -, mas ambos devem ser assumidos pela mesma bailarina.
A atriz Natalie Portman está em grande atuação e declarou que este papel mexeu com ela. Foi premiada como melhor atriz nos principais concursos de 2011, por exemplo, Globo de Ouro e Oscar.
Este belíssimo filme é exceção na indústria cultural de massas de Hollywood, acostumada a produzir enlatados que tomam conta das salas de cinema, das vídeolocadoras e das reproduções nos canais de televisão dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento – como o Brasil. Se temos muitos filmes sendo produzidos no nosso país, ainda possuem pouco espaço comparado àquele conferido aos estadounidenses.
A obra é uma oportunidade de repensar a tragédia como catarse. Ou seja, a representação teatral de uma certa realidade – mesmo que filmada – pode despertar nos espectadores a catarse/libertação como uma idéia de não repetição. É como se ao vermos a representação desta realidade passada e compreendendo a tragédia envolvida, tivéssemos as mesmas conclusões de que não podemos mais repetir esta experiência na realidade futura. Mas qual seria a tragédia envolvida no filme “O cisne negro”, de Darren Aronofsky?
A bailarina Nina está envolvida num trajeto de autolibertação. Sua atuação como protagonista do espetáculo representa, além de uma realização pessoal, a superação da opressão que sofre de sua mãe – que projeta nela todas suas frustrações por ter se aposentado quando engravidou dela -, também do diretor – que cobra dela um desempenho que a transforma como pessoa -, e da plateia – que representaria toda a sociedade, no melhor modelo de auditório.
Uma das mensagens possíveis do filme é a comparação das relações entre os personagens e nossa sociedade atual. Pode-se encarar como crítica ao discurso da dominação pela competência e eficiência. Nina é levada aos seus limites do corpo para representar seu papel. A bailarina entra em surto psicótico, não conseguindo mais distinguir o que é real e o que é alucinação, esta é a sua tragédia. Nina se machuca de propósito, os limites do seu corpo são levados até a fronteira. Ela tem momentos de puro delírio – como quando tem falsas idéias sobre a relação sexual com Lily – e de alucinação – como quando tem percepções fantasiosas de que feriu Lily e se autoferiu.
O que a leva a estas situações extremas é a exigência de que incorpore os personagens do cisne branco e o negro. Ambos possuem características de bem e de mal, razão e emoção, são distinguidos no filme em diversos momentos, muitos deles estereotipados. O cisne branco representa a perfeição, disciplina, técnica e precisão na expressão da bailarina. Nina teria facilidade de sê-lo por sua frigidez, por ser fraca, covarde e ter dificuldade de seduzir – espaço do estereótipo. O cisne negro representa a ousadia, surpresa. Lily teria facilidade de sê-lo por sua malícia, por ser sensual e agressiva, ter pouca precisão, mas fazer os movimentos sem esforço, sem fingimento. O espaço no estereótipo está na sexualização da personagem que se envolve, mesmo que em fantasia, com vários outros personagens, sempre com uma linguagem sexualizada, beirando o vulgar. O sexo é um elemento essencial no filme. Ele representa o desejo de libertação de Nina, quando fantasia a relação com Lily é quando se transmuta em cisne negro. Representa também a opressão da relação sexual que a gerou e aposentou sua mãe – trazendo o risco da repetição e a conseqüente frigidez de Nina. Representa, por fim, a opressão de um diretor que a assedia e molesta sem pudores. A opressão generalizada coloca a personagem numa encruzilhada, em que “a única pessoa no seu caminho é ela mesma”, conforme a fala do diretor. Para encontrar o amor do público, do diretor e da mãe ela está disposta a morrer. Tal qual na obra original de “O lago dos cisnes”, o cisne “mata a si mesmo e encontra a liberdade”.
O final do filme não deixa claro o destino de Nina, mas sinaliza para uma morte gloriosa, já que ela confessa: “eu senti, perfeito”. A protagonista alcança seu objetivo negando a tod@s, num individualismo e alucinação exacerbados, próprios do imperativo de nossa sociedade atual. Vejo o caminho trágico da bailarina como tragédia, o qual não devemos repetir, pois é o caminho da autodestruição e do totalitarismo. Para ser o que todos esperam que ela seja, Nina precisa se autodestruir, corporalmente e psicologicamente. Ser uma bailarina dedicada, expressiva, brilhante na sua doçura, não era suficiente. Ela deveria ser perfeita e imprecisa ao mesmo tempo, ser disciplinada e se deixar levar. Foram exigidos dela comportamentos antagônicos, inconciliáveis, que a levaram a beira da loucura e a transformar-se no próprio cisne negro, que provocou sua morte, em vida, como cisne branco – exigências como esta sintetizam um ideal totalitário. Mas há espaço para um elogio a estética do filme, pois em diferentes atos, a personagem é tudo isto, brilhantemente.
