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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Apresentando o Conceito de Insurgência


Fernando Archetti

A insurgência, segundo definição do Departamento de Defesa dos EUA, é um movimento organizado que tem por objetivo derrubar um governo constituído, por meio da subversão e do conflito armado (PETRAEUS; AMOS; SEWALL, 2007). Ao contrário do terrorismo, que se assemelha mais, nesse aspecto, aos movimentos anarquistas do século XIX e início do XX, os insurgentes buscam objetivos políticos mais tangíveis, como a conquista de territórios e a subversão dum regime.

É, desde 1949 (PAUL; CLARKE; GRILL, 2010), a forma de guerra – já que em oposição à abordagem tradicional, guerras não se dão exclusivamente entre Estados, mas entre comunidades políticas, incluindo, assim, terroristas e insurgências (OREND, 2005) – mais freqüente, embora não tenha recebido tratamento adequado, que compreenda o fenômeno em sua essência.
Por natureza, a insurgência se apresenta como um conflito assimétrico, o que significa dizer que é praticada por um oponente mais fraco, que usa de táticas não-tradicionais e/ou surpresa para compensar essa assimetria, atacando pontos vulneráveis do inimigo. Isso decorre de sua incapacidade de enfrentar as forças regulares em um conflito convencional. As táticas podem ser não-violentas e violentas, não necessariamente utilizadas separadamente.
É, também, um conflito irregular, ou seja, travado por forças não-regulares, que não tem uma organização militar formal e legitimidade jurídica (VISACRO, 2009).
Relativamente à noção de guerra, o militar prussiano Von Clausewitz diferencia dois componentes: o caráter e a essência da guerra. O primeiro diz respeito a aspectos mutáveis da guerra, variáveis e fatores de cada guerra em particular. O segundo conceito fala de características imutáveis da guerra, propriamente sua essência, aquilo sem o qual ela deixaria de ser o que é, e que lhe é um denominador comum. Embora se afirme que sua essência não muda, seu caráter muda, e reflete o ambiente político-social de um período, o que é natural, já que guerra é uma forma de fazer política.
Também a insurgência, forma recorrente de guerra na atualidade, mudou através do tempo, e o impacto da globalização lhe deu forma distinta das insurgências anteriores, alterando sua estrutura, dinâmica, desenvolvimento e contexto.
O mundo mudou radicalmente, e o caráter da guerra também. Embora haja uma essência que perpassa a insurgência em diferentes momentos da história e que a define, seu caráter é outro.  O que dá à guerra um novo caráter são as mudanças sócio-políticas. A guerra reflete uma vontade política, e as operações militares se dão conforme os objetivos políticos; a oposição entre o aspecto militar e o político da guerra é, pois, aparente, já que formam um todo.
Mas no que consiste a essência da insurgência?
Compõe-se de 5 elementos, 8 dinâmicas e 6 estratégias (PETRAEUS; AMOS; SEWALL, 2007). O primeiro é o elemento humano da insurgência, dividido em: líderes, guerrilha (combatentes), o núcleo político ou o partido, auxiliares (são seguidores não armados do movimento) e a ‘’base massiva’’, a população a favor do movimento.
As dinâmicas são o que lhe dá forma, o que lhe estrutura: liderança, objetivos, ideologia, ambiente e geografia, além de fatores culturais e demográficos; auxílio externo e interno, fases (seu desenvolvimento) e padrões de organização e operações.
Finalmente, as estratégias usadas pelos insurgentes variam de conflito urbano, guerra popular prolongada, estratégia militarmente focada, estratégia focada em identidade (cultural, religiosa, de clãs, tribos etc.), estratégia de conspiração (espécie de ‘’infiltração política’’) e estratégia composta e de coalizão (diferentes grupos se unem em torno de um objetivo).
Acrescente-se ainda que a insurgência, embora varie de um conflito para outro, está associada à ‘’fraqueza’’ e ‘’falha’’ de Estados; tende a surgir, portanto, em Estados com profundos problemas, em que grande parte da população se sente alienada do governo.
No entanto, há diferenças fundamentais no caráter das insurgências do período da guerra fria e contemporaneamente.
As insurgências da guerra fria estavam associadas aos conflitos entre superpoderes, às chamadas proxy wars (espécie de conflito indireto entre duas partes), ao nacionalismo, ao nascimento de novas nações e mobilização política de grupos excluídos, além da disputa por espaços controlados.
Hoje, a insurgência é decorrente da falha de antigos métodos de ordem, de controle e de identidade (Estados que não conseguem criar uma identidade para que sua população adira) e de promover desenvolvimento, levando à fraqueza do Estado. Isso, por sua vez, causa incapacidade ou declínio de controlar a situação de segurança, ficando partes do território à margem do poder estatal; a insurgência contemporânea preenche esses espaços onde o Estado não tem controle, e é, fundamentalmente, uma disputa por tais lugares.
Enquanto uma buscava remover o Estado do poder de uma região controlada por ele, a outra é uma competição por espaços não controlados (METZ, 2007).
Seja sob a forma de patrocínio de potências em ‘’guerras por procuração’’ ou resistência desesperada contra invasores, a insurgência é uma forma ancestral de guerra que atravessou toda história mundial. Desde o atentado terrorista do 11 de setembro e as respostas que se seguiram com a invasão do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, o tema da insurgência ganhou grande importância. Pela natureza desse conflito, que tem no fato de ser prolongado sua característica mais deletéria e que dá origens a tantos outros problemas, diz-se que vivemos uma era dos conflitos persistentes.
Seja como for, a insurgência, caracterizada por ser um conflito sem regras, dinâmico e flexível, tem contrariado o establishment militar, que insiste em tratar esses conflitos aplicando conceitos doutrinários rígidos e com pretensão universalista. As guerras do Afeganistão e do Iraque têm demonstrado o limite do poder militar clássico. A insurgência transcende, em muito, o campo militar e sua solução deve compreender essa premissa. Se a única paz que se pode oferecer é a do túmulo, em outras palavras, matando a todos, tem-se aí, então, o limite da solução militar.


