Marina Lombardi
“O direito de toda mulher livre de violência inclui, entre outros: o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação e, o direito da mulher de ser valorizada, educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação.”
(Art. 6 da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher – Convenção de Belém do Pará – 1994).
Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de um disparo de arma de fogo dado pelo seu marido em 1983, Marco Antônio Heredia Viveiros, é conhecida pela Lei criada em 2006 que leva o seu nome e que versa sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. Durante os seis anos de casamento foi violentada pelo marido, que a tentou matar duas vezes, a primeira com um tiro nas costas, que a tornou paraplégica, e a segunda por eletrocussão e afogamento. A Constituição Federal garante através do §8º, do artigo 226 “a assistência a família... e mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Por quinze anos Maria da Penha aguardou a justiça ser feita pela legislação interna de seu país; sem sucesso, recorreu à esfera internacional.
Após o júri popular de 1991 a defesa conseguiu anular a sentença que condenava Heredia Viveiros a 15 anos de prisão. No segundo julgamento, em 1996, ele cumpriu apenas dois dos dez anos de condenação que lhe foi aplicado. O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará não finalizou o caso e não declarou sentença definitiva.
Com a ineficiência jurídica em relação ao seu caso por mais de quinze anos, Maria da Penha recorreu a um Consórcio de ONGs que viabilizaram a chegada de seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A petição era possível, não por lacunas normativas a respeito do caso, mas pelo atraso injustificado da jurisdição interna. Assim, em 20 de agosto de 1998 a denúncia foi levada por Maria da Penha Maia Fernandes, pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Os peticionários condenavam o Estado brasileiro por não punir o agressor e da violação de uma série de artigos presentes em acordos internacionais ratificados pelo Brasil. Dentre os principais: a Convenção Americana que reconhece os direitos fundamentais e o direito de um aparato governamental responsável por prevenir, investigar e punir casos de violação dos mesmos; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem que garantem a proteção dos direitos humanos, e a Convenção de Belém do Pará que é constituída de termos mais específicos sobre a proteção em caso de violência contra a mulher.
Em 2001, pelo Informe n.º 54, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. O Brasil foi reiterado certas recomendações, dentre elas: finalizar o processo iniciado em 1991 por Maria da Penha de forma rápida e efetiva e reparar a vítima de forma simbólica e material, investigar atrasos em processos do mesmo gênero e mediá-las de acordo com as necessidades, e adotar políticas públicas voltadas a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Esta última resultou na Lei nº 11.340/2006, a Lei Maria da Penha.
Sob a Tradição Realista o posicionamento do Brasil quanto ao caso foi passível de críticas e insatisfação, pelo não cumprimento da Responsabilidade Nacional do Estado soberano perante sua cidadã, vítima de agressão. Tal responsabilidade, associada ao Positivismo, está normatizada na CF, que garante os direitos fundamentais e civis e o bem-estar de Maria da Penha.
Para Wight (1991) as relações internacionais devem ser analisadas a partir da união de vários conceitos, neste sentido, ele elenca as chamadas Três Responsabilidades, dimensões imprescindíveis para o estudo do Sistema Internacional e seus fatos. O precursor da Escola Inglesa acredita que somente uma teoria isolada não é suficiente para se analisar as relações internacionais. A partir dos conceitos da Escola Inglesa faz-se a análise do caso Maria da Penha sob uma perspectiva de conflito internacional.
O caráter humanitário das ONGs é descrito pela Escola Inglesa como fator presente na Tradição Revolucionista, onde a sociedade humana está além do Estado, onde existe uma unidade moral que objetiva uma mudança social revolucionária. No caso referido, a Responsabilidade Humanitária das ONGs foi essencial ao caso, principalmente pelo fato destes atores terem sido os responsáveis por internacionalizar o caso e obter sucesso na condenação do Estado brasileiro pelos danos irreparáveis sofridos pela sua nacional.
A Lei Maria da Penha representou não somente um senso de justiça para as mulheres vítimas de violência doméstica, ela é também um exemplo da Responsabilidade Humanitária da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para com a Sociedade Internacional. A cidadã brasileira deu voz a mulheres que até então se calavam e se refugiavam entre conhecidos, por medo e opressão.
Para os estudiosos da Escola Inglesa, a Responsabilidade Internacional diz respeito à participação dos Estados na Sociedade Internacional. Apesar do caso da Maria da Penha mostrar uma nacional representando contra seu Estado, ele é um exemplo de tal responsabilidade, uma vez que a cidadã brasileira levou o caso ao conhecimento da esfera internacional, onde seu país foi responsabilizado pelos danos por ela sofridos. Observa-se então, um caso em que a pressão da Sociedade Internacional (a partir de organismos intergovernamentais) teve sucesso. Através das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA o Brasil legitimou a proteção específica para mulheres vítimas de violência domésticas, descrito pela própria Maria da Penha como um sistema para proteger a mulher e não para punir o homem. Alguns avanços trazidos pela lei em relação a agressões domésticas foram principalmente a prisão preventiva após denúncias, a prisão por flagrante, o aumento da pena máxima, a garantia do agressor se manter afastado de seus familiares vítimas de violência e, inclusive, a denúncia no caso de ineficiência do aparato estatal. A Lei Maria da Penha representa proteção imediata às mulheres e atua na esfera do direito cível, de família, administrativo e penal.
Marina Lombardi é acadêmica do 4º semestre do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.
REFERÊNCIAS
A história da Maria da Penha. Maria da Penha ORG. Disponível em : <http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/a-historia-da-maria-da-penha/>. Acesso
realizado em 10/09/2011.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos – OEA. Relatório Anual 2000. Disponível em <http://www.cidh.org/annualrep/2000port/12051.htm>. Acesso realizado em 06 de outubro de 2011.
Convenção de Belém do Pará de 1994 – Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.
NOGUEIRA, J. MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
Press Release 30/06. Inter-American Comissiono on Human Rights. Disponível em <http://www.cidh.org/comunicados/english/2006/30.06eng.htm>. Acesso realizado em 06 de outubro de 2011.
Sobrevivi... o relato do caso Maria da Penha. Agende ORG. Disponível em: <http://www.agende.org.br/docs/File/convencoes/belem/docs/Caso%20maria%20da%20penha.pdf>. Acesso realizado em 11/09/2011.
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