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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Economia: a ciência sombria

Dias atrás, uma grande amiga minha disse-me que ganhou um livro espírita onde o autor (ou a autora) afirma que a economia é uma profissão “do mal”, e que os economistas vão “arder no inferno” quando morrerem e passarem para o outro lado da vida, diferentemente dos enfermeiros e dos assistentes sociais (o termo não foi esse, mas foi exatamente isso que o escritor(a) quis dizer). Em respeito à minha querida amiga – que é uma economista, mas anda bastante frustrada com a nossa ciência – segurei a gargalhada diante de tamanha criatividade e originalidade do autor para criar estórias cômicas.

 

De fato, conheço poucas áreas de estudo tão execrada quanto a economia. É bastante conhecido o apelido de “ciência sombria” (dismal science) que ela tem, graças a um renomado historiador inglês do século XIX, Thomas Carlyle. Ele tinha uma aversão tão grande à economia e ao que os economistas diziam que, segundo ele, até mesmo a escravidão tinha resultados moralmente superiores aos alcançados pelas livres forças do mercado, tal qual defendiam veementemente – e ainda defendem – os economistas! É por isso, que Carlyle acredita que todas as recomendações dos economistas levariam a um mundo “sinistro”.

Não só grandes cientistas execram a economia: basta ver a impaciência que alunos de administração, direito, contabilidade, relações internacionais, etc. têm quando são obrigados a cursar “Introdução a Economia”. Basta ver como profissionais de outras áreas desprezam-na por acharem que qualquer um com um pouco de (in)formação é capaz de omitir opiniões igualmente válidas. Basta ver também o desdém com que as pessoas conversam sobre notícias econômicas, quando a economia muitas vezes é vista como um meio pelo qual ações políticas de ética duvidosa são encobertas.

Como economista, eu sempre tive dificuldades para entender o porquê desta associação de uma ciência, que tem pretensões de ser exata, com valores éticos e morais negativos. Certamente isto é culpa dos próprios economistas. Como nas demais ciências, existe pouco interesse em trazer a economia para mais perto das pessoas. E isto num país onde os fatos econômicos tiveram, por muito tempo, uma interferência direta na vida dos cidadãos: “Quanto valerá o meu salário no fim do mês?”, “Será que o próximo governo vai congelar os preços?”, “O que eu faço com meu dinheiro para fugir da inflação?”. Este distanciamento entre quem produz o conhecimento e quem deveria se servir do conhecimento pode ser comprovado quando observamos a linguagem econômica. Transmitir idéias de forma clara não é um forte dos economistas, tanto é que os economistas ortodoxos das últimas décadas passaram a adotar a retórica matemática. Apesar de indubitavelmente mais concisa e elegante, com ela a economia tornou-se ainda mais incompreensível para quem está de fora. Não é à toa que, a despeito dos grandes avanços nos métodos quantitativos das últimas 4 ou 5 décadas, há veículos de comunicação e profissionais especializados em economia que ainda propagam pelo fim da matemática (última edição da revista Exame do ano de 2009, entre outras). Eu já tive a oportunidade de mostrar que este movimento de quantificação na ciência econômica não tem volta, principalmente quando vemos a tendência dos mais importantes centros acadêmicos do mundo. Entretanto, este incansável movimento de resistência contra a linguagem quantitativa da economia é prova de que a elite acadêmica não está se fazendo entender por uma massa considerável de pessoas – o que vai justamente contra o objetivo principal da ciência, que é de promover a maximização do bem-estar social.

Então, a economia está condenada a ser eternamente execrada? Talvez não, se for possível mostrar o poder – imenso e elegante – que a lógica econômica tem para explicar qualquer assunto do dia-a-dia das pessoas e oferecer resultados práticos para sua solução. Sim, eu não escrevi errado: para qualquer assunto é possível derivar resultados práticos através da economia. Vejamos alguns exemplos.

A primeira lição em “Introdução à Economia” é o conceito de custo de oportunidade. Os alunos aprendem que todas as decisões humanas são resultados de escolhas sujeitas a limitações. A teoria econômica tem como objetivo explicar e estimar como as pessoas se comportam, quais escolhas fazem dadas as circunstâncias restritivas existentes. Outra lição importante é que as pessoas são agentes racionais, que respondem a incentivos. Um consumidor decidindo se compra uma calça numa loja, está na verdade decidindo o que fazer com o seu salário, que é restrito. Está decidindo ainda se compra a calça ou um par de sapatos novos. Finalmente, ele tem incentivos, ou não, para comprar a calça, dado o preço e a qualidade do produto. Este é um claro exemplo de escolha econômica. Mas a teoria econômica tem limites muito além de casos como este.

