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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Vitória de um Presidente



Juliano da Silva Cortinhas

A morte de Osama bin Laden está sendo vista, principalmente pela população dos Estados Unidos, como uma grande “vitória” militar daquele país que, por meio de seus serviços de inteligência, encontrou o esconderijo do terrorista e matou seu inimigo número um, aumentando o nível de segurança internacional. A frase precisa ser interpretada de modo crítico para que o verdadeiro significado do evento possa ser compreendido. As relativizações em relação à sua importância política e estratégica são diversas, mas tentaremos resumi-las.

Primeiramente, Osama bin Laden somente pode ser considerado o inimigo número um dos Estados Unidos em termos retóricos e simbólicos. A guerra que os estadunidenses deflagraram, há dez anos, não é contra o líder da Al-Qaeda, mas contra o “terror”, que não é um alvo, mas uma tática de confronto, utilizada por grupos que não têm outros meios de luta. Nesse sentido, o terrorismo não nasceu ou morreu com Bin Laden. Osama era, simplesmente, um símbolo de uma estrutura que funciona de modo completamente descentralizado, a partir de decisões que são articuladas localmente, contra quaisquer representantes de um sistema que produz mais excluídos que incluídos. O terrorismo, uma tática perversa que generaliza seus inimigos, é o meio de luta de grupos que, normalmente, subvertem valores religiosos e políticos, utilizando-se da guerrilha e de quaisquer ferramentas de que disponham, sejam aviões de transporte civil ou bombas amarradas aos seus corpos. Por essa caracterização, só há uma maneira de vencer o “terror”: pela conquista dos “corações e mentes” dos possíveis adversários e pela sua inclusão no sistema político-econômico internacional. Tudo o que os Estados Unidos têm feito, desde 2001, é contrário a isso. As mortes de civis no Iraque e no Afeganistão, as torturas reveladas pela mídia internacional, a prisão de Guantánamo e outras tantas iniciativas são, potencialmente, instrumentos para que os terroristas consigam mais adeptos. O verdadeiro inimigo número um dos Estados Unidos não é Bin Laden, mas o próprio processo de implantação de suas políticas externas. Obama, em alguns momentos, parece perceber isso, mas não tem os instrumentos institucionais para construir mudanças definitivas.

Em segundo lugar, e em consequência das colocações anteriores, pode-se inferir que o fim de Bin Laden e, principalmente, as absurdas celebrações dos estadunidenses, comemorando a morte de um ser humano, tendem a fomentar o aumento do ódio aos Estados Unidos, minimizando, ainda mais, sua segurança internacional. Não é à toa que novos ataques terroristas são esperados.

Um terceiro ponto que deve ser discutido é o conceito de vitória da inteligência estadunidense na ação. Os Estados Unidos levaram dez anos para encontrar um indivíduo que estava vivendo a 700 metros de uma base militar paquistanesa, em uma mansão, no meio de uma cidade de porte médio do Paquistão. Não havia esconderijo nas cavernas e proteção de milhares de soldados tentando defender seu líder. Parece-nos, portanto, que a eficiência dos serviços de inteligência dos EUA não é tão grandiosa quanto Obama tem vendido. Apesar disso, diversas alterações que o atual presidente vem promovendo melhoraram o processo de coleta de informações pelos órgãos de inteligência. Barack Obama é responsável direto pela morte do líder da Al-Qaeda, pois aprimorou as estratégias incoerentes da gestão anterior. O ganho político para o presidente, que já inicia sua campanha de reeleição, será enorme; sua popularidade deve aumentar muito.
A morte de Bin Laden, portanto, foi importante não para os Estados Unidos, mas para seu presidente: a vitória foi mais política que militar. O nível de segurança de seu país, porém, não aumentará. A Al-Qaeda continuará atuando e o terrorismo continuará sendo uma tática importante de luta armada.

Artigo originalmente publicado no Jornal Gazeta do Povo em 04/05/2011.

Juliano da Silva Cortinhas, coordenador do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, é editor do blog Internacionalize-se (http://internacionalizese.blogspot.com).

7 comentários:

  1. Eu também fiquei um tanto contrariado com o fato de diversos jovens terem saído às ruas para comemorar a morte de um indivíduo. Mas também devemos compreender que eles são bombardeados todos os dias por propagandas maniqueístas do Bem contra o Mal, do nós contra eles, de modos que é perfeitamente natural que a morte do "inimigo público numero 1 dos EUA" tenha ganhado conotações patrióticas.

    Quanto à não tão eficiente inteligência americana e ao fato de eles serem os próprios fomentadores de sua insegurança, eu concordo plenamente.

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  2. Vale lembrar: 50% dos estadunidenses, aproximadamente, não apoiaram a caça a Bin Laden. Sabem eles que aniquilar Bin Laden não é o mesmo que aniquilar as causas do terror.

