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terça-feira, 21 de setembro de 2010

Estaria o socialismo verdadeiramente superado?

Carlos-Magno Esteves Vasconcellos

Depois das grandes reformas econômicas introduzidas na China “comunista” por Deng Xiaoping, no final da década de 1970, e da desintegração do “socialismo Soviético” impulsionada pela Glasnost e a Perestroika de Mikhail Gorbachev, em meados da década de 1980, parece que a bola da vez é o “socialismo cubano”. Contudo, diferentemente das experiências chinesa e soviética, onde os timoneiros das lutas revolucionárias (Mao, no caso da China, Lênin e Stalin, no caso soviético) já tinham sido enterrados e, portanto, foram poupados da condição de espectadores do desmantelamento da obra que ajudaram a criar, na Cuba de hoje o grande líder e ícone da “revolução socialista”, Fidel Castro, continua vivo e politicamente influente nas reformas que estão em curso na ilha caribenha.



Esta particularidade do caso cubano talvez explique, pelo menos em parte, a polêmica declaração de Castro em entrevista concedida ao jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg na semana passada. Como noticiado pela imprensa brasileira, Castro teria afirmado ao articulista da revista The Atlantic que “o modelo cubano não funciona mais nem para Cuba”. É verdade que um dia após a primeira declaração, Castro voltou a se manifestar sobre o assunto, explicando que suas palavras foram equivocadamente interpretadas pelo jornalista norte-americano que não entendera o tom irônico de suas palavras. Mas, a primeira declaração do ícone da Revolução Cubana parece muito mais em conformidade com as reformas econômicas e ideológicas que vinham sendo realizadas em Cuba, há cerca de pelo menos 10 anos, e que estão sendo intensificadas desde 2008 com a chegada de Raul Castro ao comando do país.
A posição de Fidel Castro diante da nova realidade cubana é no mínimo incômoda. Depois de liderar uma revolução em nome da supressão do atraso e do subdesenvolvimento econômico, da pilhagem externa e da violência social a que o capitalismo internacional impunha ao país, agora é obrigado a reconhecer que não há alternativa ao sistema do capital. Stalin e Mao Zedong, por exemplo, foram poupados desta humilhação. Mas Fidel terá de enfrentar essa humilhação sem perder a compostura, a fim de preservar a imagem de “herói” latino-americano. A tarefa é árdua, e os discursos contraditórios e revisionistas vão se suceder com grande regularidade numa tentativa absurda de compatibilizar socialismo com capitalismo (Deng Xiaoping, herdeiro ideológico e político de Mao Zedong, na China, resolveu esse problema através de um jogo de palavras astucioso que deu origem à retórica do “socialismo de mercado”).
As mudanças ora em curso em Cuba são inexoráveis. Elas não são apenas o resultado de pressões sociais por melhores condições de vida e democracia política, mas, principalmente, o resultado da incapacidade da Revolução Cubana em introduzir o socialismo em Cuba. Esta frustração da sociedade cubana com os rumos da Revolução também precedeu as grandes mudanças introduzidas na China e na União Soviética. As “revoluções socialistas” do século XX estiveram, desde seu começo, inspiradas pela consciência social e pelos anseios legítimos dos povos revolucionários em superar o modelo violento de relações sociais que lhes era imposto pelo capitalismo. Mas, no intervalo de tempo que separou os movimentos revolucionários da construção do socialismo o sonho de uma sociedade solidária, onde o homem deixaria a condição de objeto para assumir a condição de sujeito econômico e político foi se esmigalhando. Confrontadas com as condições econômicas e sociais adversas, no plano nacional, e com a hostilidade política externa, as “revoluções socialistas” do século XX se degeneraram em uma forma nova e peculiar de capitalismo, fundado na propriedade estatal dos meios de produção: o capitalismo burocrático totalitário. É esta forma peculiar de capitalismo que está se desmantelando em Cuba.
As mudanças econômicas e políticas ora em curso no país de Fidel Castro não testemunham da superação do socialismo, mas tornam o capitalismo burguês clássico, fundado na propriedade privada e na apropriação privada da riqueza social, o modelo hegemônico de capitalismo. Hoje, o mundo todo é capitalista: Estados Unidos, França, Alemanha, Japão, China, Rússia, Brasil, Cuba, etc... Vivemos a época do capitalismo globalizado. Mas, a hegemonia absoluta do capitalismo faz prosperar também todos os flagelos econômicos, sociais, políticos e culturais inerentes a este modo de organização da vida social, e abre caminho para o renascimento do sonho socialista. A história ainda não terminou!


Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia e professor titular de Economia Política Internacional do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.

“Que fazer” agora, Raúl: aprofundar as reformas?

Rafael Pons Reis

Fidel estaria ajudando seu irmão ao abrir um espaço ante as resistências do Partido Comunista, cujos membros são contrários à diminuição do domínio econômico estatal
Após ter se afastado do poder por problemas de saúde, o ex-presidente cubano Fidel Castro volta a aparecer publicamente e a conceder entrevistas em que discute a viabilidade do sistema socialista cubano, numa tentativa que para muitos especialistas pode ser entendida como um possível apoio ao seu irmão e atual presidente, Raúl Castro.



Desde que Raúl passou a comandar o destino da nação cubana, há quatro anos, deu-se início um processo de reformas em terrenos delicados como o econômico, político e inclusive de direitos humanos. Tais mudanças vêm lentamente transformando o modelo econômico cubano e se assomam iniciativas em áreas como: reforma agrária, incentivo ao investimento estrangeiro em turismo, legalização de pequenas empresas privadas, acesso à internet, celulares e computadores. Além disso, Raúl empenhou-se também em uma forte redução de pessoal nas empresas estatais, cerca de 1 milhão de funcionários públicos, de forma que trabalhassem por conta própria, estimulando assim os pequenos negócios.

As recentes declarações de Fidel talvez atestem uma concordância – já publicada em abril deste ano em um jornal cubano – com as modestas reformas liberalizantes do irmão. Julia Sweig, cubanóloga do Council on Foreign Relations, que acompanhou o jornalista da Atlantic Jeffrey Goldberg na entrevista com o líder cubano, entende que as palavras de Fidel sinalizam o reconhecimento de que “o Estado tem um papel grande demais na vida econômica do país”. Dessa forma, Fidel estaria ajudando seu ir­­mão ao abrir um espaço ante as resistências do Partido Comunista, cujos membros são contrários à diminuição do domínio econômico estatal; bem como endossando iniciativas para prover de eficiência a burocracia do Estado.

Diante do exposto, como podemos interpretar o contexto mais amplo de reformas econômicas e políticas que estão sendo implementadas gradativamente pelos dirigentes cubanos? Seria o reconhecimento tardio de que o socialismo cubano estaria ultrapassado e disso depreende-se a ideia da necessidade de uma “atualização”? Sem dúvida, são perguntas que por ora não temos como responder, pois ainda é cedo para afirmar com segurança os resultados e os custos políticos e econômicos de tais medidas sobre o destino de Cuba. Entretanto, é oportuno um exame mais atento acerca dos caminhos que estão sendo delineados na vida pública cubana, principalmente em um momento em que a geração de revolucionários tem se deparado com uma nova geração de cubanos ávidos pelas oportunidades da economia de mercado e uma melhor qualidade de vida.

Em julho de 2009, durante as comemorações do cinquentenário da revolução, percebia-se nos diversos cantos da ilha a chama revolucionária ainda muito presente nos corações e mentes dos cubanos. Lá, as crianças aprendem desde cedo a venerar figuras como San Martín e Che Guevara e falam com orgulho de serem revolucionárias como seus ídolos, mas é cada vez mais comum encontrar jovens cubanos que se identificam tanto com o substrato ideológico da Revolução quanto pela defesa de uma maior abertura de oportunidades de renda e negócios. Julia Sweig parece ter captado bem o sentimento e a importância do ideário da Revolução nas últimas declarações de Fidel. Em entrevista, declarou que a mensagem que Fidel queria passar era que o modelo econômico cubano estava obsoleto, “mas não a Revolução, o espírito da independência”.

É importante lembrar que as lentas transformações pelas quais Cuba vem passando fazem parte de uma conjuntura histórica mais ampla iniciada com o fim da ajuda econômica da antiga URSS na década de 1990. Cuba se viu obrigada a implementar medidas que proporcionaram uma certa abertura econômica para a atração de capitais externos – inclusive uma nova moeda foi criada (CUC), especificamente para uso pelos estrangeiros no país. Tais mudanças, assim como outras descritas no texto, representam uma tendência na sociedade cubana apresentando um ponto de inflexão no modelo socialista cubano.