Por fim, deixo uma menção a dois poemas musicados por seus autores, que podem dialogar com - “O cisne negro” e sua mensagem da autodestruição pelo caminho do individualismo e da competência absoluta – uma das muitas interpretações possíveis desta obra. Os cariocas Marcelo Camelo e Marcelo Amarante dizem em “O vencedor”:
“olha lá, quem vem do lado oposto/ vem sem gosto de viver/ olha lá, que os bravos são escravos sãos e salvos de sofrer/ olha lá, quem acha que perder é ser menor na vida/ olha lá, quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar”.
Por fim, a mensagem do pernambucano Belchior em “Alucinação”:
“Eu não estou interessado em nenhuma teoria/ em nenhuma fantasia nem no algo mais/ [...] A minha alucinação é suportar o dia-a-dia/ e meu delírio é a experiência com coisas reais/ [...] Amar e mudar as coisas/ me interessa mais”.
Luiz Otávio Ribas é professor no Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Eu já tive uma visão diferente, como conversamos na sala, acredito que exigir de uma pessoa o seu extremo é totalitarismo, mas discordo na questão de se exigir do outro algo que não se é.
ResponderExcluirAcredito que todos nós temos um pouco de "cisne branco e cisne negro", a questão é que a protagonista (natalie portman) esta acostumada desde criança, pelas exigências do ballet à disciplina e privações (na parte de alimentação, dor etc...) o que os gregos desde os pré-socráticos diziam ser como o controle das "paixões humanas", assim ela não tem facilidade para "let it go" como o diretor pede.
Mas quando ela enxerga que para alcançar a perfeição daquela obra, ela tem de se soltar; sua mente usa a Lily em ilusões como catalisador desta "libertação" porque ela (Nina) viu nela(Lily) algo parecido com que precisava(o lado "mal"). Nina sempre teve o cisne negro dentro dela, só precisava de um motivo bom o suficiente para libertá-lo.
Na questão de a sociedade pressioná-la, também discordo, as pessoas lidam de formas diferentes com as exigências e pressões, cada um aceita e repercute (internamente) a quantidade e o nível de exigência que "lhes agrada", pelo que eu vi, a pessoa mais exigente dentro do filme, era ela mesma, procurando motivos para forçá-la cada vez mais a chegar no limite, usava a mãe, o diretor, a concorrente (lily) e outros para dar base as suas decisões perfeccionistas. O que me deixa mais clara esta visão, é que no final do filme, na apresentação ela não esta apresentando para outros (apesar de dar um olhar final para mãe, que lhe deu a ultima coragem) ela ainda diz "eu senti, perfeito". Ela sentiu o que estava buscando, a perfeição.
Um paradoxo interessante, é que a atriz Natalie Portman, também é conhecida por seu perfeccionismo, e ela mesmo declara que o filme mexeu com ela, tanto por sua semelhança com a personagem e por ter de representar uma pessoa “se perdendo” nas paixões e no “lado negro da força”.
Já escrevi demais (igual ao falar).
Mas o filme é um bom assunto para discussões. Abraços
Olá Fernando
ResponderExcluirValeu mesmo pela contribuição na discussão, e pelas discordâncias.
Agora entendi melhor teu argumento.
Continuo pensando que a personagem foi pressionada socialmente, não apenas ou principalmente uma questão individual, aqui está o espaço da alienação - sinceramente não vejo sentido na causa dela - muito menos que tenha sido espontânea, mas influenciada socialmente.
A divisão bem e mal discordo também, no cisne branco já está o mal, no negro também está o bem. Acho este elemento essencial pra compreender o argumento do filme.
Mas me diga uma coisa, o que você achou de publicarmos resenhas por aqui? Vi que tu leva jeito, que achas de escrever uma sobre um filme que tenhas gostado?
Abraço
Adorei a resenha dos dois... eu assisti o filme hoje e fiquei um pouco confusa, pois não estou acostumada com filmes assim, eu gostei bastante mas precisava ver outras opiniões.. mas muito curiosa pra ler outras opiniões.. Luiz, realmente vc leva mt jeito rss
ResponderExcluirAdorei a sua resenha, Luiz. Achei muito interessante esse filme. Amei tudo. Atuações, direção e estética. Tudo impecável. Além da angustia e sofrimento de Nina querer ser perfeita, ela passa o tempo inteiro desejando ser até na forma de se vestir. Sempre de branco e/ou rosa. Toda Sandy rs. Já Lily o oposto. Sempre de preto e cores escuras. No cenário também é possível notar ambas as cores. Um cenário muito "clean".
ResponderExcluirBeijos! ;)
Esse filme mexeu muito comigo também, pois me coloquei no lugar dela. Foi angustiante, deprimente, após o término do filme, fiquei uma hora pensando, fiquei com um sentimento tão ruim. A forma que misturou as emoções, que ela foi juntando tudo que ela queria ser... impecável! tanto é que ela morreu como cisne branco, mesmo assim tendo a malicia do negro ainda sendo a doce Nina, ela finalmente se tornou quem ela queria ser e isso foi perfeito, uma loucura perfeita, então a partir dai ela conseguiu a tão sonhada libertação, agora só não sei se ela morreu no final, ou foi apenas uma "Morte" simbólica da antiga Nina, então ela apenas desmaiou por causa dos ferimentos...
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