PETRAEUS, David H.; SEWALL, S.; AMOS, James F. Counterinsurgency Field Manual. Chicago: University of Chicago Press, 2007.

METZ, Stephen. Rethinking Insurgency. 2007. 77f.  Monografia – US Army College, Strategic Studies Institute, Carlisle.

OREND, Brian. War. Disponível em <http://plato.stanford.edu/entries/war/>. Acesso em: 26 de set. 2010.

PAUL, Christopher; CLARKE, Colin P.; GRILL, Beth. Victory has a thousand fathers – Sources of Success in Counterinsurgency. 2010. 187f. Monografia – RAND Corporation, Santa Monica.

VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular. Editora Contexto, 2009.


Fernando Archetti é acadêmico do 3º período de Relações Internacionais no UNICURITIBA.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O projeto do regime de proteção da democracia da Unasul: potencialidades e debilidades

George Sturaro

No dia 26 de novembro do corrente, foi assinado, pelos doze países-membros da Unasul, o Projeto de Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da Unasul sobre Compromisso com a Democracia. Por um lado, o documento prevê a instituição de um ambicioso regime regional de proteção da democracia, com um amplo leque de dispositivos dissuasórios. Por outro, o documento não estabelece a que forma de democracia que visa proteger, nem é suficientemente detalhado na caracterização das ameaças à ordem democrática, seja ela qual for. Essa imprecisão conceitual compromete a eficácia do regime, a despeito dos amplos meios a sua disposição para proteger a democracia.
Uma vez instituído, o regime sul-americano de proteção da democracia será o mais bem equipado do mundo. Além de medidas soft e hard convencionais, tais como a realização de bons ofícios e de gestões diplomáticas (Artigo 5) e a suspensão do direito do Estado afetado de participar do bloco (Artigo 4), as quais constam, por exemplo, no Protocolo de Ushuaia do Mercosul e na Carta Democrática Interamericana da OEA, o Projeto de Protocolo da Unasul prevê um conjunto de medidas inéditas. Diante de ameaças à ordem democrática, a Unasul poderá:
I. fechar total ou parcialmente as fronteiras terrestres com o Estado afetado e suspender e/ou limitar o comércio, o tráfego aéreo e marítimo, as comunicações e a provisão de energia, serviços e bens;
II. promover a suspensão do Estado afetado no âmbito de outras organizações regionais e internacionais;
III.  promover, junto a terceiros países ou blocos, a suspensão dos direitos e benefícios do Estado afetado, derivados de acordos de cooperação a que este tenha aderido (Artigo 4).
O potencial dissuasório dessas medidas é enorme. Se antes a ruptura da ordem democrática significava, na prática, a cessação dos benefícios econômicos derivados da integração regional (HOFFMAN, 2005), daqui para frente ela poderá significar a cessação de todo o intercâmbio econômico com os países vizinhos, ou mesmo com o mundo, em razão do fechamento das fronteiras. Da mesma forma, se antes o Estado afetado poderia ser marginalizado da política regional (PEVEHOUSE, 2005), daqui para frente ele poderá ser posto em ‘quarentena’, sendo suspenso não apenas da Unasul, mas também do Mercosul, da CAN, do Grupo do Rio ou da OEA, se for o caso, assim como de arranjos de cooperação bi-regional, os quais pressupõem filiação a blocos regionais. O Estado afetado poderá, ademais, ter o seu relacionamento bilateral com terceiros países ou blocos gravemente abalado, devido às pressões diplomáticas que a Unasul fará para isolá-lo da comunidade internacional. Medidas dessa natureza foram consideraras recentemente, na Declaración de Buenos Aires sobre la situación en Equador, de 1° de outubro deste ano. Ao que parece, a mera hipótese de que poderiam ser aplicadas contribuiu para a resolução da grave crise político-institucional que ocorreu no país. Em tese, a Unasul pode elevar os custos político-econômicos da conduta desviante a um patamar que nenhum outro organismo regional ou internacional alcança.