Acredita-se que uma nova geração de cubanos, que não fez parte do movimento revolucionário da década de 1950, consiga atingir um equilíbrio mais dinâmico entre os laços da herança revolucionária com a necessidade de implementação de medidas mais austeras sobre a estrutura política e econômica do país.


Rafael Pons Reis, mestre em Relações Internacionais, é professor titular de Teoria das Relações Internacionais do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Continuidade X Mudança no Planejamento da Defesa Estadunidense

Juliano da Silva Cortinhas

No dia 9 de agosto do corrente, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, expôs seu programa para alterar a lógica dos investimentos militares do país, anunciando diversas propostas para reduzir seu orçamento de defesa. Apesar de não significar uma ampla redefinição das políticas dos Estados Unidos, a redução pode ser um primeiro passo, em termos geoestratégicos, para a redefinição da relação do governo Obama com as indústrias de armamentos e as Forças Armadas. Essa possibilidade, porém, deverá enfrentar ampla resistência no Congresso, órgão que aprova a proposta final de orçamento.


Dentre as medidas anunciadas por Gates, destacam-se três: o fechamento do Comando de Forças Conjuntas (Joint Forces Command), localizado na Virgínia, a redução do número de generais e almirantes no país e, por fim, uma reorganização do relacionamento entre o Departamento de Defesa e as indústrias de armamentos. Apesar de parecerem um indício de que, finalmente, os Estados Unidos reformularão sua política de defesa, não há clareza quanto à economia que as mudanças proporcionarão aos cofres do país e, além disso, tais medidas dificilmente serão aprovadas.

Em relação à primeira, assim que Gates realizou seu discurso, iniciou-se uma movimentação dos senadores e deputados da Virgínia para cancelar o fechamento do comando, responsável pela organização das missões conjuntas das três Forças do país. Para esses legisladores, independentemente de seu partido, o fechamento do Comando significa a perda de 5.800 empregos e, portanto, acarreta um prejuízo enorme para as eleições legislativas de novembro.
A segunda medida tende a ser aprovada com maior facilidade pelos congressistas, pois hoje há cerca de mil generais e almirantes nos EUA, e Gates propõe o corte de apenas 50 desses postos, que são altamente remunerados.
Por fim, a terceira proposta será a que vai enfrentar maior resistência dos legisladores. O Pentágono pretende aumentar as restrições à contratação de empresas privadas para a elaboração de projetos militares, como a construção de novos programas de armamentos. A grande dificuldade que será enfrentada no Congresso se refere ao fato de que tais empresas mantêm uma grande proximidade com os legisladores. Como o rol de empresas de armamentos nos EUA é muito extenso, praticamente todos os congressistas mantêm ligações com os interesses da indústria. Além disso, as contribuições eleitorais dessas empresas são essenciais para a reeleição dos legisladores. No último ciclo eleitoral, 92 de 100 senadores e 410 dos 435 deputados receberam auxílios financeiros das indústrias de defesa, o que demonstra o quanto os interesses de ambos estão em consonância, devido aos amplos esforços de lobby dos empresários.
Essa conexão, somada à preocupação dos legisladores com os empregos em seus distritos, representam uma parte importante da explicação sobre os investimentos em defesa dos Estados Unidos, que têm crescido exponencialmente desde 2001. Em relação ao resto do mundo, os gastos militares daquele país representam cerca de 50% do investimento global, o que significa que há um grande excesso de gastos nessa área.
A estrutura organizacional do governo estadunidense, que divide o poder de formular o orçamento entre o Executivo, que constrói a proposta, e o Legislativo, que aprova os números finais, faz com que as empresas tenham uma grande influência no processo. Os legisladores tendem a se preocupar com interesses mais específicos que o secretário de Defesa, pois focam, preponderantemente, a reeleição e, portanto, a garantia de empregos e, consequentemente, votos.
Há diversos exemplos históricos de propostas de redução orçamentária que não saíram do papel e, claramente, as atuais medidas não reduzirão sensivelmente os gastos de defesa dos Estados Unidos, que hoje giram em torno de impressionantes US$ 700 bilhões. O grande problema que a gestão Obama enfrenta, neste momento, é a incapacidade de conciliar tais números com os déficits em conta, provocados pelos anos de má gestão de Bush e pela crise financeira de 2008.
Aparentemente, nem o próprio presidente sabe como tirar o país desse cenário e reorganizar sua economia.