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  3. Na verdade não houve uma vitória dos americanos e sim apenas eliminaram uma pedra de tantas outras do tabuleiro,que segundo estudiosos no assunto o Bin Laden foi o patrocinador de todas as ações terroristas do grupo Al-qaeda contra o ocidente especificamente os atentados contra alvos dos USA,ou seja ele era o pivô de todas estes atentados,sendo que o braço direito dele está vivo,refiro-me a Ayman al-Zawahri, médico egípcio e braço direito do ex-terrorista saudita,que infelizmente tem um currículo de dar inveja em matéria de terrorismo. esta comemoração contra a morte de Bin Laden é tão absurda que chega a ser um marketing político pró-Obama,pois quem está ganhando com esta enxurrada de informações,elogios e parabenizações por esta ação concretizada com "sucesso"é o próprio Obama,que já está em campanha pela sua reeleição,que segundo a imprensa mundial já se fala que sua popularidade quase que dobrou em poucos dias,pós morte de Bin Laden. e é como o autor do artigo descreve,que os USA,demoraram 10 anos para descobrir que o lider da Al-qaeda estava em uma mansão sem proteção alguma a poucos metros de uma base militar paquistanesa e que estaria nos arregadores do palácio do chefe de estado paquistanês,pois ele estava a pouquissímos kilometros da capital do Paquistão Islamabad que é seu aliado político e militar e que recebe recursos financeiros dos USA para ajudar os americanos com informações e acesso ao território paquistanês no combate ao terrorismo,daí fica a pergunta no ar que inteligência sofisticada de última geração é esta? acredito que no período da guerra fria os serviços de inteligências dos americanos eram bem mais agéis e competentes ou não? outra dúvida surgiu agora será que o chefe de estado do paquistão já sabia onde estava o Bin Laden e que enrolou os americanos este tempo todo para ficar recebendo os recursos financeiros dos USA? bom nestas horas surgem muitas perguntas e dúvidas que não serão facéis responder a todas e se quer ter uma boa resposta para ambas,talvez a história nos revele a verdadeira resposta ou a genérica. vale lembrar que esta ação culminou numa maior intensidade o anti-americanismo nos países islâmicos e que agora os países ocidentais aliados dos USA,e o prório EUA,correm o risco de ter ataques terroristas a qualquer momento é esperar para ver,infelizmente não existe no mundo uma campanha a favor da paz e sim existe uma campanha militar com teor de guerras,e a paz mundial jamais se alcançara através das guerras. muito bom o artigo Juliano,parabéns!!!

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  4. Concordo com todos os comentários, em especial com a relativização proposta pelo George. Não se pode generalizar a ponto de pensarmos que toda a sociedade estadunidense é maniqueísta, como parecem ser seus governantes e suas estruturas políticas. O problema é que lá, há muitas pessoas que se deixam impressionar por um discurso completamente desconectado da realidade porque não se preocupam em analisá-lo criticamente. Isso, porém, não os exime de culpa. A alienação, em uma sociedade tão desenvolvida quanto a dos EUA, é uma questão de escolha, não de falta de informações e oportunidades. Valeu pelos comentários, pessoal. O bom debate sempre é muito bem vindo.

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  5. Juliano, discordo do teu comentário sobre a alienação. Uma sociedade de filósofos, que reflita criticamente sobre qualquer questão ética, é impossível, como o próprio Madison já falava lá na época da independência.

    É grotesco, mas quase natural que pessoas comuns, que viram aviões sendo atirados contra civis, sabendo que poderiam ser eles mesmos no lugar, queiram a morte do responsável e a celebrem pelo puro sentimento humano de vingança. Que o Obama, mestre do marketing que é, tente aproveitar isso, é um pulo.

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  6. Claro, Bruno, mas não foi isso o que eu disse. Disse que a alienação é uma questão de escolha. O que quis dizer é que as pessoas, nos EUA, tendem a se preocupar com questões inerentes ao seu ambiente local, sem se aprofundar em questões que se relacionem aos temas internacionais e que isso é uma questão de escolha, pois os indivíduos têm acesso amplo às informações, se quiserem se aproximar. Os indivíduos, lá, são muito menos críticos que em outros locais do mundo que são muito menos desenvolvidos, seja em termos de direitos sociais ou financeiramente. Também não acho que haja sentimentos naturais do ser humano. Prefiro acreditar que vingança é um sentimento que se refere a poucos, cada vez menos, indivíduos.

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  7. Mas Juliano, a alienação, por definição, é praticamente uma imposição da sociedade de massas ao indivíduo e não uma escolha consciente.

    De fato, nos Estados Unidos as pessoas têm acesso amplo à informação, mas não me parece que fazem pior uso disso do que em outros lugares. Os debates na academia americana, em qualquer área do conhecimento, geralmente são muito mais profundos e plurais do que no resto do mundo, e não à toa pesquisadores que lá atuam costumam ser referências mundiais em seus campos (RI que o diga...)
    Já o cidadão comum médio lá tem tanto senso crítico, em relação a questões políticas internacionais, quanto o cidadão comum médio na França, na Rússia ou no Brasil.

    Sobre a vingança, podemos querer acreditar que esteja sendo reduzida, mas ao lembrar também o tanto de gente que comemorou os atentados em 11 de setembro, infelizmente não me parece que estamos caminhando para algum lugar melhor...

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