O elo débil do regime reside na definição do escopo de aplicação das medidas dissuasórias. O Projeto de Protocolo da Unasul estabelece que medidas serão tomadas em caso de: (i) ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, (ii) violação da ordem constitucional e (iii) qualquer outra situação que ponha em risco o exercício legítimo do poder e a vigência dos valores e princípios democráticos. Em maior ou menor medida, os casos previstos estão vagamente definidos. Está claro que serão tomadas medidas contra golpes ou tentativas de golpe de Estado no sentido clássico, com recurso à força e à violência. Não está claro, no entanto, se o mesmo será feito diante de situações tais como o ‘golpe branco’, a exemplo daquele que, disfarçado de impeachment, depôs o ex-presidente equatoriano Abdalá Bucaram em 1997, ou diante de ameaças de “segunda geração”, a exemplo dos casos de manipulação eleitoral que ocorreram no Haiti e no Peru em 2000 (SANTISO, 2002; VILLA, 2003). Tampouco está claro se poderão ser tomadas medidas contra Estados onde os direitos civis básicos estejam em risco, tais como a Venezuela de Chávez, onde, apenas em 2008, foram reportadas 186 violações à liberdade de expressão, dentre elas 52 casos de agressão física e 47 de intimidação (FREEDOM HOUSE, 2009). Se não configuram ruptura abrupta da ordem democrática, essas situações certamente configuram transgressão das regras, dos valores e dos princípios que balizam o jogo democrático. Na sua ocorrência, serão aplicadas medidas dissuasórias, ou não?
Um outro problema, intimamente relacionado ao anterior, refere-se ao conceito de democracia presente no Projeto do Protocolo da Unasul. O documento não estabelece a que forma de democracia visa proteger, como fizeram, por exemplo, o Comunicado de Brasília da I Reunião de Presidentes da América do Sul de 2000 ou a Carta Democrática Interamericana da OEA de 2001, que declararam de forma explícita a opção das partes signatárias pela ‘democracia representativa’. Esse ponto é crucial, na medida em que a caracterização das ameaças à ordem democrática depende do conceito de democracia que está em questão. Uma situação que caracterize ameaça à democracia representativa talvez não tenha a mesma conotação no âmbito da democracia participativa, à exceção, é claro, do caso-limite do golpe de Estado. As práticas políticas numa e noutra forma de democracia podem ser consideravelmente distintas, e o que é inaceitável numa pode ser rotina noutra. Como agir diante da polivalência? O Projeto de Protocolo da Unasul, bloco regional integrado tanto por democracias representativas quanto por democracias participativas, curiosamente (ou deliberadamente?) é insensível às diferenças apontadas e às suas implicações. Em razão disso, corre o risco de cair em contradição e de perder credibilidade, o que, aliás, já parece estar ocorrendo (REVISTA VEJA, 2010).
Em suma, as potencialidades do projeto de regime de proteção da democracia da Unasul são virtualmente anuladas pelas suas debilidades. O arsenal de medidas do bloco é amplo e o seu potencial dissuasório, enorme. Os custos político-econômicos que se pode impor aos Estados desviantes são, de fato, proibitivos. Todavia, a imprecisão conceitual acerca da forma de democracia a que se visa proteger, assim como do que, concretamente, configura ameaça à ordem democrática, poderá tornar inoperante esse amplo e poderoso arsenal. Por assim dizer, o que falta ao projeto do regime de proteção da democracia da Unasul não são as ‘armas’, mas os ‘alvos’.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREEDOM HOUSE. Country report. Venezuela (2009). Disponível em: [http://www.freedomhouse.org/template.cfm?page=363&year=2009&country=7733]. Acesso em: 23/12/2010.