Coordenador do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Novo Mapa do Pentágono

Fernando Archetti

E agora, qual é o adversário dos EUA? Depois da URSS, quem? Essas são algumas perguntas que Thomas Barnett, analista do Departamento de Defesa estadunidense, coloca em seu livro "Novo Mapa do Pentágono"(Berkley Trade). Partindo da premissa de que se precisa de novas regras para uma nova era, e que não havia ainda emergido um conjunto de regras que dessem conta das mudanças ocasionadas pela globalização e pela nova ordem do mundo pós-guerra fria, Barnett investiga essas questões.
Preparar-se para um eventual conflito com um grande inimigo, um Estado com capacidade militar similar, e impedir que este obtenha mais zonas de influência. Essa lógica do período anterior acabou, diz o autor.


Barnett acredita que, por muito tempo ainda, o Pentágono se manteve preso à mentalidade do período anterior. As coisas haviam mudado, as regras eram outras, ou perdido sua efetividade. No entanto, investia-se em um aparelho militar para enfrentar tradicionais guerras interestatais, contra grandes potências, os Big Ones.
A quantidade de situações novas, as radicais mudanças ocasionadas pelo desmembramento da URSS, as novas regras nas mais diversas áreas, as novas ameaças... , o ‘’caos’’, segundo termo cunhando no governo Bush (pai). A referência ao ambiente internacional como ‘’caos’’ era o que de mais próximo se tinha de uma visão compreensiva da nova realidade produzida pelo Pentágono (p. 2).
Para Barnett, o ‘’caos’’ era um mito – difundido pela mídia -, e refletia a falta de entendimento do mundo. Este estava mudando, e de um modo que não se compreendia, ainda. A globalização estava acelerando com ninguém no "volante" (p. 3).
Basicamente, durante os anos 90, os EUA estiveram em mais conflitos do que em qualquer época da década precedente da guerra fria. Não havia, porém, uma visão estratégica por trás dessas respostas a crises, incluídas, no Pentágono, sob a categoria ‘’military operations other than war (MOOTW).
Dessas respostas, porém, emerge um padrão, pois as MOOTW se davam em lugares específicos. Eram regiões à margem, diz o autor, da globalização. Países onde as regras da comunidade dos países efetivamente integrados à globalização não eram eficazes. A definição de perigo era, assim, a exclusão (p. 121).
O novo mapa do Pentágono não é um com dois extremos que se opõem. É um mapa que mostra que regiões estão efetivamente integradas e as que estão largamente excluídas. Barnett, assim, divide o mundo em duas regiões: core, países efetivamente globalizados, e gap, o oposto.
Se exclusão define perigo, prossegue, integrar essas regiões à comunidade dos países globalizados é a resposta. Apenas quando a globalização for de fato global é que se vai ter paz, o que pode ser associado às teorias liberais da Paz Democrática e da Interdependência Complexa.
As guerras interestatais chegaram a um fim, continua. Os novos inimigos são redes transnacionais terroristas, que buscam santuário em Estados excluídos. A violência foi transferida de Estados contra Estados para Estados contra pessoas. A competição interestatal, hoje, está muito mais em um nível econômico.
Em conclusão, afirma que apenas com a nova preempção, divulgada na National Security Strategy de 2002, é que surge uma visão compreensiva da realidade. Essa preempção justificaria a intervenção militar sem evidências de que um ataque seja de fato iminente.
Porém, a NSS não define as condições de uso dessa preempção.
Propor uma guerra perpétua para integrar o gap ao core, e que se baseia em um conceito obscuro (MARINELLO, 2005), arrisca arruinar o Estado. Barnett falha ao não levar em conta que as guerras devem ser breves, para que a cura não seja pior que a doença. Os novos conflitos tendem a se arrastar indefinidamente, e a mera coerção punitiva não resolve essas situações, torna-as, pelo contrário, mais complexas. Ademais, conectividade não é garantia de paz. O Japão Imperial, por exemplo, atacou a China, um de seus maiores consumidores, e os EUA, seu maior fornecedor.
Válida enquanto uma obra que busca, com algum sucesso, compreender a nova era e as novas regras, falha, porém, ao propor uma estratégia que, se seguida, poderia arruinar os recursos dos EUA.


5° período – Relações Internacionais - UNICURITIBA