Luciana Yeung
Desafio qualquer um a encontrar uma pessoa que, durante a última semana de trabalho ou de interação social, não tenha se deparado com um funcionário cuja incompetência tenha lhe “tirado do sério”. A recepcionista que não sabe responder perguntas básicas sobre as pessoas e as atividades que acontecem no prédio que ela(e) recepciona; a secretária que não consegue cumprir ordens para contatar alguém ou marcar uma reunião com um grupo de pessoas (e fazer a reserva de sala na hora e no local corretos); a conta que invariavelmente vem errada no restaurante; a reprografia ou as impressões que certamente virão com cópias faltando ou com a ordem invertida (para qualquer quantidade acima de 10 cópias); o costureiro que costurou a roupa errada e ainda estragou seu tecido; as balconistas da loja que não se intimidam com a sua presença, continuam falando alto sobre suas vidas privadas e, quando você faz alguma pergunta ainda tem que pedir desculpas por estar incomodando a conversa; o mecânico que conserta uma parte do carro e estraga a outra; o técnico que promete o serviço para o dia “x” e, quando você chega no dia “x+1” ou “x+2”, diz que infelizmente não está pronto ainda e pede para que volte “na semana que vem”; e, claro, o funcionário do Departamento Pessoal da empresa do seu novo emprego, que anota errado seu nome e/ou informação da conta do banco e que, por causa disso, você vai receber o primeiro salário dois meses depois do seu primeiro dia de trabalho (dois meses com muita sorte).
Soa como piada o Presidente da República afirmar que seremos em breve a quarta ou quinta maior potência mundial se as estórias acima continuarem a ser regra do nosso cotidiano. Nos meus embates do dia-a-dia contra a incompetência da mão de obra brasileira, já tentei me confortar, no genuíno estilo “Poliana”, e pensar que, talvez, a contrapartida disso tudo é que o trabalhador brasileiro é simpático e amigo. Infelizmente, “Miss Simpatia” só faz sucesso nos concursos de beleza e nos filmes de Hollywood. Eles podem ser necessários mas absolutamente insuficientes no mundo dos negócios e no cenário de competição econômica, principalmente a nível mundial. O Brasil precisa urgente, urgentissimamente, de um choque de produtividade e eficiência, em todos os setores da economia, em todos os níveis, e em todos os tipos de empresa – formais ou informais, grandes ou pequenas. A ineficiência, ao contrário do que supunham os economistas acadêmicos (que já estão revendo seus argumentos), não é privilégio somente de pequenas empresas, informais e da periferia. Ela está presente até mesmo em gerências das grandes empresas brasileira (aquelas que aparecem nas “500 Maiores” da revista Exame). Qualquer consultor ou auditor de empresa certamente terá para contar estórias escabrosas sobre alguma grande empresa para qual prestou seus serviços.
A teoria econômica nos ensina já há muito tempo: os ganhos de eficiência – do capital, da mão de obra e da tecnologia – são o fator principal e determinante do crescimento econômico de um país, se não forem o próprio crescimento econômico. Contudo, estudos antigos e recentes indicam que ela tem sido particularmente baixa na América Latina como um todo, e no Brasil em particular. Por que?
A revista “The Economist” (27 de Março de 2010) recorre aos tradicionais argumentos: a alta informalidade da economia, e a conseqüente baixa escala e pouca inovação das firmas. Mas ela aponta também para outras explicações importantes: a péssima infra-estrutura do país – que afeta particularmente a eficiência do setor industrial, a falta de incentivos governamentais para a busca da competitividade pelas empresas, o complicado sistema tributário que afugenta mais da metade das firmas para a ilegalidade (que é sinônimo de baixa produtividade), e a forte presença do setor público na economia (setor público também é quase sinônimo de ineficiência, com poucas exceções).
Somando-se a estas explicações nada surpreendentes, há outra menos surpreendente ainda: a baixa eficiência brasileira (e latino-americana) deve-se muito ao baixo nível de capital humano. Enquanto 90% (?) da população continuar errando conta de tabuada (fazendo no papel!) é difícil acreditar que seremos uma avançada economia mundial. Já passou da hora de ficarmos comemorando pelos “97% da população que é alfabetizada”. Agora é hora de ver a real qualidade desta alfabetização, do ensino do português e da matemática, principalmente. Também não deve ser muito sonhar com o bom nível no ensino da ciências e da história também.
Enquanto isso, vou continuar meu trabalho de “Poliana”, e sonhar com o dia em que a moça simpática da reprografia saiba fazer mentalmente a conta de “R$0,10 x 280 cópias” sem errar...
("Precisa-se de um choque de eficiência" foi publicado no blog "Mudanças Abruptas" - mudancasabruptas.com.br - em 11/04/2010.)
Luciana Yeung é Doutora em Economia pela Escola de Economia de São Paulo da FGV-SP e professora de Economia do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
Infelizmente, os investimentos de que mais precisamos para dar um salto de competitividade e eficiência -- capital humano e infraestrutura -- costumam ter um ciclo de maturação mais longo que o ciclo eleitoral, e por conta disto acabam ficando em segundo plano. É difícil imaginar o que poderia fazer com que o governo (em seus diferentes níveis) decida investir AGORA no que não lhe renderá dividendos políticos imediatos. Sinceramente não consigo pensar em algo que quebre este ciclo -- exceto uma crise (mas, quando ela vem, em geral já é tarde para correr atrás do prejuízo, principalmente no caso de educação).
ResponderExcluirE tudo isso, acompanhado pela prática do "jeitinho". Muitas vezes nos orgulhamos desse nosso jogo de cintura, dessa tolerância com a ineficiência; mas isso acaba mascarando a realidade, tornando-a aceitável e adiando as mudanças. É uma pena!
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