HOFFMANN, Andrea Ribeiro. “Avaliando a influência das organizações regionais de integração sobre o caráter democrático dos regimes de seus Estados-partes: O caso do Mercosul e o Paraguai.” Cena Internacional, ano 7, n° 2, p. 83-92, 2005.

PEVEHOUSE, Jon C. “Regional IOs and democratic consolidation: evidence from cases.” In: Idem. Democracy from Above: Regional Organizations and Democratization. Cambridge University Press, 2005. p. 169-198.

REVISTA VEJA. O conceito equivocado de democracia em cúpula da Unasul: Países que tentam cercear a imprensa discutem 'compromisso democrático'. 26/11/2010. Disponível em: [http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/o-conceito-equivocado-de-democracia-da-unasul]. Acesso em: 23/12/2010.


SANTISO, Carlos. “Promoção e Proteção da Democracia na Política Externa Brasileira.” Contexto Internacional, vol. 24, n° 2, p. 297-341, 2002.

VILLA, Rafael A. D. “A Questão Democrática na Agenda da OEA no pós-Guerra Fria.” Revista de Sociologia Política, n. 20, 2003, p. 55-68.


DOCUMENTOS

Carta Democrática Interamericana.

Comunicado de Brasília da I Reunião de Presidentes da América do Sul.

Declaración de Buenos Aires sobre la situación en Equador.

Projeto de Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da Unasul sobre Compromisso com a Democracia.

Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile.


George Sturaro é mestrando em Relações Internacionais pela UFRGS e bacharel em Relações Internacionais pelo UNICURITIBA

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pentágono mais verde: razões e consequências

Roberta Zandonai

As duas guerras empreendidas pelos EUA neste século, respectivamente a do Iraque de 2001 e a do Afeganistão de 2003, consumiram diariamente mais energia do que todos os conflitos registrados na história mundial. Ambas são sustentadas basicamente por dois combustíveis fósseis, o petróleo e o gás natural (segundo informações do Pentágono divulgadas no Washington Post, o consumo médio de combustível nas bases estrangeiras dos EUA era de 50 milhões de galões/ano antes dos conflitos, e de 500 milhões de galões/ano depois deles). No entanto, o abastecimento energético que coloca as bases de operações no Oriente Médio em funcionamento demanda um enorme projeto logístico-estratégico que chama a atenção no orçamento da guerra.