Por exemplo, casar ou não casar, ter ou não ter filhos e quantos ter, firmar um contrato formal ou informal são exemplos de questões econômicas. A decisão de continuar fumando ou parar de fumar, de traficar drogas ou permanecer na legalidade também são igualmente questões econômicas. Gary Becker, economista ganhador do Prêmio Nobel, é um dos mais conhecidos por enxergar economia em tudo na vida das pessoas. Os assuntos estudados por ele vão “de beisebol a ação afirmativa, passando por imigração”, como mostra a capa de seu livro The Economics of Life. Mas Becker não é o único a fazer isto. Cada vez mais economistas estão destruindo as barreiras da economia para abordar assuntos que aparentemente nada têm de econômico. Nos últimos anos eles têm explicado o fim das comunidades nômades, o advento da Revolução Industrial, o aparecimento dos primeiros códigos legais, o valor de uma vida ou de um lago despoluído, a decisão de pais de pôr ou tirar o filho da escola, etc., tudo através da ótica econômica.

Espera-se que os economistas que fazem estas pesquisas não se tranquem em suas torres de marfim e lembrem-se de que o objetivo final de seus trabalhos é fornecer resultados concretos para melhorar a vida das pessoas. A utilização da metodologia quantitativa não deve ser abandonada, mas a comunicação dos resultados deve ser mais difundida. Felizmente, até mesmo aqui no Brasil, há belos exemplos de estudos quantitativos que geram resultados concretos. Alguns exemplos são as iniciativas na área de educação que estão ocorrendo, dentre outros, no município e no estado de São Paulo.

Com isto, espera-se que a economia vá, lentamente, se despindo da roupagem estéril e distante, e se tornando numa ciência que lida com assuntos do mundo real. E quando ela mostrar que é capaz de explicar tudo isto de forma interessante, eficiente e útil, muito provavelmente deixará de ser considerada a “ciência sombria”. Este, creio eu, é o maior desafio aos economistas de hoje.


Luciana Yeung é Doutora em Economia pela Escola de Economia de São Paulo da FGV-SP e professora de Economia do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. 

2 comentários:

  1. Apenas gostaria de corrigir o termo empregado arbitrariamente no início do texto: ''espírita''. Espírita refere-se aos que acreditam nos princípios da doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec na França, que em seu bojo não contém ideia semelhante a ''inferno'' como aparece na doutrina católica-cristã.
    De resto, parabéns pelo texto.

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  2. Será ótimo quando os Economistas conseguirem transformar a Economia em matéria mais atrativa, tanto para os estudantes quanto para todos que se interessam, mas não conseguem compreender. Conheço o básico de economia, mas tudo o que já vi até agora, pude perceber como essa ciência é ensinada de forma a ser incompreendida, com termos difíceis (o famigerado economês), os quais deixam qualquer aluno de cabelo em pé. O que me deixa mais intrigado é que até mesmo conceitos de fácil compreensão são passados de forma difíceis, quanto mais os difíceis, ficam ininteligíveis totalmente. E não acho que seja problema do professor, é uma tradição que vem sendo passada por gerações, como se dissessem: "Economia é difícil, deve ser restrita apenas aos mais sábios, os Economistas que entendem e falam economês".
    E gostaria ainda de falar um episódio da vida de Thomas Carlyle, para defendê-lo dessa acusação de ser um historiador que não sabia o que falava. Certa vez, Auguste Comte chegou para Carlyle e disse que inventaria uma nova religião, que esta religião acabaria com o Cristianismo em não mais do que cem anos após sua publicação, essa religião de Auguste Comte era o seu Positivismo. Dizia ele que seria tão fácil de compreender como uma tábua de matemática, e que ela iria extinguir da face da Terra o Cristianismo. Carlyle então respondeu que para acabar com o Cristianismo a religião de Comte deveria ter alguns pequenos detalhes, que então descreveu para Comte, disse que:
    - Em primeiro lugar, você (Comte) teria que ter nascido de uma virgem, e que isso não seria possível, Carlyle disse então, sua religião não presta e continuou.
    - Em segundo lugar, você deverá fazer milagres e prodígios como Jesus fez, se você não consegue sua religião não presta, e continuou.
    - Em terceiro e último lugar, você deverá morrer, ressuscitar ao terceiro dia e fazer saber ao mundo todo que você está vivo, aí sua religião terá algum princípio de êxito.
    Não ouvi até hoje alguém dizer que Auguste Comte fazia milagres e muito menos que morreu e ressuscitou. Podemos ver ainda que o Positivismo de Comte não superou o Cristianismo, Carlyle estava certo nisso. Ninguém acerta em todas as previsões, ainda mais se tratando de história. Ele com certeza tinha seus motivos para dizer que a economia era uma ciência sombria, tanto que até hoje é tratada assim.

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