Todo o combustível utilizado pelos EUA nas guerras é importado a preço internacionalmente tabelado, mas chega ao seu destino final com um valor agregado que pode acrescer o preço inicial em até 100.000%, principalmente se estivermos falando do Afeganistão. Um simples galão de gás, por exemplo, é adquirido por cerda de US$ 1,00, mas pode custar entre US$ 20,00 e US$ 1000,00 ao Departamento de Defesa (DoD), de acordo com fontes oficiais. O motivo é que todo este produto sai da fronteira paquistanesa e deve ser transportado por meio de comboios com cerca de 50 a 70 caminhões, que percorrem as estradas mais perigosas do mundo, com direito de passagem adquirido mediante o pagamento de propinas aos senhores da guerra, além de movimentar um grande contingente de militares e de cidadãos locais. Apesar de todo o esforço, é comum que as milícias utilizem o próprio combustível inflamável para promover atentados. Isso quer dizer que, além de custar dinheiro, o combustível que abastece as operações estadunidenses no Iraque e no Afeganistão custa também muitas vidas (e muitas notícias negativas nos principais jornais em circulação no país e no mundo).
É por estas razões, e não por questões de governança global, que o DoD já começou a investir em pesquisas para introduzir fontes de energias renováveis nos campos de batalha. O objetivo é reduzir a dependência estadunidense do petróleo estrangeiro (que provêm, muitas vezes, de países instáveis e de confiabilidade duvidosa), poupar recursos, proteger vidas e apostar em uma vantagem estratégica futura.
Os estudos do Pentágono sobre a eficiência energética de combustíveis existem há algum tempo, o que já permite que diversos jatos e navios das forças armadas norte-americanas sejam alimentados com uma mistura de biocombustível e combustível fóssil comum. No entanto, no que tange ao abastecimento de toda a infra-estrutura militar das bases no Afeganistão, houve um aumento na pesquisa de diversas opções de fontes renováveis. A energia solar, por exemplo, no território quase desértico do país árabe, pode ser bastante eficiente. Alguns equipamentos, inclusive, já foram enviados para testes em bases afegãs, como é o caso das telecomunicações. O funcionamento de rádios e laptops abastecidos por energia solar diminui o risco de os equipamentos ficarem sem bateria durante uma operação, além de poupar energia não-renovável e aumentar a segurança em campo de batalha. Além disso, o uso de placas solares nas bases militares oferece, além de energia, zonas de sombra com temperaturas amenas, o que diminui o consumo para a climatização de ambientes. A região desértica do forte Irwin, em Calif, também é cogitada para a construção de uma fazenda de energia solar, como as existentes no sul da Espanha e na Alemanha. Ao longo de 2010, oficiais do exército já se reuniram com algumas empresas para analisar propostas de adaptações das tecnologias já existentes para o uso militar.
Outra opção em teste é a conversão de lixo em óleo com o uso de bactérias anaeróbias. Uma unidade móvel, pequena o bastante para caber em um reboque de 5 toneladas, foi testada no Iraque e inicialmente obteve sucesso em converter papel, plástico, restos de comidas e outros materiais em biocombustível capaz de alimentar um gerador de 60 killowatts. No entanto, o material não era suficientemente forte e o equipamento quebrou. Mas já há previsão de investimento na ordem de milhões de dólares para desenvolver um novo modelo mais resistente.
A formulação de estratégias visando ao futuro é outro ponto que impulsiona o DoD a investir em tecnologias verdes. Na concepção dos estrategistas estadunidenses, a utilização de energias renováveis pode significar uma vantagem para o país no campo de batalha, seja devido à independência relativa à variação no preço do petróleo, seja na redução dos custos totais dos conflitos, ou ainda pelo ganho de eficiência e agilidade.
Apesar de a história mostrar a irrelevância da mitigação da mudança climática para a agenda do Pentágono, e durante um longo período também para a agenda dos EUA, o Quadrennial Defense Review 2010 - estudo divulgado pelo DoD que analisa objetivos estratégicos e ameaças militares potenciais e descreve a doutrina militar dos EUA - aborda a questão com certa importância: o estudo considera que a alteração do regime climático global pode elevar o nível de instabilidade internacional e aumentar a freqüência dos conflitos. E, ainda que os EUA se considerem capazes de lidar com as conseqüências das alterações no clima, as forças armadas do país podem ser requisitadas a atuar externamente para garantir a segurança nacional e a estabilidade internacional.
Está claro que o objetivo do Departamento de Defesa dos EUA, ao investir em energias renováveis, é de caráter estritamente militar e estratégico. No entanto, o simples aumento de demanda por produtos deste setor industrial deve incentivar a pesquisa, ampliar a produção, e num futuro não muito distante, reduzir significativamente o custo de produtos com tecnologias limpas – não apenas para o uso militar, mas também para o uso civil. Partindo do princípio que a revolução das telecomunicações foi um reflexo direto do investimento em novas tecnologias realizado durante a Guerra Fria, o atual interesse do Pentágono pelo uso de energias renováveis deve movimentar muito deste mercado.

Roberta  Zandonai é aluna do sétimo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.